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Brasil critica 'protecionismo' da UE por trás de proposta de lei contra o desmatamento (Financial Times, 28 de novembro de 2021)
Proposta de Bruxelas para barrar importações de produtos de áreas desmatadas irrita exportador sul-americano
O ministro das Relações Exteriores do Brasil criticou a União Europeia por “protecionismo comercial” e “miopia” após o bloco propor uma proibição à importação de produtos agrícolas oriundos de áreas desmatadas, destacando a França por críticas específicas sobre os subsídios agrícolas.
Bruxelas propôs este mês uma lei que obrigaria empresas que vendem carne bovina, soja, óleo de palma, café, cacau e madeira para o bloco a comprovarem que as mercadorias não foram produzidas em terras desmatadas ou degradadas depois de 2020.
O Brasil é um grande exportador de vários dos produtos visados, e a iniciativa da UE reacendeu tensões de longa data com o governo do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, que vê motivos ocultos por trás da proposta do bloco.
“O que não posso aceitar é o uso do meio ambiente como forma de protecionismo comercial. Isso é ruim para os consumidores [e para] os fluxos comerciais”, disse o chanceler Carlos Alberto Franco França ao Financial Times em entrevista. “Acho que há uma certa miopia da UE.”
A legislação proposta foi publicada pouco antes da divulgação de novos dados de satélite que mostraram que a destruição da Amazônia brasileira atingiu o maior nível em 15 anos, gerando novas dúvidas sobre o compromisso do governo com a proteção da maior floresta tropical do mundo.
Mais de 13.200 km² foram devastados nos 12 meses até julho — uma área mais de oito vezes o tamanho da Grande Londres —, representando um aumento de 22% em relação ao ano anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foi a taxa mais rápida de desmatamento na Amazônia brasileira desde 2006.
Os números ofuscaram os elogios que o Brasil recebeu por seus compromissos na cúpula do clima COP26, realizada este mês em Glasgow, incluindo uma promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2028 e uma meta mais ambiciosa de atingir emissões líquidas zero até 2050. “Os números [do desmatamento] são chocantes. O Brasil tem um sério problema de credibilidade”, disse um diplomata de alto escalão de país ocidental em Brasília.
França classificou os dados mais recentes sobre destruição florestal como “surpreendentes”, mas afirmou que os números “não são tão ruins quanto parecem”, pois houve melhora desde julho. Os dados do Inpe para agosto, setembro e outubro deste ano sugerem uma redução de 28% no número de queimadas.
“Não há desejo do Brasil de esconder o problema”, acrescentou o ministro. “Quando há desmatamento ilegal, frequentemente está ligado a outros crimes, como infrações trabalhistas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Estamos tratando isso como uma questão policial e isso está dando resultados.”
O Brasil se orgulha de seu setor agrícola tecnologicamente avançado e altamente produtivo, e autoridades costumam enfatizar que a grande maioria das exportações agrícolas do país vem de terras bem manejadas no centro e sul do país, e não de áreas ilegalmente desmatadas na Amazônia.
França direcionou críticas específicas ao apoio estatal da França ao seu setor agrícola. “Entendo os motivos políticos internos do governo francês para apoiar seus agricultores. Não é ambientalmente correto que eles concedam subsídios [agrícolas]. Porque terra e água são recursos escassos e operá-los de forma ineficiente não é sustentável.
“É melhor plantar aqui no Brasil, onde a agricultura é cada vez mais avançada tecnologicamente, do que produzir na França.”
As tensões entre o Brasil e seus parceiros europeus contribuíram para o impasse na ratificação de um acordo comercial cuidadosamente negociado ao longo de 20 anos entre a UE e o Mercosul, bloco que também inclui Argentina, Paraguai e Uruguai.
Bruxelas tem se mostrado relutante em avançar na ratificação do acordo devido à forte oposição de alguns Estados-membros, que acreditam que o Brasil, em particular, não está fazendo o suficiente para combater o desmatamento. França concordou que o pacto comercial “não está avançando”. Um porta-voz do Itamaraty acrescentou: “Não somos a parte que está obstruindo o acordo, o Brasil está pronto para seguir adiante.”
Diplomata de carreira discreto, França já serviu nos EUA, na Bolívia e no Paraguai, e foi chefe do cerimonial no Palácio do Planalto durante o governo Bolsonaro. Foi nomeado ministro das Relações Exteriores em março, substituindo Ernesto Araújo, ideólogo declaradamente alinhado ao movimento bolsonarista, conhecido por sua admiração por Donald Trump, aversão ao “globalismo” e acusado de hostilidade em relação à China.