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Discurso do Ministro Mauro Vieira na cerimônia alusiva aos 50 anos do Curso de Direito Internacional da OEA - Rio de Janeiro, 6 de agosto de 2025
É com grande prazer que participo da comemoração do quinquagésimo aniversário do Curso de Direito Internacional da OEA, iniciativa que tanto contribui para o desenvolvimento jurídico no sistema interamericano.
Ao longo de cinco décadas, gerações de juristas e diplomatas buscaram, neste Curso, aprofundar conhecimentos sobre as normas que orientam as relações entre nossos povos e Estados.
Grandes juristas da nossa região, com o saudoso Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, deixaram aqui lições fundamentais sobre o papel do direito internacional e do sistema interamericano para a consolidação da paz e da cooperação.
Agradeço ao desembargador Claudio Braga dell’Orto por propiciar este espaço para a realização do Curso.
Ao mesmo tempo, o Ministério das Relações Exteriores tem especial satisfação em acolher no Palácio do Itamaraty a Comissão Jurídica Interamericana, que também está em sessão por esses dias.
Tive a oportunidade de trabalhar para a instalação da Comissão no Palácio do Itamaraty em 2002.
No momento, o prédio está sendo restaurado, mas, muito em breve, contaremos com instalações renovadas, à altura da tradição que este espaço simboliza.
Senhor Secretário-Geral,
Em 1906, tomou-se a decisão de sediar no Rio de Janeiro o Comitê encarregado de questões jurídicas no hemisfério, precursor da Comissão Jurídica Interamericana.
A decisão foi tomada na Terceira Conferência Interamericana, realizada a poucas quadras daqui, no antigo Palácio Monroe.
A decisão de sediar essa conferência no Rio de Janeiro esteve no início da construção de uma vocação desta cidade como centro de debates jurídicos internacionais fundamentais não só para o sistema interamericano, mas para o sistema multilateral como um todo.
Também nesta cidade foi concluído, em 1947, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca.
Chegando até tempos mais recentes, as grandes conferências internacionais como a Rio-92 e a Rio+20, bem como reuniões de clubes seletos da governança global como o G-20 e os Brics, tiveram lugar no Rio de Janeiro.
Essa série histórica, do hemisfério aos grandes foros de concertação extrarregional e global, mostra como esta cidade é palco e testemunha viva do universalismo e da diversificação estratégica das relações exteriores do Brasil.
Senhor Secretário-Geral,
Senhoras e senhores,
O direito internacional sempre desempenhou papel central na criação de um ambiente hemisférico baseado na cooperação.
Gostaria de recordar as palavras do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, justamente na III Conferência Interamericana, aqui no Rio, em 1906.
Dizia ele que, em outros tempos, os “Congressos de Paz” eram ocasiões em que (cito) “os vencedores ditavam a lei aos vencidos”, uma lei – explicava – “baseada no respeito ao mais forte”.
“Os congressos de hoje”, continuava o Barão do Rio Branco, “são quase sempre convocados em plena paz e sem constrangimento algum, por bem-entendida previdência, para regulamentar a atividade pacífica das nações, e neles se atende por igual ao direito do mais fraco como ao do mais poderoso” (Fim da citação).
Cito essas palavras para salientar o forte sentido de equilíbrio, cooperação entre iguais e concertação pacífica que emana das palavras do Barão ao abrir os trabalhos da conferência de 1906.
Era com base nesses pressupostos que Rio Branco qualificava a participação do Brasil no sistema hemisférico.
Mais tarde, na década de 1940, quando da assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, o Brasil zelou por integrar o hemisfério à ordem sistêmica assentada na Carta das Nações Unidas.
A memória desse empenho brasileiro na defesa do direito internacional e de uma ordem internacional equilibrada e pacífica é especialmente importante em tempos de crescentes contestações ao arcabouço normativo dessa mesma ordem.
Considero o Curso do Rio fundamental para refletirmos sobre esses desafios contemporâneos e promover o contínuo avanço do direito internacional.
Penso, por exemplo, na questão da desinformação, que tem estremecido a democracia em várias partes do mundo.
Técnicas sofisticadas de manipulação distorcem a esfera pública e favorecem o negacionismo científico.
A reflexão jurídica sobre como enfrentar seus impactos sobre a democracia é cada vez mais necessária.
Hoje, a lei da selva põe à prova o direito internacional.
Medidas unilaterais e violações reiteradas a normas multilateralmente acordadas exigem ação firme para restaurar o primado do Direito Internacional como métrica fundamental das relações entre Estados.
Recordo, nesta ocasião, o meu caro amigo Samuel Pinheiro Guimarães.
No longínquo ano de 1999, o nosso saudoso Secretário-Geral do Itamaraty alertava para o risco de que, “longe de uma era de paz e de segurança, o século 21 [fosse] caracterizado por enorme concentração de poder de toda ordem”, com os Estados da periferia sendo “atingidos pela política de força e de arbítrio”.
É contra a lógica do arbítrio que o Brasil defende uma ordem internacional com o sustentáculo do multilateralismo.
E é para que essa ordem tenha peso, embasamento e vigência real que o Brasil atua por um mundo multipolar.
Em sua visão de multipolaridade, o Brasil não pode deixar de favorecer uma redistribuição do poder global orientada pelo que já chamei de virtude de um mundo em equilíbrio, capaz de reconhecer as legítimas aspirações do mundo em desenvolvimento e de contribuir para a conformação de entornos regionais estáveis e prósperos.
Daí nosso apego ao mandamento constitucional da integração da América Latina, coordenada básica do país.
Daí, também, nosso apego ao entorno imediato na América do Sul.
Em todos esses âmbitos, regionais e extrarregionais, trabalharemos infatigavelmente pelo fortalecimento de uma ordem internacional justa, equilibrada e sustentável.
Estou certo de que este Curso continuará abrigando, este ano e nas décadas que virão, debates valiosos sobre essas e outras questões centrais para o futuro das relações hemisféricas.
Muito obrigado.