A Agenda de Propriedade Intelectual
A Agenda de Propriedade Intelectual
A Divisão de Propriedade Intelectual (DIPI), em coordenação com outros órgãos com competência sobre a matéria, é responsável pela definição de posições do governo brasileiro em relação aos debates e negociações internacionais sobre propriedade intelectual (PI), em organismos como a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a União para a Proteção de Variedades Vegetais (UPOV), o Conselho do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC), o Mercosul, a ALADI e outros.
OMPI
O Brasil aderiu à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em 1975. A agenda negociadora da OMPI reflete a dimensão e a importância crescente para a economia contemporânea de bens intangíveis, da digitalização, da inovação e da criatividade. Além de foro de discussão de regras que impactam o funcionamento dos sistemas de inovação e a gestão de ativos de PI, a OMPI destaca-se como provedora de sistemas globais de registro que auxiliam agentes privados na internacionalização de suas operações.
A Organização conta com 193 membros e administra 27 tratados internacionais sobre propriedade intelectual, incluindo sua Convenção. Desses, 13 estão em vigor no Brasil, entre os quais: Convenção de Paris sobre Propriedade Industrial; Convenção de Berna sobre Obras Artísticas e Literárias; Convenção de Roma para a Proteção dos Artistas-Intérpretes, Produtores de Fonogramas e Organismos de Radiodifusão; Convenção da União para a Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV); Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT); Protocolo de Madri sobre Registro Internacional de Marcas (2019); Acordo de Haia para o Registro Internacional de Desenhos Industriais; Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou Outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso. O País ainda está em processo de adesão ao Tratado de Budapeste sobre o Reconhecimento Internacional do Depósito de Micro-organismos para efeitos do Procedimento em matéria de Patentes e ao Tratado da OMPI sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados.
A atuação do Brasil teve especial destaque nas negociações dos dois últimos tratados da OMPI: o Tratado de Marraqueche, de 2013, e o Tratado sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados, de 2024. No primeiro caso, foi o Brasil quem propôs acordo internacional que limitasse o direito de autor incidente sobre publicações destinadas a pessoas cegas ou com dificuldades de visão. No segundo caso, o País, além de ser um dos principais defensores de acordo do tipo ao longo de negociações de mais de duas décadas, presidiu a conferência diplomática que deu origem ao documento. O Tratado foi visto como uma grande vitória de países megadiversos, pois é o primeiro instrumento multilateral do campo da propriedade intelectual a reconhecer a importância da contribuição dos conhecimentos de comunidades tradicionais e povos indígenas, ao criar obrigação para solicitantes de patentes divulgarem a origem de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados em pedidos de registro de patentes.
O Brasil entende que o Tratado representa grande avanço no sistema internacional de propriedade intelectual, com efeitos positivos para a busca de soluções para grandes desafios globais, como a conservação da biodiversidade e o respeito aos direitos de povos indígenas e comunidades locais. Traduz-se em reconhecimento definitivo para o fortalecimento da proteção ao patrimônio genético de países em desenvolvimento e do conhecimento tradicional de povos indígenas e comunidades locais para a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico. Esse reconhecimento é levado pelo Brasil também em negociações sobre outras disciplinas de PI, a exemplo do Tratado sobre Legislação em Desenhos Industriais, adotado em Riade, em 2024, que contempla divulgação de conhecimentos tradicionais em registro de desenhos industriais.
Outra importante contribuição do País nos debates da OMPI foi a proposição, ao lado da Argentina, da Agenda do Desenvolvimento, adotada em 2007. Suas 45 propostas reforçam a importância do equilíbrio entre PI e interesse público e servem como pontos de apoio para a atuação dos países no Comitê da OMPI sobre Desenvolvimento e Propriedade Intelectual (CDIP).
A preocupação com o desenvolvimento torna-se ainda mais relevante no atual contexto de rápidas transformações tecnológicas, em que plataformas digitais e ferramentas de inteligência artificial (IA) generativa protagonizam novos modelos de negócio, a afetar, por exemplo, direitos autorais.
O Brasil vem alertando para a necessidade de atuação dos governos na regulamentação dos direitos autorais no ambiente digital e apontando para distorções que prejudicam a remuneração de artistas e executores. Além disso, o Brasil tem assinalado a necessidade de avaliar iniciativas para que o Sul-Global tenha acesso a essas tecnologias de IA a fim de que elas sejam instrumentos de inclusão e que todos os países tenham a oportunidade de promover o desenvolvimento e a implantação de sistemas de IA com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos seus povos. O País assinala ser fundamental que essa nova tecnologia reflita a diversidade de contextos linguísticos, culturais, raciais e geográficos, evitando a propagação de vieses e de preconceitos.
OMC
O Brasil tradicionalmente tem apoiado, no Conselho de TRIPS da Organização Mundial do Comércio (OMC), que o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio passe a incorporar aspectos da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em especial aqueles que determinam a repartição de benefícios com detentores de conhecimentos tradicionais no caso de direitos de propriedade intelectual obtidos a partir desse patrimônio. Esse tema ganha especial relevo considerando a adoção por consenso do Tratado da OMPI sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados, em 2024.
Além desse tema, as delegações brasileiras continuam defendendo, nos diversos foros multilaterais competentes, a necessidade de utilização consciente das flexibilidades de patentes com o objetivo de garantir o acesso a medicamentos e a sustentabilidade de sistemas de saúde pública, em especial os universais como o SUS. Uma das iniciativas mais importantes nesse sentido, e que contou desde sempre com o apoio do Brasil, foi a revisão do Acordo TRIPS para possibilitar a implementação do parágrafo 6 da Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública de 2001. Na mesma linha, durante a emergência de saúde causada pela COVID-19, o Brasil apoiou a solução que resultou na renúncia de patentes para vacinas contra o vírus em 2023.
Em seus posicionamentos no Conselho de TRIPS, o Brasil tem estimulado debate no sentido de esclarecer se os objetivos estabelecidos no artigo 7 do Acordo TRIPS, como a promoção da inovação tecnológica e a transferência de tecnologia, estão sendo cumpridos. Note-se que o equilíbrio alcançado para a celebração do acordo envolveu conciliar tanto a proteção de direitos de propriedade intelectual quanto a promoção da inovação, incluindo transferência de tecnologias.
Entende-se que a inovação tem e terá papel cada vez mais relevante na busca de respostas a grandes desafios globais, como a superação da pobreza, questões de saúde pública e consequências das mudanças climáticas. Diante do forte vínculo entre propriedade intelectual e inovação, o Acordo TRIPS tem o potencial de atuar como impulsionador do desenvolvimento, em especial em setores com altas demandas tecnológicas relacionadas a esses desafios.
UPOV
A União Internacional para a Proteção de Novas Variedades de Plantas – UPOV é uma organização intergovernamental estabelecida pela Convenção Internacional para a Proteção de Novas Variedades de Plantas, adotada em 1961, em Paris, e revisada em 1972, 1978 e 1991. Seu objetivo é proteger as novas variedades de plantas por meio da constituição de direitos de propriedade intelectual. A Convenção estabelece modalidade sui generis de direito de propriedade intelectual, adaptada especificamente ao processo de desenvolvimento de novas variedades vegetais. A UPOV conta atualmente com 71 membros, tendo o Brasil se juntado à organização em 23 de maio de 1999.
A estrutura da UPOV tem em seu ápice o Conselho e o Comitê Consultivo, abaixo dos quais estão o Comitê Jurídico e Administrativo e o Comitê Técnico. Subordinados ao Comitê Técnico estão os Grupos de Trabalho Técnico sobre: (i) Culturas Agrícolas; (ii) Culturas Frutíferas; (iii) Plantas Ornamentais e Árvores Florestais; (iv) Vegetais; (v) Automação e Programas de Computador; (vi) Técnicas Bioquímicas e Moleculares.
MERCOSUL
A Resolução GMC Nº 17/24 criou o Grupo “Ad Hoc” sobre Propriedade Intelectual (GAHPI) no âmbito da estrutura institucional do MERCOSUL. O GAHPI tem como objetivo elevar ao Grupo Mercado Comum propostas e recomendações em matéria de propriedade intelectual, entre outras tarefas estabelecidas na referida norma do bloco.
O GAHPI realizou sua primeira reunião em 24 de setembro de 2024, em que se discutiram possíveis temas a serem tratados pela instância, a saber: situação do acordo para a proteção mútua de indicações geográficas do Mercosul; cooperação em marcas, patentes e cultivares; combate à pirataria; promoção de empresas com bens e serviços intensivos em propriedade intelectual e outros temas.
ALADI
Por iniciativa do Brasil e do Uruguai, deu-se início, em 2023, a discussões a respeito da criação de instância na ALADI dedicada à discussão de temas de propriedade industrial. Tal grupo foi criado sob o nome de “Reunião de Funcionários Governamentais Especializados em Propriedade Industrial” e realizou sua primeira edição em 12 de agosto de 2024.
O grupo representa espaço de diálogo sobre propriedade industrial e oferece quadro institucional capaz de viabilizar atividades de cooperação. Os participantes têm discutido a importância de fortalecer mecanismos regionais de inovação mediante investimento em pesquisa e desenvolvimento; a agregação de valor e ganhos de qualidade obtidos em produtos protegidos por indicações geográficas; e ideias de incentivo a marcas coletivas, além de outras iniciativas.
Espera-se, entre outras, que as seguintes ações tomem corpo: i) criação de sítio eletrônico descritivo de marcas coletivas protegidas na região, a partir da experiência peruana com a plataforma "Marcas Colectivas"; ii) apresentação de projeto para expansão dos registros de Desenhos Industriais entre os entes de Propriedade Intelectual dos países-membros integrantes do grupo; e iii) desenvolvimento de estudo sobre valorização de ativos de propriedade industrial.