Notícias
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
‘Programas fundamentais’, diz promotora sobre cotas e Abdias

- Imagem: Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz (Julia Prado - CGCOM/CAPES)
A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz, esteve na CAPES/MEC para uma palestra sobre letramento racial e antirracista. No mesmo dia, concedeu uma entrevista na qual abordou ações educacionais, como as cotas raciais e o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, que classifica como “programas fundamentais”, e a importância de se ter um Dia da Consciência Negra no Brasil.
Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz é promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia desde 2004. Há dez anos, atua promotoria de Justiça de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, Defesa das Comunidades Tradicionais e das Cotas Raciais do MPBA. A jurista é graduada em Direito e mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Direito – Ciências Políticas e Jurídicas pela Universidade de Lisboa.
O Brasil tem mais de 50% da população autodeclarada preta ou parda e a Bahia, mais de 80%. Qual é o caminho para que esses números sejam refletidos em posições de destaque na sociedade?
É necessário que o Brasil implemente políticas de ações afirmativas sérias e que ultrapasse um mero discurso. Eu costumo dizer que as cotas raciais foram e são, ainda, um pequeno, porém firme passo rumo à justiça social nesse país, que não acontecerá sem a justiça racial. Então não é uma questão apenas numérica, é uma questão, é uma condição, na verdade, de legitimidade democrática. Nós não podemos falar que vivemos em um país efetivamente democrático se as instituições públicas e privadas não refletem sequer minimamente a diversidade da população brasileira.
Recentemente, as cotas raciais chegaram à pós-graduação. A CAPES/MEC também relançou o programa Abdias Nascimento, com R$ 600 milhões para ações afirmativas. O que acha disso?
É fundamental que tenhamos uma política de monitoramento das ações afirmativas. Nós não podemos esquecer que as cotas raciais não são um ponto de chegada, são um ponto de partida. O objetivo final não é que as pessoas adentrem a universidade, mas que elas saiam formadas em condições de disputar esse mercado de trabalho, que é mais um funil racial também para a população negra. Portanto, programas como esses são fundamentais porque tratam não só do ingresso de pessoas negras nas universidades, mas da permanência.
Abdias Nascimento, aliás, tratava desses assuntos há mais de 40 anos, como deputado, ao tratar do que chamava de ações compensatórias...
Abdias Nascimento foi um visionário. Em 1983, ele apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei com medidas compensatórias que vão desde a indenização de descendentes de pessoas escravizadas, uma política pública que nós não discutimos ainda e que é fundamental. Tivemos a aprovação do Fundo de Reparação da Escravidão e essa medida é de fato importantíssima na nossa fase política pública sem orçamento, mas Abdias já previa essa medida compensatória em 1983 no seu projeto de lei e previa também cotas raciais, que eu chamo de cotas raciais interseccionais. Ele falava em 20% de vagas para mulheres negras e 20% para homens negros, prevendo aí essa asfixia social da mulher negra.
O Brasil teve 388 anos de escravidão formal, como forma dominante da economia. Qual é a importância da educação da história e cultura afro-brasileira e indígena para compreendermos o peso disso na nossa sociedade?
A escravidão, o trabalho forçado, era a base da economia brasileira e o Brasil foi o último país do Ocidente inteiro a declarar a abolição da escravidão. O Brasil não realizou justiça de transição em relação aos crimes contra a humanidade, em relação às barbáries cometidas pelo Estado. Nós falamos, por exemplo, do genocídio indígena. O Brasil não foi descoberto. Foi um território invadido, e nós não tivemos justiça de transição para os povos originários. Nós também não tivemos justiça de transição para cerca de 40% de pessoas escravizadas de origem africana. O Brasil foi o maior porto de chegada de pessoas africanas escravizadas do mundo. É muito importante que nós tenhamos letramento racial e antirracista para conhecermos a nossa história e entendermos por que que ainda hoje a população negra segue sendo vítima de todos os tipos de violência.
Qual é a importância de o Dia da Consciência Negra ser um feriado nacional?
Olhando o calendário brasileiro, podemos verificar que a maior parte dos feriados nacionais são feriados cristãos. É importante também pensarmos nesses momentos de conscientização e de reflexão coletiva. Eu digo que o dia 20 de novembro, muito mais do que um dia de celebração, o Dia da Consciência Negra precisa ser um dia de reflexão, de compromisso e de assunção de responsabilidades.
[NR: Desde 2011, 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A data, porém, só passou a ser feriado nacional a partir de dezembro de 2023, com a sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Lei nº 14.759].
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura CGCOM/CAPES