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Projeto Ibaorebu - tecendo diálogos e saberes com base na interculturalidade
Dando continuidade ao Projeto Ibaorebu de Formação Integral Munduruku, foi realizada no período de 17 de julho a 16 de agosto, na aldeia Sai Cinza, a 10ª Etapa do "Tempo Escola".
Com atividades de ensino aprendizagem que envolveram dimensões teóricas e práticas de agroecologia, educação e saúde, consolidando o Ibaorebu como um espaço educativo de intensa produção e criatividade, que envolve 210 cursistas, professores indígenas, especialistas e lideranças indígenas do Povo Munduruku, da região do Médio e Alto Rio Tapajós.
A dimensão de interculturalidade, a natureza interdisciplinar da proposta e a avaliação contínua do processo, articulados aos princípios originalmente discutidos com as comunidades, têm possibilitado que os Munduruku se apropriem do Ibaorebu como um espaço permanente de trocas, construção de saberes, práticas e reflexões. Essa apropriação ocorre de diferentes formas: nos trabalhos de autoria; nas decisões que norteiam as prioridades e os caminhos a trilhar; no fórum permanente de debates que ocorrem nas etapas do "tempo escola", com a realização de seminários abertos realizados semanalmente; nas etapas do "tempo aldeia" com as pesquisas, a mesas de saberes e os seminários; e no espírito investigativo e uso da pesquisa como princípio educativo. Desta forma, o Projeto que mantém os cursos de Magistério Intercultural, Técnico em Agroecologia e Técnico em Enfermagem, supera a concepção do espaço escolar como principal local de aprendizagem e busca priorizar os conhecimentos indígenas e as expressões de identidade e cidadania.
O Projeto Ibaorebu conta em sua trajetória com o apoio da Coordenação Geral de Promoção da Cidadania – CGPC, por meio da Coordenação de Processos Educativos – COPE, e a dedicação da Coordenação Regional Tapajós para sua execução. Pela natureza interdisciplinar da proposta tem sido possível contar também com o apoio da Coordenação Geral de Etnodesenvolvimento – CGETNO e da Coordenação Geral de Gestão Ambiental - CGGAM, e vem avançando para a construção de parcerias com as Coordenações CGMT e CGPDS. Para a realização das ações, a FUNAI mantém parceria também com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA, particularmente o Campus Rural de Marabá e o Campus da cidade de Itaituba.
A 10ª Etapa Intensiva do Projeto Ibaorebu
A 10ª Etapa Intensiva do Projeto Ibaorebu, em seu primeiro dia, teve inicio com um tema bastante inquietador, que reuniu as quatro turmas em torno do debate sobre "Sistemas abertos de educação", em uma espécie de aula inaugural mediada pela educadora Judite Albuquerque. Esse momento foi de extrema importância para retomar questões relativas aos princípios do Projeto, a situação das escolas nas aldeias, o lugar das pedagogias e conhecimentos indígenas, e a reflexão sobre os problemas enfrentados atualmente na relação com os sistemas de ensino do município e do estado.
Magistério Intercultural
As turmas do Magistério Intercultural começaram a etapa em ritmo de debates sobre sistemas de ensino, realizando estudos comparativos entre os sistemas abertos de educação e os "sistemas fechados", analisando a situação atual das práticas e do funcionamento das escolas indígenas que continuam reféns dos sistemas municipais e estaduais de educação, em franco desrespeito a legislação sobre o assunto. A discussão iniciada no primeiro dia, junto com as turmas de agroecologia e técnico de enfermagem, contribuiu para mapear as dificuldades enfrentadas pela educação diferenciada e as possibilidades de atuação de forma mais autônoma. Esse estudo sobre sistemas se articulou de forma muito produtiva à discussão sobre uma política linguística para as escolas, durante as atividades da abordagem de linguística e língua Munduruku, realizada no período.
Durante a etapa, as turmas de Magistério vivenciaram também atividades de etnohistória, realizando trabalhos e ricas discussões sobre a ocupação colonial e resistência indígena na Amazônia, Cabanagem e SPI, que deu origem a pequenos livros artesanais temáticos. A área de ciências contou com aulas de física e bioquímica, estudando os fenômenos e conceitos e relacionando-os aos aspectos da natureza, às interações no dia a dia, e às alterações nas terras indígenas. Também deu-se continuidade aos estudos sobre os direitos relativos à educação escolar indígena, e às formas próprias de transmissão de conhecimentos dos Munduruku.
Técnico em Agroecologia
Durante a 10ª. Etapa "Tempo Escola", a turma de Técnico em Agroecologia realizou estudos sobre direitos ambientais e direitos indígenas, e abordagens da área de ciências através de atividades e experiências de física contextualizadas nas práticas do cotidiano, como o uso de equipamentos fluviais e os processos de produção de farinha. Foi feita uma viagem de estudos a aldeia Traíra, no rio Tapajós, onde foram realizadas práticas agroextrativistas e entrevista com o sábio Lídio Karo, sobre sementes e cultivos antigos ameaçados de desaparecimento nas comunidades. Na aldeia Sai Cinza foram realizadas práticas importantes, voltadas para a contenção da erosão existente e recuperação de quintais. Um outro fato relevante foi o plantio de 600 mudas de espécies nativas, cupuaçu, açaí, pupunha, castanha, biribá, entre outras, em uma área de capoeira antiga existente na aldeia, com a finalidade de preservar os olhos d'água, principal fonte de água potável que alimenta o sistema de abastecimento que atende a comunidade.
Técnico em Enfermagem
Os cursistas do Técnico em Enfermagem mantiveram um ritmo intenso de estudos, realizando discussões e trabalhos sobre doenças mentais, com debates que buscaram a compreensão dos conceitos e das concepções de saúde dos Munduruku. As atividades foram compostas também pelas abordagens sobre doenças tropicais na Amazônia e doenças que comumente acometem as crianças, oportunidades que possibilitaram o diálogo com os conhecimentos da medicina indígena. Complementando o ciclo , na última semana, as atividades concentraram-se na discussão da Antropologia da Saúde, buscando compreender as relações e tensões entre a medicina indígena e o sistema médico ocidental.
Professores mediadores e professores Munduruku.
O sucesso dos trabalhos das etapas do Ibaorebu deve-se muito ao apoio dos caciques da aldeia Sai Cinza, Vicente e Nezinho Saw, que bem representam a generosidade e a disposição da comunidade em acolher as atividades do tempo escola, assim como à colaboração de profissionais de diferentes áreas, e à dedicação dos servidores da Coordenação Regional do Tapajós (Itaituba) e da CGPC.
A 10ª Etapa contou com a participação de professores assessores não indígenas, que atuam mais como mediadores do processo de ensino aprendizagem nas abordagens curriculares, do que no papel convencional de professores, trabalhando ao lado dos professores Munduruku.
Colaboração : André R.F. Ramos / Claudia Bandeira
Fotos: Janaína Justino, Thiago Cardoso, Daniel Belik