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HISTÓRIAS DA AVALIAÇÃO
“Precisamos valorizar mais a pesquisa feita no Brasil”
Graduada em Química pela Universidade Mackenzie e com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), Cecília Nunez é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e professora dos programas de pós-graduação em Botânica do Inpa, em Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Mestrado em Biotecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Curiosa desde a infância e incentivada pelo pai a compreender o funcionamento das coisas, ela construiu uma carreira marcada pela interdisciplinaridade e pela busca por soluções biotecnológicas a partir da flora amazônica. Nesta entrevista, Cecília, que participou este ano pela quarta vez como avaliadora da CAPES dos programas de pós-graduação, fala da sua trajetória acadêmica, das suas linhas de pesquisa com plantas amazônicas, da importância de atrair pesquisadores para o Brasil, de valorizar mais a pesquisa feita no país e de fazer a ciência crescer em todas as regiões.
Como foi sua trajetória acadêmica até chegar à docência na Amazônia?
Minha trajetória acadêmica começou em Química, ainda por influência do meu pai. Ele sempre queria que eu soubesse o porquê das coisas. Quando quis aprender a dirigir, meu pai não simplesmente me ensinou a dirigir; ele queria que eu aprendesse um pouco de mecânica, a trocar o pneu. Ele sempre incentivou muito os estudos.
Fiquei entre Química e Biologia, mas como eu não gosto de dissecar animais e mexer com sangue, fui para Química mesmo, na Universidade Mackenzie de São Paulo. Aí eu me identifiquei com a Química Orgânica e, para o mestrado, estava decidida a estudar a Química das plantas. Conversei com minha orientadora, que me aceitou mesmo tendo muitos alunos, e fui fazer o que realmente queria: saber o que as plantas produzem e se poderiam virar medicamentos. Sempre tive essa ânsia de estudar a composição química das plantas e ver se aquilo poderia ser usado.
Foi uma sequência: mestrado e doutorado na USP. Durante o doutorado a minha orientadora me deu a liberdade de começar colaborações em ensaios biológicos, que renderam bons frutos e me estimularam no resto da carreira. Meu primeiro pós-doutorado foi em São Carlos, na USP, com produtos naturais marinhos. Quando passei no concurso do Inpa, pude desenvolver mais as colaborações em várias linhas de pesquisa. Sou muito curiosa e, por isso, bem interdisciplinar. Eu queria aprender a fazer, dialogar, estudar a composição química das células vegetais. Foi natural ir para a Biotecnologia. Hoje trabalho também com cultura de tecidos vegetais. E, pelas associações das plantas com fungos, trabalho também com os fungos, tudo visando produzir substâncias em maior escala. Se quero um medicamento, preciso de escala de produção, e essa é a grande dificuldade.
Quais são suas principais linhas de pesquisa?
Na pesquisa, tenho trabalhado na busca por medicamentos a partir de plantas. Estudo os fungos que vivem associados às plantas, para ver se eles são capazes de produzir o que a planta produz. Essa é uma das minhas linhas de pesquisa. A outra é pegar plantas ativas e colocá-las em frascos, para ver o que elas produzem sozinhas.
O interesse surgiu antes do Inpa, mas o Instituto acabou sendo um espaço para expandir isso, graças aos projetos de pesquisa que consegui aprovar em agências públicas de fomento. Esses projetos foram fundamentais para ampliar os espaços e comprar equipamentos.
Qual a importância da pós-graduação na sua visão pessoal e acadêmica?
A pós-graduação abre cabeças, abre mentalidades. A pessoa que tem essa oportunidade começa a ampliar sua visão de mundo. É muito importante ter pessoas capacitadas. Às vezes se critica o número de doutores, mas não há desperdício. Um doutor pode dar aula no ensino médio e formar melhor os alunos. O pesquisador pode atuar em vários nichos e contribuir para a formação mais qualificada de outras pessoas. Qualquer país que quer aumentar o PIB investe em ciência e na formação de mestres e doutores. Isso tem retorno na economia, nas empresas, no ensino e na capacitação das pessoas. É fundamental investir também nos locais mais remotos. Tenho muitos alunos do interior do Amazonas e do Pará, que só tiveram acesso por causa do ProUni e da expansão dos campi universitários. É gratificante ver como essa moçada se dedica. Quanto maior a dificuldade no começo, mais o aluno valoriza o estudo. É muito interessante observar isso.
Como vê o fato de que o maior número de pesquisas sobre a Amazônia serem feitas por pesquisadores que estão na Amazônia?
É muito bom! Isso demonstra que, quando há investimento, o pesquisador local devolve esse investimento com muito trabalho desenvolvido. O Inpa, a UFAM, a UEA têm hoje bons equipamentos, e isso muda tudo. Antes, eu precisava mandar amostras para universidades do Sul e Sudeste e, às vezes, elas se perdiam no Correio. Com investimento no Norte, a pesquisa começa a ser feita aqui e gera bons frutos. São pesquisas de alto nível, com premiações. Isso é fundamental.
Qual o ganho para a avaliação da pós-graduação com a participação da comunidade acadêmica?
Amplia a visibilidade de todas as regiões do país. Antigamente, era tudo concentrado no Sudeste, e muita gente não tem noção do que é pesquisar fora do eixo Rio-São Paulo. Quando quem vive essa realidade participa da avaliação, pode trazer dados reais e sensibilizar. Os números frios das planilhas não mostram tudo. É preciso ler os relatórios, comparar evoluções, entender contextos.
Isso só pode ser feito por pessoas, não por máquinas. Por isso, a avaliação precisa ser presencial, pois o olho no olho é fundamental. É um trabalho intenso, mas essencial para que o julgamento seja justo.
Quais são os principais desafios para o futuro da pós-graduação?
Ser atrativa na internacionalização e valorizar o que é feito no Brasil. O problema é que, muitas vezes, se pensa a internacionalização como mandar gente para fora do país. Mas nós é que precisamos ser atrativos! Temos centros de excelência, como o Inpa, que já são atrativos para peruanos, colombianos, mexicanos, e até gente de Madagascar e do Paquistão. E temos atraído pesquisadores de Portugal, inclusive para realizarem seus estágios de pós-doutorado aqui. Temos que valorizar o que é feito aqui. E saber que somos atrativos na nossa língua. Claro que é importante aprender técnicas fora, mas não podemos continuar levando nossas plantas, nossos alunos e nossos recursos para que outros assinem os artigos como líderes da pesquisa. O desafio é valorizar a pesquisa nacional, investir na descentralização e fazer a ciência crescer em todas as regiões do Brasil.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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