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DEMOCRACIA
Ministra Esther Dweck destaca papel do Estado no fortalecimento da democracia na América Latina
Evento teve como tema “Democracia em um mundo em transformação: desigualdade, desinformação e multilateralismo”. Foto: Adalberto Marques
A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, participou, nesta quinta-feira (29/5), da abertura do seminário “Democracia em um mundo em transformação: desigualdade, desinformação e multilateralismo”, realizado no auditório da sede do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília.
Em sua fala, Esther Dweck destacou a importância histórica das conquistas democráticas no Brasil. “Construímos autoridades eleitorais robustas, estabelecemos mecanismos de alternância pacífica do poder, e desenvolvemos uma infraestrutura eleitoral que é referência mundial. No Brasil, por exemplo, nosso sistema eletrônico é estudado e admirado internacionalmente por sua eficiência e segurança”.
Apesar desses avanços, ela chamou a atenção para um paradoxo na América Latina. “Apenas quatro de cada dez latino-americanos estão satisfeitos com suas democracias, e mais da metade aceitaria que governos não democráticos resolvessem seus problemas. Este dado revela algo profundo: não é apenas descontentamento com governos específicos, mas questionamento da própria capacidade da democracia de entregar resultados concretos”.
A ministra citou a importância de enfrentar os desafios da desinformação e da revolução digital para fortalecer a democracia e que é urgente fortalecer as capacidades do Estado para garantir serviços públicos de qualidade, inclusão social e participação cidadã. “Defendemos uma transformação do Estado que seja técnica, com modernização e transparência, e política, ampliando a participação e garantindo equidade”, afirmou.
Dweck também falou sobre o estabelecimento de diretrizes éticas para o uso da inteligência artificial e informou que o Brasil está desenvolvendo um marco ético para IA que assegure transparência e responsabilidade, garantindo que a tecnologia contribua para o fortalecimento da democracia. “Nosso compromisso é garantir que a IA seja transparente, responsável e centrada nas pessoas. Queremos tecnologia que fortaleça a participação cidadã e melhore os serviços públicos, não que manipule eleitores ou concentre poder de forma antidemocrática. A democracia e a IA devem ser aliadas na construção de sociedades mais justas, não adversárias na disputa pelo futuro”, disse.
Diante dos desafios enfrentados pelo Brasil e pela América Latina, a ministra destacou a importância do fortalecimento das capacidades do Estado para garantir a legitimidade da democracia. “Quando o Estado consegue entregar serviços públicos de qualidade, reduzir desigualdades e garantir direitos fundamentais, a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas se fortalece. Por outro lado, quando o Estado é fraco e sem respostas efetivas, a própria democracia se fragiliza”. Ela enfatizou a necessidade de uma transformação do Estado que seja ao mesmo tempo técnica e política. “Técnica, porque exige profissionalização da burocracia, modernização da gestão pública, uso inteligente da tecnologia e mecanismos eficazes de transparência. Política, porque demanda ampliar espaços de participação cidadã, garantir equidade no acesso aos serviços públicos e assegurar que as políticas públicas respondam às necessidades dos setores historicamente marginalizados”.
Ela encerrou afirmando que a transformação do Estado não se limita à eficiência administrativa, mas é essencial para garantir que a democracia cumpra sua promessa de igualdade e justiça social. Segundo a ministra, esse compromisso é do governo brasileiro e deve ser assumido coletivamente, “como região e como comunidade democrática global”.
Luciana Servo, presidenta do Ipea pontuou os desafios enfrentados pelas democracias contemporâneas diante das desigualdades e da desinformação. “Vivemos um tempo de transição profunda, no qual a democracia, tal como a conhecemos, enfrenta desafios multifacetados. Nunca tivemos tanto acesso à informação, e paradoxalmente, nunca estivemos tão vulneráveis à manipulação. A erosão da confiança no Estado e nas instituições públicas, somada à manipulação digital do debate público, faz parte de um projeto de poder que fragmenta o tecido social. Precisamos restabelecer a confiança pública com diálogo na base, políticas afirmativas e um novo pacto de solidariedade, justiça social e democracia participativa”, afirmou.
Ela ainda sublinhou a importância da colaboração regional e do fortalecimento das instituições públicas. “A América Latina e seus parceiros têm papel fundamental na liderança desse processo. E, além disso, é imprescindível o fortalecimento das instituições públicas como o Ipea, o IBGE, a Embrapa, o Inep, o INPE, o Cemaden, a Enap e a formação de servidores comprometidos com o interesse público. Essas e outras instituições brasileiras fazem a diferença, especialmente em tempos em que o próprio Estado é atacado. Por isso, esta mesa de abertura é tão relevante, pois reúne pensadores, dirigentes e atores-chave na construção dessa agenda de defesa da democracia que seja inclusiva e transformadora”.
Maria Angeles Garcia de Lara, da Direção-Geral de Relações Exteriores da Espanha, destacou a urgência de fortalecer alianças internacionais para enfrentar os riscos que ameaçam as democracias contemporâneas. “Mais do que nunca, devemos colocar em comum e valorizar a comunidade de princípios que compartilham a América Latina e os países da União Europeia. Este é o momento de fazer valer esses valores e de demonstrar, diante das incertezas que se impõem, em que acreditamos: nos direitos humanos, na justiça social, na inclusão e na defesa incondicional da democracia e do multilateralismo. Os extremismos estão bem-organizados, por isso, é essencial que governos e sociedade civil atuem juntos, de forma coordenada, para proteger nossas instituições democráticas. A democracia não pode ser dada como garantida, ela precisa ser defendida todos os dias”.
Jan Souverein, representante da fundação alemã Friedrich Ebert (FES Brasil) também reforçou a importância do debate internacional sobre democracia diante dos desafios contemporâneos. Segundo ele, para a FES, a cooperação entre países e instituições é fundamental para enfrentar um cenário global de instabilidade e retrocessos democráticos. “A democracia só pode funcionar se conseguir resolver os problemas do povo, se conseguir melhorar as condições de vida e promover um futuro melhor, especialmente para as populações marginalizadas e vulneráveis. Os desafios do nosso tempo exigem cooperação internacional, algo cada vez mais difícil, num contexto em que as instituições multilaterais estão sob ataque. É por isso que este seminário levanta as perguntas certas, no momento certo, e esperamos que dele surjam boas ideias para enfrentar esse cenário em transformação”.
Audo Faleiro, da Assessoria Especial da Presidência da República, explicou que o seminário faz parte de um processo iniciado no ano passado, com início, meio e uma próxima etapa já delineada. Segundo ele, a iniciativa surgiu da constatação, feita pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, de que a democracia mundial está ameaçada pelo avanço do extremismo, o que requer uma resposta articulada entre democratas. “O processo começou com uma reunião de alto nível realizada em Nova York durante a Assembleia Geral da ONU, que reuniu líderes de diversos países e organizações internacionais para debater esses desafios e assinar um documento conjunto”.
Conforme Faleiro, a continuidade dessa agenda será marcada por um encontro em Santiago (Chile), no dia 21 de julho, com a participação de vários presidentes ibero-americanos e convites estendidos a líderes de outras regiões. Durante o evento, haverá uma sessão de diálogo com representantes da sociedade civil, com o objetivo de elaborar um documento-base para o próximo encontro, previsto para setembro, em Nova York (EUA).
O seminário em Brasília representa um primeiro passo na construção dessa nova fase da agenda. “Este seminário em Brasília tem papel central para preparar essa próxima fase, pois suas discussões serão fundamentais para a elaboração do documento preparatório que irá subsidiar a reunião em Santiago”. Segundo o assessor, esse documento, em desenvolvimento pelas equipes dos presidentes Lula, Sánchez e Boric, será estruturado em três eixos temáticos que também orientam o seminário: institucionalidade e democracia; desigualdade e democracia; e desinformação e democracia.
A equipe responsável pela relatoria está sistematizando as contribuições dos participantes, que incluem especialistas e representantes dos presidentes, como Pablo Monroy (México), Álvaro Padrón (Uruguai) e Carlos Figueroa. Faleiro encerrou agradecendo a presença e o empenho de todos, ressaltando a importância do seminário para fortalecer o diálogo democrático e a cooperação internacional em tempos tão desafiadores.