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Mineração e transição energética: Brasil discute política estratégica para minerais do futuro
Em um mundo que se reorganiza em torno da descarbonização e da autonomia tecnológica, o Brasil ocupa posição estratégica na oferta de minerais indispensáveis à transição energética. Ainda assim, converte uma parcela mínima de seu potencial em valor industrial, inovação e soberania. O diagnóstico foi consenso entre parlamentares, técnicos e representantes do setor reunidos nesta terça-feira (9), na Câmara dos Deputados, durante seminário que discutiu o Projeto de Lei nº 2780/2024, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) e o Comitê de Governança sobre o tema.
A urgência da pauta se traduz em números. Tecnologias como baterias, turbinas eólicas, painéis solares e redes elétricas exigirão, nas próximas décadas, até seis vezes mais insumos minerais do que hoje. Alguns elementos, como o lítio, podem ter sua demanda multiplicada por 15 até 2050. O Brasil, dono de uma das maiores diversidades geológicas do planeta e de uma das matrizes energéticas mais limpas, é apontado por estudos internacionais como o território com maior vantagem competitiva para a nova indústria global.
“Temos a chance histórica de colocar o país no centro das cadeias de valor estratégicas do século XXI. Mas isso exige decisão política, integração institucional e modernização regulatória”, afirmou o deputado Arnaldo Jardim, relator do projeto e coordenador do seminário, promovido em conjunto com a Comissão de Desenvolvimento Econômico, a Comissão de Minas e Energia e a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável.
Durante a abertura, a secretária de Geologia e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (MME), Ana Paula Bittencourt, destacou o interesse crescente de países e empresas internacionais pelos ativos minerais brasileiros. “O mundo não está apenas de olho nos minerais críticos. Está de olho no Brasil. Temos um momento raro em que geopolítica, sustentabilidade e competitividade convergem. O desafio agora é transformar potencial geológico em desenvolvimento produtivo e soberania tecnológica”, afirmou.
A visão do Executivo foi detalhada por Gustavo Masili, coordenador do Departamento de Tecnologia e Transformação Mineral do MME. Masili fez um paralelo entre a realidade geopolítica dos minerais críticos e a ficção científica. “Hoje, as disputas por esses recursos já não se escondem. A extração e o refino de minerais estratégicos são o novo petróleo. Só que mais complexos, mais concentrados e mais sensíveis às cadeias tecnológicas”, afirmou.
Segundo ele, o Brasil possui vantagens únicas – como uma matriz elétrica 85% renovável, estabilidade institucional, grandes reservas minerais e boas relações internacionais – mas ainda carece de planejamento integrado e mecanismos eficientes de atração de investimentos. “Não existe transição energética sem mineração. Mas para transformar minerais em desenvolvimento, é preciso alinhar políticas industriais, regulatórias e ambientais. A exploração precisa ser feita agora. Esperar demais é correr o risco de ver nossos ativos subterrâneos se tornarem economicamente inviáveis diante do avanço da reciclagem e de outras tecnologias.”

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No primeiro painel do seminário, o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Roger Romão, apresentou um panorama técnico sobre a distribuição e o aproveitamento dos principais minerais críticos no Brasil. Ele destacou o crescimento dos investimentos em projetos de lítio, cobre, grafita e níquel, mas reforçou a necessidade de institucionalizar uma política pública de longo prazo. “Somos um celeiro mineral. Mas não basta ter reservas. Precisamos transformar esse patrimônio em produção e valor agregado. A ANM tem se dedicado à modernização regulatória, à oferta de áreas estratégicas e à qualificação dos processos, mas é preciso reforçar nossa estrutura para acompanhar a escala e a urgência do desafio”, afirmou.
Entre as medidas citadas por Romão estão a automatização de outorgas, a ampliação de leilões de áreas com potencial mineral e a simplificação de processos para reaproveitamento de rejeitos e estéreis. “Minerar com responsabilidade é minerar com inteligência regulatória. E isso só se constrói com governança, dados confiáveis e articulação com o setor produtivo e com a sociedade.”
O diretor-geral da ANM, Mauro Sousa, enviou mensagem em apoio ao debate. “Discutir minerais críticos é discutir o futuro do Brasil. Estamos falando de segurança energética, de soberania e de desenvolvimento sustentável. A ANM trabalha para preparar o país para esse novo ciclo, com mais inteligência regulatória, transparência e foco no interesse público”.
A necessidade de alinhar a política de minerais estratégicos às agendas de inovação e reindustrialização foi reforçada por Carlos Leonardo Durans, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Ele destacou o risco de o Brasil seguir exportando apenas matéria-prima e importando produtos acabados. “É hora de investir em processamento local, gerar empregos de qualidade e reduzir a vulnerabilidade externa. O projeto de lei traz os instrumentos certos para isso: incentivos, governança e visão de longo prazo”, declarou.
O deputado Arnaldo Jardim anunciou que pretende apresentar o relatório sobre o PL 2780/2024 em agosto. “Queremos construir um texto maduro, articulado com o Executivo, com o setor e com a sociedade. O Brasil tem tudo para ser protagonista na nova economia dos minerais críticos. Mas essa liderança precisa ser conquistada com seriedade, transparência e responsabilidade com as futuras gerações”, concluiu.
Assista a integra do seminário: