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Seminário de mudanças climáticas
Entre os dias 20 e 22 de agosto Brasília sediou o I Módulo do Seminário Mudanças Climáticas e Povos Indígenas realizado pela Funai, Instituto de Pesquisas da Amazônia – IPAM, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB e a filial brasileira da ONG norte americana The Nature Conservancy – TNC. O objetivo do encontro é formar lideranças indígenas de todo o Brasil nos meandros das negociações da 20º Conferência do Clima que acontece no final do ano em Lima no Peru e deverá ter uma expressiva participação indígena.
A formação será feita em três módulos para poder aprofundar os conhecimentos e escolher lideranças indígenas com perfil para acompanhar a COP20. "Os indígenas da Amazônia já discutem há algum tempo este tema e até foram abordados por algumas empresas oferecendo projetos de crédito de carbono em suas terras. Mas os outros povos indígenas fora da Amazônia precisam conhecer melhor os impactos que as mudanças climáticas podem trazer ao seu modo de vida tradicional", disse a Coordenadora da COIAB e da APIB Sonia Bone Guajajara na abertura.
A APIB, que reúne entidade das 5 regiões, escolheu lideranças locais que poderiam levar o conhecimento do seminário para suas aldeias de forma a multiplicar o aprendizado. "Os povos indígenas são importantes atores nas mudanças climáticas por dois motivos básicos. Suas terras são as mais preservadas, podendo ser uma saída para a redução do carbono se forem reflorestadas ou mantidas, e os indígenas estão entre as populações mais sensíveis às mudanças do clima por seu modo tradicional de viver estar diretamente ligado à natureza e seus ciclos", informa Demian Nery do IPAM.
Segundo os dados apresentados por Ane Alencar do IPAM, os impactos das mudanças climáticas devem atingir de forma diferente cada região do país e cada bioma. No nordeste do Brasil, onde restam Terras Indígenas a ser demarcadas, a desertificação do semiárido é o fenômeno mais preocupante, reduzindo ainda mais a já pequena capacidade de produção de alimentos para a população. Na amazônia existe a tendência de savanização da floresta com a redução do período entre secas e cheias que impacta no crescimento das árvores e aumenta o risco de queimadas de grande extensão. O centro –oeste brasileiro poderá sofrer aumento da temperatura, que já é sentido pelos representantes indígenas da região. Estevão Bororo diz que as idas para a roça estão cada dia começando mais cedo pois o sol fica tão quente na metade da manhã que só é possível terminar o trabalho no final do dia.
Os indígenas da região sul serão os mais impactados. Suas terras foram demarcadas antes da constituição federal e por isso apresentam-se em pequenas ilhas com pouco espaço para a sobrevivência do modo de via tradicional e as florestas ainda preservadas devem sofrer maior pressão em uma região em que o processo de desertificação avança e as chuvas em maior volume causam estragos imensos todo início de ano. "Se tivéssemos terras demarcadas como foram na Amazônia já estaríamos tendo que nos preparar para as mudanças que virão. Sem espaço real para esta adaptação eu acredito que vai aumentar a migração para as cidades, o que é muito ruim para nosso povo que já é populoso nas cidades" disse Marcio Kokoy, liderança da juventude Kaingang.
Percepção de mudanças climáticas nas aldeias
Para Fernanda Toniolo do IPAM, a parte mais difícil do desafio e mais importante também seriam os relatos das mudanças climáticas que já estão sendo sentidas nas aldeias e como enfrentá-las. Um trabalho de grupo, neste primeiro módulo, deu oportunidade aos indígenas debaterem suas percepções das mudanças climáticas e propostas de solução para reduzir os estragos.
Algumas das mudanças percebidas foram: processo de desertificação, morte dos peixes com a baixa do rio, seca gerando mais fogo, falta de comida, baixa produção de alimentos plantados, mudança de marés, inundações em aldeias que as vezes trazem peixes mas podem trazer venenos químicos também, descontrole do fogo na hora de fazer os roçados e as caçadas com uso do fogo, desorganização social, escassez de matéria prima para construção de casas de rezas, os pinheiros não está dando mais pinhão, aproximação de onças e outras mudanças nas cadeias alimentares mudam também a territorialidade dos predadores, diminuição na quantidade de polinizadores, comunidades migram em busca de material para artesanato mudando processos sociais, geadas fora do tempo esperado que faz perder o plantio.
As soluções, sempre difíceis de imaginar quando não se conhece a fundo qual será o futuro do clima, foram na linha de aumentar a informação das comunidades e melhorar as condições para seguir nos modos de vida tradicional dos povos indígenas. Algumas que foram mencionadas com mais frequência: Fazer mapeamento para escolher os locais de proteção e refúgio dos animais a ser preservado. Aumentar as capacitações do programa Prev-Fogo com a ajuda dos anciões para incluir o conhecimento tradicional no manejo do fogo. Criação de viveiros florestais e de sistemas agroflorestais para plantar alimentos e remédios naturais juntos com as florestas.
Sinergias com a PNGATI
A Coordenação Geral de Gestão Ambiental – CGGAM - da Funai, apresentou as sinergias dos mecanismos da convenção do clima com os princípios do PNGATI, o Plano Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas. A proposta que já conta com 30 Terras Indígenas envolvidas, busca apoiar e dar visibilidade às formas de gestão ambiental e territorial executadas pelos povos indígenas no seu modo tradicional de viver. O coordenador do GATI Robert Miller afirma que "a adaptação baseada nos ecossistemas, um conceito da Convenção da Diversidade Biológica de 2009, pode ser o elo de ligação entre estes dois universos. A mata ciliar exerce muitas funções ecológicas e pode servir como parte do processo de adaptação dos indígenas aos novos cenários climáticos".
De fato, o PNGATI tem no seu eixo 2 uma missão explícita que deu o embasamento institucional para a construção de todo processo de formação. Um dos objetivos da PNGATI expresso na Lei que o criou é: "Promover a participação dos povos indígenas nos fóruns de discussão sobre as mudanças climáticas".
O projeto trabalha com três perguntas fundamentais para a compreensão das mudanças climáticas e da construção do plano de futuro das etnias: como era a terra antigamente? Como está hoje a terra indígena? E como os indígenas querem que ela esteja no futuro?
Parece um bom começo para definir as estratégias de enfrentamento aos próximos dias de chuva, sol e frio com intensidade desconhecida e previsão de cenários climáticos catastróficos feitos pelos cientistas.