Histórico
Fruto 1ª Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia – 1ª COMIGRAR, organizada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2014, a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) representou um novo paradigma de promoção de direitos das pessoas migrantes e refugiadas no Brasil, ao romper com o viés securitário do anterior estatuto migratório.
A nova modernizou e humanizou o marco jurídico migratório e de refúgio, substituindo o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) por uma abordagem centrada em direitos humanos e na acolhida humanitária. As migrações deixam de ser abordadas sob a égide da segurança nacional, e a pessoa migrante – independentemente de sua condição migratória – passa a ser considerada promotora do desenvolvimento nacional e a gozar de igualdade de tratamento com nacionais sem discriminação de qualquer natureza.
Observa-se, portanto, o marco histórico representado pela 1ª COMIGRAR, não só por ter sido a gênesis da atual lei de migrações; mas, também, por representar a primeira instância de ampla participação social das populações migrantes no Brasil, em uma época em que o normativo vigente lhes vedava organizar desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza.
Além do extenso rol de direitos previstos para as populações migrantes, a Lei 13.445/2017 inova, ao incorporar, em seu art. 120, o instrumento por meio da qual aqueles direitos seriam garantidos, qual seja, a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia – PNMRA, abaixo transcrito:
Art. 120. A Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia terá a finalidade de coordenar e articular ações setoriais implementadas pelo Poder Executivo federal em regime de cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com participação de organizações da sociedade civil, organismos internacionais e entidades privadas, conforme regulamento.
§ 1º Ato normativo do Poder Executivo Federal poderá definir os objetivos, a organização e a estratégia de coordenação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.
§ 2º Ato normativo do Poder Executivo Federal poderá estabelecer planos nacionais e outros instrumentos para a efetivação dos objetivos desta Lei e a coordenação entre órgãos e colegiados setoriais.
§ 3º Com vistas à formulação de políticas públicas, deverá ser produzida informação quantitativa e qualitativa, de forma sistemática, sobre os migrantes, com a criação de banco de dados.
A ausência de regulamentação do art. 120, por meio da expedição do ato constante do §1º supracitado, no entanto, foi uma das principais lacunas contra a qual os movimentos sociais de pessoas migrantes, refugiadas e apátridas tem se se manifestado desde 2017.
Importante ressaltar que, entre 2017 e 2023 – primeiro ano do atual governo Lula – , o Brasil recebeu fluxos acentuados de pessoas em deslocamento forçado, já que vindas de países que passam por guerras e crises humanitárias. O perfil da imigração para o país também mudou, com destaque para o aumento de pessoas da Venezuela; indígenas; crianças e adolescentes; pessoas idosas; grupos LGBTQIA+; pessoas com deficiência; enfim, grupos em situação de vulnerabilidade cada vez mais extrema, portanto, com necessidades específicas de proteção. Ademais, observa-se o aumento de fluxos oriundos de países com culturas muito diferentes da brasileira, a exemplo do Afeganistão e da Ucrânia.
Em 2023, uma das primeiras medidas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por meio da Portaria MJSP nº 290/2023, foi a criação do grupo de trabalho voltado ao estabelecimento da PNMRA – processo a ser coordenado pelo Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça (DEMIG/ SENAJUS).
Ato seguinte, a Portaria SENAJUS nº 70/2023 nomeou os membros do GT e organizou as discussões nos 6 grandes eixos temáticos:
I - Eixo Regularização Migratória;
II - Eixo Integração local;
III - Eixo promoção e proteção de Direitos, combate à xenofobia e ao racismo;
IV - Eixo Participação Social; e
V - Eixo Relações Internacionais e Interculturalidade.
A normativa previu também o convite a pessoas físicas com reconhecida atuação no tema e representantes de órgãos e entidades públicas ou privadas, bem como a escuta ao Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e a representantes de estados e municípios que acolhem pessoas migrantes, refugiadas e apátridas, preferencialmente por meio de seus comitês ou conselhos locais.
Ao longo de março de 2023, o GT organizou 22 reuniões com cerca de 165 participantes, entre representantes de 14 Ministérios, além de outros 9 órgãos públicos, 4 agências internacionais, 52 organizações da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa e especialistas convidados. Norteava as reuniões o objetivo de criação de uma política plural, abrangente e acolhedora, de abordagem sistêmica e que extrapolasse as perspectivas de regularização migratória e documental e de atendimento emergencial.
Ao todo, foram recebidas 1,4 mil contribuições das reuniões do GT, 309 respostas a formulário de consulta pública e 33 documentos institucionais. Nota-se, portanto, que o processo de criação da PNMRA foi “bottom up”, ou de “baixo para cima”, uma vez que executado a partir de uma ampla escuta incial com a sociedade.
Em 2024, a sistematização das contribuições do GT deu origem a uma primeira minuta da PNMRA, iniciando-se um longo processo de discussões e de negociações do texto entre os 7 ministérios, futuros signatários da política: Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério da Saúde (MS) e Ministério da Educação (MEC).
Em novembro do mesmo ano, reafirmando o compromisso do governo Lula com os processos de participação social – e etapa do estabelecimento da PNMRA –, o MJSP organizou a 2ª Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia – 2ª COMIGRAR, que reuniu mais de 700 pessoas e 271 delegados em Brasília, DF, e aprovou 60 propostas de ações de políticas públicas para populações migrantes, refugiadas e apátridas residentes no Brasil.
O ano de 2025 inicia-se com novas rodadas de discussões do texto da PNMRA – agora acrescido de subsídios extraídos da 2ª COMIGRAR – entre as 7 pastas ministeriais. Ainda, alinhamentos do MJSP sobre a PNMRA com a Casa Civil da Presidência da República também ocorreram.
Foram realizadas reuniões tanto online quanto presenciais, as quais foram antecedidas e sucedidas pelo compartilhamento das novas versões do texto para comentários e alterações. Ao longo do primeiro trimestre de 2025, em paralelo, começou-se a trabalhar, internamente no MJSP, a minuta do normativo de criação de um dos instrumentos basilares de governança da PNMRA: o Conselho Nacional de Migrações (CMig).
Importante salientar que a construção da normativa do conselho precisava ocorrer concomitantemente à fase final de validação pelos ministérios do texto da PNMRA, já que o colegiado integra a própria PNMRA enquanto instância de governança migratória.
Com o texto pactuado, o MJSP – na qualidade de ministério proponente e futuro coordenador da PNMRA – encaminhou a PNMRA e seus documentos correlatos para análise pela Casa Civil da Presidência da República e futura anuência dos signatários da PNMRA.
À luz do exposto, observa-se que a construção da PNMRA é fruto de um processo amplamente democrático, participativo, cuidadoso e técnico, cujo produto representará mais um marco histórico do Estado brasileiro no que concerne a primazia dos direitos humanos e a promoção de direitos das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas que estão no Brasil.