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PRÊMIO CAPES DE TESE
Resistência linguística indígena é foco em tese vencedora
Vencedora do Prêmio CAPES de Tese na área de Linguística e Literatura, Bruna Trindade Gomes Carneiro desvendou uma importante história de resistência linguística na Amazônia do século XVIII. Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a pesquisadora resgatou um códice inédito que é foco da sua tese, Um códice em língua geral: edição, estudo paleográfico e sócio-história da Amazônia (1750-1758). O trabalho combina filologia tradicional, história social e ferramentas digitais (como a linguagem Python) para iluminar o papel central das línguas indígenas na formação da identidade linguística brasileira.
Sobre o que é a sua pesquisa? Explique o conteúdo da sua tese.
Minha pesquisa analisa o códice “Grãmatica da lingua geral do Brazil, com hum diccionario dos vocábulos mais uzuaes”, produzido no século XVIII e hoje preservado na Universidade de Coimbra. O trabalho se organiza em dois volumes, trazendo um estudo sócio-histórico da escolarização na Amazônia pombalina e mostrando como a Língua Geral Amazônica (LGA) foi utilizada na catequese, na comunicação cotidiana e, sobretudo, como instrumento para mediar o ensino do português. Também apresenta a edição semidiplomática inédita do códice, acompanhada de um estudo paleográfico detalhado (papel, tinta, marcas d’água, encadernação e caligrafia dos escribas). Por muito tempo catalogado como anônimo, foi possível identificar "duas mãos" em sua produção – ou seja, duas pessoas o escreveram, e em momentos diferentes. Além disso, constatamos que, apesar de estar em uma biblioteca portuguesa, as marcas paleográficas demonstraram que se tratava de escribas que não tinham o português como primeira língua. Isso revela que o processo de escolarização em língua portuguesa envolveu um contexto muito mais bilíngue do que se imaginava: não apenas portugueses, indígenas e africanos, mas também outros falantes originados do Leste Europeu.
Um aspecto central da tese é mostrar que, mesmo alvo das políticas de apagamento pombalinas, a Língua Geral Amazônica não desapareceu. Ao contrário, ela sobreviveu, transformando-se no nheengatu, que permanece vivo até hoje em comunidades da Amazônia. Assim, minha pesquisa não trata apenas de um documento antigo, mas de uma história de resistência linguística que atravessa séculos e continua ecoando no presente.
O que vale destacar de mais relevante na sua pesquisa?
Dois pontos são relevantes: o ineditismo da edição filológica do códice 69, que abre acesso a um documento até então pouco explorado, e a interdisciplinaridade, que combina filologia, paleografia, história social e recursos digitais (como o uso do Python), unindo tradição filológica e humanidades digitais. Além disso, há a dimensão pessoal: a pesquisa foi escrita durante a pandemia e no início da maternidade. A presença do meu primeiro filho nas madrugadas de escrita é parte da própria história da tese, que carrega tanto rigor científico quanto marcas de vida.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
A tese contribui de várias formas: pelo resgate histórico e cultural, que valoriza a memória das línguas indígenas e amplia a compreensão da história linguística do Brasil; pela democratização do acesso, já que a edição inédita torna disponível um documento fundamental para novos estudos; pela metodologia inovadora ao aplicar ferramentas computacionais (Python) a análises paleográficas, abrindo caminhos para pesquisas que unem filologia e tecnologia; e, pela dimensão social ao mostrar como políticas linguísticas coloniais tentaram apagar línguas, oferecendo subsídios para pensar direitos linguísticos e políticas de preservação atuais.
Qual a importância para você de sua tese ter sido escolhida a melhor na área?
A escolha da minha tese como a melhor da área tem uma importância que vai além do reconhecimento individual. Este é o primeiro prêmio recebido pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UEFS, um programa ainda muito jovem, sediado no interior da Bahia, que agora se projeta nacionalmente por meio dessa conquista. É também a primeira vez que uma tese escrita por uma pesquisadora da UEFS recebe o prêmio na área, o que amplia ainda mais a dimensão simbólica desse reconhecimento. Ao todo, é apenas o segundo prêmio da CAPES/MEC conquistado por toda a instituição desde a criação da premiação, o que mostra o quanto essa conquista é histórica para a UEFS.
Para mim, pessoalmente, significa ver um trabalho feito em condições de muitos desafios — pandemia, maternidade e todas as dificuldades da pesquisa no Brasil — alcançar visibilidade e mostrar que ciência de qualidade também nasce em universidades do interior. Esse prêmio, portanto, é coletivo: pertence às mulheres que fazem ciência, às mães pesquisadoras, ao meu programa e à minha universidade.
Além disso, esse reconhecimento é ainda mais significativo porque a pesquisa trata das línguas gerais do Brasil, em especial da Língua Geral Amazônica, cuja história foi durante muito tempo silenciada. Ao resgatar e editar um códice inédito do século XVIII, a tese ilumina o papel das línguas gerais na formação do português brasileiro e na escolarização da Amazônia, num momento em que o português se consolidava como língua nacional. Assim, o prêmio também simboliza a valorização de uma história linguística plural, marcada por resistências.
Foi bolsista da CAPES/MEC? Se sim, de que forma a bolsa contribui para sua formação?
No doutorado, recebi financiamento da CAPES/MEC no primeiro mês de pesquisa. Esse apoio foi fundamental para viabilizar minha formação acadêmica: permitiu dedicação integral à pesquisa, realização de mobilidade internacional, acesso a acervos e participação em eventos científicos. Sem a bolsa, seria inviável desenvolver um trabalho dessa envergadura, que exige consulta a documentos raros e longos períodos de análise em arquivos históricos. Sem essa política de fomento, uma pesquisa tão extensa, interdisciplinar e inovadora seria inviável – principalmente para aquelas que se tornam mãe durante a pesquisa e, neste caso em especial, durante a pandemia.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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