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Lula, Ramaphosa e Sánchez: Enfrentamos uma emergência de desigualdade
As necessidades das pessoas comuns devem ser colocadas no centro da agenda mundial.
Este artigo vem a público enquanto ocorrem as negociações da COP30 sobre mudança do clima, em Belém. Em breve, a Cúpula de Líderes do G20 acontecerá pela primeira vez em solo africano, em Joanesburgo. Em um momento no qual a instabilidade define uma era, essas cúpulas oferecem ao mundo um caminho para o progresso.
Há muito em jogo. Famílias em todos os continentes enfrentam dificuldades crescentes para fechar o mês; comunidades em todo o mundo encaram a seca, as enchentes e os incêndios florestais não como notícia, mas como o novo normal; enquanto isso, jovens têm oportunidades econômicas reais negadas. As democracias estão ameaçadas em todo o mundo.
Nossa responsabilidade, como líderes mundiais, é oferecer a liderança que estes tempos extraordinários exigem. Mas também é a de desafiar a antiga forma de fazer as coisas, com um novo multilateralismo que coloque as necessidades das pessoas no centro da agenda internacional.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no ano passado durante a presidência brasileira do G20, é um exemplo concreto de como países podem cooperar para erradicar uma das formas mais extremas e cruéis de desigualdade: o acesso a alimentos seguros, adequados e nutritivos. O mesmo vale para a Plataforma de Ação de Sevilha, lançada em junho na Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), que está reunindo governos para ajudar a promover progresso tangível no financiamento do nosso futuro.
Há poucos dias, o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz e uma equipe de especialistas entregaram o primeiro relatório do G20 sobre desigualdade global, baseado em ampla evidência e contribuições e na experiência de países de todos os cantos do planeta. A conclusão é clara: enfrentamos uma emergência de desigualdade, assim como enfrentamos uma emergência climática.
Níveis tão elevados de desigualdade — especialmente o aumento da concentração de riqueza no topo observado em muitos países — estão na raiz de nossas crises econômica, política, social e ambiental.
O relatório mostra que a desigualdade não apenas prejudica o desempenho econômico, mas também ameaça, de forma fundamental, a própria democracia. Riqueza e poder em excesso estão concentrados nas mãos de pouquíssimos — enquanto monopolistas reinam sobre setores inteiros, incluindo grande parte da mídia e a “praça pública” do século XXI representada pelas redes sociais. Mesmo com todo o seu potencial, a inteligência artificial corre o risco de aprofundar ainda mais essas desigualdades.
Entre 2000 e 2024, o 1% mais rico capturou 41 centavos de cada dólar de riqueza gerado — enquanto apenas um centavo foi partilhado pela metade mais pobre da humanidade. Este é um mundo que está se esfacelando. É alarmante que veremos o surgimento dos primeiros trilionários em poucos anos, enquanto quase metade da humanidade ainda vive na pobreza. Ao mesmo tempo, está mais claro do que nunca que a emergência climática é uma crise de desigualdade.
Essas estatísticas devem imprimir urgência aos encontros de Joanesburgo e Belém. A desigualdade extrema é um risco sistêmico para toda economia. Ainda assim, podemos resolvê-la juntos — e é do nosso interesse comum fazê-lo.
Um primeiro passo é capacitar melhor formuladores de políticas e a sociedade a compreender e enfrentar a desigualdade. Em 1988, os governos estabeleceram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para avaliar, com rigor, as evidências que sustentariam a ação para enfrentar a emergência climática. Hoje, é necessário um esforço global semelhante e permanente para enfrentar a emergência da desigualdade.
Nós três apoiamos a criação de um Painel Internacional sobre Desigualdade, conforme proposto no relatório — e promoveremos uma coalizão de governos para defendê-lo e implementá-lo. Ele deve ser a entidade global de referência, oferecendo aos formuladores de políticas, ao setor privado e ao público avaliações técnicas sobre a desigualdade.
Devemos também reescrever as regras econômicas internacionais e reimaginar a cooperação multilateral com base nos valores de soberania e solidariedade. Isso significa novas regras para enfrentar desafios que vão da mudança do clima e da degradação ambiental até as crises da dívida, passando pela fragmentação do comércio e pela tributação justa. Todos exigem cooperação renovada. Nenhum desses temas pode ser equacionado por meio do unilateralismo.
Além disso, há uma enorme oportunidade, na transição verde, por exemplo, para que os países trabalhem juntos de novas maneiras. Redesenhar as regras de propriedade intelectual para responder melhor a crises é necessário para evitar o tipo de apartheid no acesso a vacinas observado durante a pandemia de Covid-19. A FfD4 reacendeu a chama da cooperação para o desenvolvimento sustentável e mostrou como os países podem colaborar de forma inovadora, por exemplo para reformar regras tributárias e a arquitetura global da dívida externa.
Níveis extremos de desigualdade estão longe de ser inevitáveis. São escolhas políticas. Podemos optar por outros caminhos. Pôr fim à desigualdade extrema é o desafio geracional que devemos enfrentar. Faremos dele nossa missão, ao colocar a desigualdade no centro da agenda internacional, começando pela criação de um Painel Internacional sobre Desigualdade. Esse seria um legado capaz de definir uma era.