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Conciliar interesses é desafio para mineração em terras indígenas
O Grupo de Trabalho do Senado Federal sobre Regulamentação da Mineração em Terras Indígenas realizou, na tarde desta terça-feira (18/11), uma audiência pública para debater o “conhecimento geológico das Terras Indígenas no Brasil e o seu potencial para atividade mineral”. Ao longo do encontro, Mauro Sousa, diretor-geral da Agência Nacional de Mineração, ressaltou que, para além da questão econômica, o conhecimento geológico deve ser visto como um ativo do país.
“O Brasil precisa saber o que possui em termos minerais para exercer sua soberania e seu papel na geopolítica mundial. Sem esse conhecimento, não é possível saber o que negociar, como negociar nem com quem negociar”, resume.
Segundo a Constituição Federal, a pesquisa e a lavra de bens minerais nos territórios indígenas ficam condicionados à autorização do Congresso Nacional. Além disso, é necessário ouvir as comunidades afetadas, sendo assegurada sua participação nos resultados da lavra.
“A Constituição não proíbe, apenas exige uma regulamentação adequada observando aspectos socioambientais e econômicos. Porém, como essa regulamentação nunca foi feita, na prática a ANM rechaça todos os pedidos apresentados, e o país fica sem saber o que existe nessas áreas”, esclarece.
Possibilidades além das terras indígenas
Cisnea Menezes Basílio, geóloga e indígena Desana, da região do Alto Rio Negro, ressalta que os povos originários estabelecem uma relação diferente com a geodiversidade. Ela cita os exemplos de Equador e Colômbia, que consideram a Amazônia um sujeito de direito, e defende que o processo considere não apenas o potencial mineral, mas também respeite os interesses, a cultura e os direitos de quem vive e depende desses territórios.
“Entendo a necessidade de se buscar minerais estratégicos para desenvolver economia. Contudo, as mineradoras já desenvolvem pesquisa em outras áreas onde o Sistema Geológico Brasileiro (SGB) identificou potencial e não estão territórios indígenas. Temos também os remineralizadores, capazes de fornecer recursos para além das jazidas. Ou seja, existem possibilidades que não envolvem explorar os minerais em nossas terras”, argumenta.
A representante do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Melissa Volpato Curi, também questiona se não há recursos minerais fora das terras indígenas em quantidade suficiente para atender às necessidades do país. “Esses territórios cumprem um serviço ambiental para toda a humanidade. Precisamos analisar qual a essencialidade das pedras preciosas para o desenvolvimento da sociedade moderna, pois elas estão associadas à invasão do garimpo ilegal com todos os diversos problemas associados. O que o diamante promove além de um desenvolvimento econômico imediatista de um recurso finito?”
Conciliar interesses
Ainda de acordo com a Carta Magna, os bens minerais existentes no território nacional são propriedade da União, incluindo os localizados nas terras indígenas. Por outro lado, a Constituição também determina que compete à União proteger os bens e demarcar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários.
Para Julevania Alves Olegário, diretora do Departamento de Desenvolvimento Sustentável na Mineração do Ministério de Minas e Energia (MME), a mineração tem caráter de interesse nacional, pois para preservar a soberania do Brasil é preciso saber o que existe como recurso natural. “Temos conhecimento geológico defasado em boa parte do Brasil. No caso da Amazônia, onde está a maior parte dos povos indígenas, são grandes as lacunas”, constata.
Esse trabalho de mapeamento é executado pelo SGB, representado no debate por Lúcia Travassos da Rosa Costa, assessora da Diretoria de Geologia e Recursos Minerais da instituição. Ela esclarece que o serviço geológico não realiza pesquisas em terras indígenas desde 1994, exceto quando esse estudo é solicitado pelos próprios povos que demonstram interesse em saber o potencial mineral da área que ocupam.
“Ainda temos baixo conhecimento geológico para afirmar com segurança o potencial de determinada área no caso das terras indígenas. Mas o objetivo do mapeamento não é apenas a exploração econômica. É uma esfera de conhecimento fundamental para a gestão do território nacional, contribuindo para a descoberta de aquíferos, para entender riscos geológicos, subsidiar estudos sobre geodiversidade”, argumenta.
Fernando Azevedo e Silva, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), defende que a regulamentação do tema deve ser amplamente debatida pelos próprios povos indígenas e pelo parlamento brasileiro. Contudo, ele destaca que a maioria dos levantamentos geológicos sobre essas áreas foi realizada nas décadas de 1970 e 1980, portanto antes das demarcações.
“A SGB constatou 799 ocorrências minerais em territórios indígenas, e a reserva de potássio no Amazonas é estimada como uma das maiores do planeta. Mas os dados mais recentes foram coletados por aeronaves e satélites e precisam ser confirmados por trabalhos de campo em uma escala adequada”, diz.
Diálogo amplo e permanente
Na visão de Cislene, que também é representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (PIB), o prazo de 180 dias estabelecido pelo Grupo de Trabalho do Senado para discutir a mineração em terras indígenas é muito pequeno para articular e mobilizar todos os interessados. “Somos 391 povos indígenas no Brasil. Quem está representando todos eles?” pergunta.
Já Melissa Volpato esclarece que nem o ministério nem a Funai falam pelos povos indígenas, sendo necessário que eles participem diretamente do processo. “A consulta com os povos deve se dar através de protocolos de consulta, por meio dos quais eles dizem a forma como querem ser consultados. Além disso, é preciso envolver toda a comunidade, pois nem sempre a liderança é legitimada. Só quem convive diretamente com o garimpo consegue falar e avaliar o que realmente acontece no território”, diz.
Na visão de Mauro Sousa, não existe um antagonismo entre os interesses dos povos indígenas e o interesse nacional, sendo necessário estabelecer diálogo para encontrar o equilíbrio. “O país precisa mapear para entender o seu potencial geológico desde que haja um indicativo de jazimento interessante. Mas isso pode e deve ser feito com respeito à relação do indígena com seu território, sempre mostrando os benefícios e os impactos da atividade. É um processo dialogal permanente”, esclarece.
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Bruno Meirelles — ASCOM da Agência Nacional de Mineração
