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PRÊMIO CAPES DE TESE
Feira do livro e memória cultural são temas de tese
Tarcísio Bezerra Martins Filho é formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Fortaleza (UFC) e foi bolsista durante o mestrado e o doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Sua tese, intitulada Livro, o fruto da feira: materialidade e cultura da impressão entre publicadores independentes, foi premiada na categoria de Design do Prêmio CAPES de Tese. O trabalho ressalta o uso do design a partir da memória gráfica e da cultura material em feiras de publicações independentes, analisando tanto artefatos — como tipos de papel, tintas e tecnologias de impressão — quanto as relações sociais envolvidas nessa produção. Tarcísio também introduz o conceito de “bibliodiversidade gráfica”, que promove a produção criativa e a experimentação como um desvio da obviedade do livro tradicional.
Sobre o que é a sua pesquisa? Explique o conteúdo da sua tese.
Minha atuação como designer de livros me aproximou de feiras de publicações independentes, das quais participei tanto como visitante quanto como expositor. Essas experiências me revelaram a riqueza visual da cultura material e da impressão. Assim, minha pesquisa aborda o design pelo viés da memória gráfica e da cultura material, perspectivas que orientaram minha análise. Se, por um lado, a investigação detalha aspectos materiais muito específicos dos artefatos — como tipos de papel, tintas e tecnologias de impressão —, por outro, também estabelece relações entre a camaradagem entre os publicadores, a participação nas feiras e a reação às formas tradicionais de se fazer livros.
Elementos como o papel, a escolha tipográfica, as tecnologias e os acabamentos, entre outras práticas de design, nos ajudam a construir uma cultura da impressão e a refletir sobre as dinâmicas dos processos sociais. O impresso não se esgota em si mesmo; ele é parte das dinâmicas e tecnologias de seu tempo, sofrendo transformações que abrem diferentes possibilidades para o design e para o ofício da impressão.
São atividades que refletem estratégias de circulação e consumo e, ao mesmo tempo, nos convidam a repensar a relação do livro com a sociedade. Minha tese discute, portanto, a materialidade dos livros no circuito das feiras independentes. Interessava-me abordar a experimentação e a ousadia como marcas desse campo editorial. A partir da singularidade de cada livro estudado, busquei compreender o pensamento gráfico aplicado, ressaltando o papel do designer como agente fundamental para essa produção. Trata-se, assim, de um retrato da editoração contemporânea à luz de uma discussão sobre o design no tempo presente.
O que vale destacar de mais relevante na sua pesquisa?
Considero que a relevância da minha tese está em sua proposição metodológica, que trabalha simultaneamente com questões técnicas da produção editorial e com um pensamento situado no campo das ciências sociais. O trabalho posiciona-se em uma encruzilhada simbólica e política entre o tecnicismo e a crítica, buscando entender o livro tanto em sua dimensão física (o “objeto em si”) quanto social (quem o faz e por que o faz).
Dentre as contribuições do trabalho, destaco o que chamo de “bibliodiversidade gráfica”. Esse neologismo, de origem em coletivos latino-americanos, tem na heterogeneidade seu fundamento. No mercado editorial, a bibliodiversidade promove a produção criativa e o desenvolvimento do setor, estando no cerne do campo independente. Ela se refere não apenas à disparidade de gêneros e obras, mas também a modelos de negócio e processos de circulação.
Um fator crucial nessa bibliodiversidade é a experimentação gráfica como um desvio da obviedade do livro enquanto objeto. Enquanto numa economia de escala prevalece a homogeneização do design, entre os independentes vemos o interesse oposto: tratar cada livro como um projeto autônomo, com características gráficas próprias. Dessa forma, não só se contribui para a bibliodiversidade, mas também para uma bibliodiversidade gráfica que se impõe pelo desejo de experimentação e por um pensamento visual com o design como vetor. Essa diversidade, por sua vez, não apenas enriquece o panorama editorial, como também desafia os leitores com novas experiências de leitura, propondo o livro como um espaço de produção criativa.
De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
Minha pesquisa contribui ao destacar a lógica econômica distinta dos produtores culturais independentes, que é ordenada pela valorização de bens simbólicos. Para simplificar, podemos pensar o campo editorial de forma dicotômica: de um lado, um polo que minimiza riscos para obter retorno rápido; de outro, um polo que atua em longos ciclos de produção, seguindo a lógica do objeto de arte, no qual o retorno está associado à construção de um catálogo intelectual e a uma venda lenta de estoque. Esta última perspectiva enxerga a editora como produtora de capital simbólico, sujeita aos tempos da arte.
Obviamente, essa dicotomia é apenas uma imagem preliminar de um campo muito mais complexo e cheio de gradações. O estudo das publicações independentes é uma atividade recente, em parte pela contemporaneidade do fenômeno, mas também porque essa produção muitas vezes fica à margem dos regimes de visibilidade hegemônicos. Enquanto há muitos dados sobre as grandes empresas, carecemos de discussões aprofundadas sobre os pequenos e microempreendimentos.
Pensar a cultura da impressão a partir desses grupos é dar voz a agentes que, embora não centrais, são essenciais para o campo. Nas feiras independentes, o visitante encontra uma produção peculiar que, mesmo dialogando com o grande mercado, possui uma linguagem própria. Em sua materialidade, os livros se destacam pela inventividade gráfica. Desse modo, essa produção caracteriza-se como um objeto do design contemporâneo que explora a impressão com a dedicação de um artífice, oferecendo à sociedade uma alternativa tangível e rica aos modelos industriais.
Qual a importância para você de sua tese ter sido escolhida a melhor na área?
Fico feliz por minha tese ter sido escolhida porque ela aposta em um movimento para repensar outras formas de fazer e pensar o design. Somos uma área muito ligada ao modernismo, cujas bases disciplinares vêm do século XX. Nosso desejo de reconhecimento como ciência nos fez assumir uma postura muito categórica, por vezes rigorosamente matemática, da produção criativa. Voltar o design para as questões do contemporâneo e para as discussões das ciências sociais me parece fundamental para avançarmos. Uma história do design que dê luz a perspectivas locais, muitas vezes marginais a um modelo hegemônico, dialoga com a área chamada de “Memória Gráfica”. Nela, observam-se possibilidades emergentes em um campo que envolve um olhar crítico sobre os artefatos. Essas investigações privilegiam estudos à margem da lógica eurocêntrica de uma história do design modernista, importada para a América Latina a partir de modelos como os da Escola de Ulm e da Bauhaus. Na minha tese, entendo a memória gráfica como um ponto de confluência que engloba diferentes pesquisadores com abordagens semelhantes, elegendo objetos e sujeitos distintos dos já consolidados. Trata-se de um posicionamento revigorante para nosso campo. Ao longo do trabalho, desejei discutir práticas que permitem a fuga das amarras de um mercado editorial preso à lógica capitalista. O reconhecimento do meu trabalho é, assim, um reconhecimento de outras rotas possíveis para a construção do design.
Foi bolsista da CAPES/MEC? Se sim, de que forma a bolsa contribui para sua formação?
Fui bolsista da Capes/MEC tanto no mestrado quanto no doutorado. Sem esse auxílio, não teria tido condições de realizar a pesquisa. Como política pública, a Coordenação desenvolve um trabalho rigoroso e fundamental para o fomento da pesquisa em nosso país. Se almejamos um país soberano, é preciso apostar na ciência e em sua capacidade inventiva de propor soluções e pensar criticamente a nossa sociedade.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) é um órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
(Brasília – Redação CGCOM/CAPES)
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