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Exploração ilegal em áreas sensíveis alimenta crise humanitária e desafia soberania
Evento reuniu especialistas, autoridades e sociedade civil no jornal Correio Braziliense.
A regulação da mineração no Brasil vive um momento crítico e, ao mesmo tempo, decisivo. Durante o evento CB Talks – Os desafios da agenda de minerais estratégicos para o Brasil, realizado pelo Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas, o diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM), Mauro Sousa, fez um diagnóstico sobre os entraves estruturais, sociais e ambientais que cercam o setor — com ênfase na extração ilegal de ouro e no impacto direto sobre áreas sensíveis, como as terras indígenas da Amazônia.
“O que vivemos hoje não é fruto apenas dos últimos anos. É um processo de desmonte institucional que enfraqueceu o Estado brasileiro”, afirmou Mauro, citando a crise humanitária dos povos Yanomami e a explosão do garimpo ilegal como consequência da ausência prolongada de fiscalização, da precarização dos órgãos de controle e do sucateamento das agências reguladoras.
Em sua fala, o diretor traçou uma linha direta entre o avanço da criminalidade organizada sobre áreas de mineração e a ausência de uma estrutura estatal robusta para dar respostas. “Hoje, grandes organizações criminosas se aproveitam da logística montada para o tráfico de drogas e atuam também no garimpo ilegal. É uma ameaça à soberania, ao meio ambiente e às comunidades tradicionais”, alertou.
Apesar da crítica contundente à mineração irregular, o Diretor fez questão de separar essa prática do garimpo legal, previsto na Constituição Federal e amparado por marcos regulatórios específicos. “Não estamos aqui para demonizar o garimpo em si. Ele é uma atividade legalmente permitida. Mas é preciso garantir que ele seja exercido com responsabilidade social, respeito ambiental e segurança jurídica”, explicou.
Citou ainda o atraso na regulamentação de artigos da Constituição que tratam da demarcação de terras indígenas e da definição de áreas para garimpo, destacando que o vácuo legal contribui para a permanência de conflitos e ineficiência regulatória. “Desde 1988, a Constituição prevê regras para exploração mineral em terras indígenas. Até hoje, nada foi regulamentado. Esse vazio legal é parte do problema”, apontou.
A falta de recursos humanos e orçamentários da ANM foi outro ponto de destaque. Mauro revelou números alarmantes: o Brasil possui mais de 40 mil frentes de lavra ativas e apenas 140 servidores para fiscalizá-las. No caso da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral), são somente três servidores para fiscalizar a arrecadação em todo o território nacional. “É humanamente impossível garantir a fiscalização adequada com esse nível de estrutura”, afirmou.
Ele defendeu a modernização da agência com sistemas integrados de dados e inteligência, capazes de conectar a ANM com a Polícia Federal, o Ibama, a Funai e outros órgãos. “Sem tecnologia, orçamento e cooperação interinstitucional, não conseguiremos combater o garimpo ilegal com eficácia”, completou.
Mauro ressaltou a necessidade de reconhecer a complexidade cultural e econômica do garimpo em comunidades tradicionais. “Há uma relação histórica e telúrica entre as comunidades e a terra. O garimpo é também um fenômeno social que não pode ser tratado apenas como caso de polícia. É preciso oferecer alternativas econômicas reais”, disse, mencionando ainda o risco de trabalho análogo à escravidão em algumas regiões garimpeiras.
Ele também defendeu que a mineração precisa ser vista como questão de geopolítica. “O Brasil é signatário da Convenção de Minamata desde 2013, mas só agora começamos a dar passos concretos na direção de eliminar o uso de mercúrio, o que exige decisão política e ação coordenada”, afirmou, destacando o impacto do metal na saúde de garimpeiros e povos indígenas.
Encerrando sua intervenção, Mauro Sousa apontou para o papel da sociedade no enfrentamento do problema. “Precisamos falar de consumo. É curioso que se compre joias sem saber a origem do ouro. A rastreabilidade é uma exigência crescente dos mercados internacionais, mas também deve ser uma demanda da sociedade brasileira”, afirmou.
O CB Talks, promovido pelo Correio Braziliense, reuniu especialistas como Marivaldo Pereira, secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas; e Frederico Pedran, presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF. O debate reforçou a urgência de construir um pacto entre governo, setor produtivo, Congresso e sociedade civil para garantir uma mineração responsável, inclusiva e ambientalmente sustentável — especialmente quando o Brasil se prepara para sediar a COP 30, no Pará.
Acompanhe a integra do evento no vídeo abaixo: