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Discurso em mesa-redonda com membros do Parlamento Europeu- Bruxelas, Bélgica - 14 de setembro de 1995
É para mim motivo de grande satisfação dirigir-me aos membros do Parlamento Europeu, nesta mesa-redonda. Peco-lhes aceitar, como representantes das 15 nações que integram a União Europeia, as homenagens que lhes trago em meu nome e no de todos os brasileiros. Parlamentar, eu mesmo, durante a maior parte de minha vida na política, tenho por esta instituição o mais profundo respeito e admiração, porque aqui se está forjando o destino de tantos povos, a partir do debate democrático dos grandes desafios e das grandes questões que afetam a vida de milhões de cidadãos europeus. As respostas a essas questões, que Vossas Excelências ajudarão a encontrar com sabedoria e equilíbrio, terão tanto mais alcance universal quanto mais assegurarem a este continente a paz, a democracia, o desenvolvimento, a prosperidade e a justiça social. A realização dos melhores ideais da União Europeia terá repercussão em todo o mundo, pois a prevalência da paz e dos valores democráticos, a perspectiva promissora de fluxos cada vez mais desimpedidos do comércio mundial, o apoio às instituições murdlaterais, o grande volume de investimentos internacionais que os países da região fazem no exterior são indícios claros de que a Europa continuará a ser um dos pólos políticos e económicos mais dinâmicos do planeta. O Brasil mantém, com a União Europeia e, individualmente, com cada uma das 15 nações que a integram, laços muito densos e de longa tradição. Recebemos, ao longo de nossa história, um enorme contingente de imigrantes europeus, de praticamente todos os países da União. Compartimos os mesmos valores e cultivamos a componente europeia de nosso património cultural. Além disso, os expressivos volumes de comércio e de investimentos entre a União Europeia e o Brasil constituem base sólida para nossa parceria e justificam o interesse de nos aproximarmos ainda mais. Senhores Parlamentares, antes de passar a uma troca de impressões sobre temas brasileiros e internacionais, farei uma breve introdução sobre o Brasil que estamos construindo, inspirados na busca do desenvolvimento e do bem-estar de nossa população. Sei que o que está ocorrendo em meu país é objeto de atenção na Europa, pois estamos percorrendo caminhos de renovação. Por essa razão, quero tratar aqui, de forma muito sucinta, da natureza das transformações que estamos vivendo e de como elas podem contribuir para elevar o nível de nossas relações com a União Europeia. Em primeiro lugar, é importante recordar que a democracia constitui hoje elemento indissolúvel da realidade brasileira. Nossa sociedade aprendeu que a democracia, o Estado de Direito, a capacidade de expressar-se livremente, a necessidade de garantir a todos a plena cidadania são instrumentos poderosos para a transformação de um país que não é subdesenvolvido; é, isto sim, injusto.A democracia tornou-se a chave para a conquista do êxito económico. No mundo moderno, a boa política económica exige legitimidade política, adesão consciente da população. Está ultrapassada a fase das soluções tecnocráticas, que tinham inevitavelmente sentido provisório. Assegurada a liberdade política, agora é no campo da liberdade económica, da estabilidade, da justiça social que se situam os maiores desafios. Os brasileiros entenderam que, sem liberdade económica e sem estabilidade, não pode haver crescimento sustentado, geração de mais empregos, competitividade externa para nossos produtos, distribuição de renda, melhoria nos indicadores sociais e no desempenho do Estado no cumprimento das suas funções primordiais.
O Plano Real já completou um ano com resultados excepcionais e trouxe condições para a superação de um modelo de desenvolvimento fundado na industrialização protegida e de forte sentido autárquico. As marcas de sucesso do Plano são evidentes: em 1994, a economia cresceu 5,7%, após haver alcançado o índice de 5% em 1993. As perspectivas para este ano são de crescimento entre 5% e 6%. A inflação, que se fnanteve em patamar próximo aos 40% mensais por longo período de tempo, hoje caiu para algo em torno de 1% a 2% ao mês, um valor ainda alto para padrões do mundo desenvolvido, mas notável para o Brasil, que vivia sob a ameaça permanente da hiperinflação. A inflação era um dos mais cruéis fatores de concentração social de renda. Desde a introdução da nova moeda, a estabilidade de preços proporcionou ganhos para o consumidor, em particular o mais pobre, estimado entre 15 e 20 bilhões de dólares. Assim, pode-se dizer, sem medo de errar, que o Plano Real proporcionou a maior distribuição de renda da história do Brasil. Não por acaso o Real é tão popular para a grande maioria da população, que reconquistou sua auto-estima e confiança num futuro melhor. O desafio agora é dar sustentabilidade à estabilização e ao crescimento. Só assim será possível levar adiante, e com a urgência necessária, projetos eficazes e livres de dientelismo na área social, para assegurar a todos os brasileiros educação, saúde, segurança e moradia. Para tanto, estamos procurando fazer reformas profundas, algumas das quais requerem emendas à Constituição.
O Congresso compreendeu o sentido dessas transformações e já aprovou algumas alterações muito importantes para promover o investimento nacional e estrangeiro em setores antes reservados ao capital estatal ou sujeitos a restrições desnecessárias. Essas propostas atendem à urgência de dar a diversos setores-chave da infra-estrutura - energia, recursos minerais, telecomunicações e transportes - condições de contribuir para o aumento da produtividade geral da economia. Outras reformas têm relação com a sustentação do equilíbrio orçamentário, a verdadeira chave para a estabilização. As reformas fiscal, tributária e previdenciária têm por objetivo garantir que o Estado possa cumprir suas funções básicas sem desestabilizar a economia. Estamos empenhados em assegurar a competitividade do nosso setor exportador, com aumento de produtividade e com redução da carga tributária e dos demais custos resultantes de deficiências na infra-estrutura, que oneram desnecessariamente o preço dos produtos brasileiros. A integração económica regional avança e o Mercosul, hoje, é uma realidade irreversível. Este impulso de integração na América do Sul só se fortaleceu nestas duas últimas décadas, porque a democracia prosperou em nosso hemisfério e o sentimento de rivalidades locais foi substituído pelo espírito da cooperação e da convergência de projetos nacionais. O Mercado Comum do Sul já constitui uma união aduaneira e projeta-se para os demais países da América do Sul. O volume de comércio entre os quatro sócios aumenta a cada dia e já ultrapassa a cifra de 10 bilhões de dólares. Até 2005, estarão definidas as regras para o início da conformação de um espaço económico hemisférico. Por outro lado, a conveniência de preservar e fortalecer nossos vínculos económicos com o resto do mundo torna desejável a aproximação do Mercosul com a União Europeia.
Sei que o Parlamento Europeu acompanha atentamente tal processo e lhe tem dado seu valioso apoio político. Nesse contexto, registro com satisfação a recente visita a Brasília da delegação para as relações com os países da América do Sul, cujos integrantes tenho aqui o prazer de rever. Senhores Parlamentares, compreendemos, em nossa região, que o desenvolvimento não se resume ao progresso material de poucos privilegiados. Deve balizar-se por princípios sociais e éticos. O crescimento económico é essencial, mas sozinho nunca resolverá os problemas sociais ou da deterioração do meio ambiente.
As questões do meio ambiente e dos direitos humanos estão recebendo atenção central em meu Governo. Há poucos dias, enviei ao Congresso Nacional projeto de lei que prevê indenização às famílias de pessoas desaparecidas durante o período de exceção que o Brasil viveu durante duas décadas. Ao reconhecer a culpa do Estado pelos excessos contra a pessoa humana, ao mesmo tempo em que se reforçaram o espírito e a letra da Lei da Anistia, que pacificou o País e lançou os fundamentos da democracia que hoje vivemos em plenitude, pude demonstrar que o Brasil é uma nação capaz de encarar o seu passado e de olhar com liberdade e serenidade para seu futuro. Também é fundamental, para o Brasil, fazer progressos nas questões da violência contra as crianças e contra as populações indígenas do Brasil. São temas de extrema complexidade, dadas as dimensões e a diversidade das situações regionais do País. Estamos desenvolvendo um esforço no plano jurídico para aumentar a capacidade de sanção do Estado, pondo termo à impunidade de muitos crimes. Estamos, igualmente, aperfeiçoando a cooperação entre o Governo Federal e os governos estaduais na repressão da violência. Nesse sentido, é importante falar do grande salto que o Brasil deu, nos últimos anos, em termos de uma mudança de mentalidade em que a honestidade, a rejeição à corrupção, deixou de ser apenas um valor individual e passou a ser um valor coletivo. O País já não comporta qualquer margem de tolerância em relação à corrupção. Senhores Parlamentares, quero encerrar estas palavras manifestando minha preocupação com a questão do desemprego estrutural, que tem afetado tanto as economias desenvolvidas como as em desenvolvimento. Os recentes surtos migratórios do Sul para o Norte são consequência direta da ausência de medidas globais para atacar a questão do desemprego. Temos de dar prioridade absoluta ao treinamento, à educação, à realocação da mão-de-obra e aos ganhos de qualidade e produtividade industrial que não sacrifiquem novos empregos.
Mas, principalmente, temos de superar os efeitos perversos que a exclusão social e económica tem gerado em todo o mundo. Não se resolverão problemas de natureza global, como o desemprego estrutural, como a criminalidade e o narcotráfico, ou, ainda, como o desenvolvimento ambientalmente sustentável, sem formas de cooperação internacional verdadeiramente eficazes e generosas. Todos queremos um mundo melhor para nós mesmos e para nossos descendentes. Como políticos, temos a obrigação de tornar possível o que é necessário. Esse é o nosso maior desafio