Cidadania
A Constituição Federal Brasileira (art. 231 e 232) reconhece o respeito às formas de organização própria dos povos indígenas, além de suas crenças costumes, usos e tradições bem como os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras.
O Decreto 5051/04 (Convenção 169 da OIT) reafirma o reconhecimento desses direitos constitucionais e ressalta o direito de autonomia dos povos indígenas, no sentido de garantir o respeito às formas diferenciadas de vida e organização de cada povo indígena; seus anseios; e planos de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus territórios, afastando-se antigos ideários de assimilação, superioridade ou dominação frente a povos indígenas.
Entende-se que a garantia de direitos de cidadania aos povos indígenas fundamenta-se no reconhecimento da diversidade e no respeito e fortalecimento das formas próprias de organização de cada povo indígena, para garantir que as decisões e estratégias diferenciadas dos povos indígenas sejam consideradas no interior das políticas públicas e na relação com os diferentes setores nacionais.
São caracterizados como direitos de cidadania o direito à igualdade, à liberdade de expressão, direitos políticos, e direitos a uma vida digna e gratificante. Uma evolução da ideia de cidadania trouxe ainda a noção de direito ambientais, de gênero e o direito à diversidade.
O Artigo 4 da Convenção 169 da OIT dispõe:
1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos interessados.
2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos livremente pelos povos interessados.
3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não deverá sofrer nenhuma deterioração como conseqüência dessas medidas especiais.
Por isso, além da garantia ao cidadão indígena da participação na vida política nacional com direito a voto, acesso a documentação, não-discriminação e direitos de cidadania, reconhece-se que os povos indígenas também se apresentam como coletividades singulares frente à sociedade nacional. Isso significa dizer que os povos indígenas organizam-se por meio de usos, costumes, tradições dentro de sociedades indígenas - inclusive com regras internas próprias - e que, como coletividades distintas, também participam das decisões políticas de Estado.
O desafio do Estado Brasileiro hoje é implementar uma política indigenista não assimilacionista, que supere relações de dominação ou de dependência impostas pelo modo de vida não-indígena. Essa política deve observar as singularidades dos diferentes povos indígenas e respeitar as manifestações de vontades autônomas desses povos no que diz respeito às suas opções de vida.
Também cabe ao Estado Brasileiro investir no fortalecimento dos povos indígenas e de suas formas próprias de organização social, naqueles casos em que a atuação de entes públicos ou privados junto a esses povos levou – ou pode levar - à desagregação social e situações de vulnerabilidades sociais, territoriais, ambientais ou econômicas.
Assim, o Estado atua por meio da Funai em resposta às demandas das comunidades indígenas no que se refere ao fortalecimento interno e respeito externo das dinâmicas sociais singulares dos diferentes povos indígenas sobre diferentes temas (ex. assuntos de gênero e geracionais, formas de resolução internas de conflitos, gestão territorial e ambiental, etc.).
A Funai entende que conhecer as regras de organização, de conduta, os pontos de vistas, valores, anseios e o tipo de relação que os povos indígenas querem estabelecer com a sociedade nacional é o primeiro passo para uma relação respeitosa e, consequentemente, para a elaboração de leis e para a implementação de políticas que atendam à construção de um Estado verdadeiramente pluriétnico.
Enquanto órgão indigenista federal, responsável pela coordenação das políticas indigenistas, cabe à Funai levar a conhecimento dos povos indígenas os direitos que os protegem, as demandas que os envolvem e assim refletir sobre como o modo de organização não-indígena pode fazer respeitar o modo de vida indígena, inclusive a partir da educação comunitária. Cabe ainda à Funai trabalhar junto aos órgãos de governos - que desenvolvem políticas e ações que afetam ou interessam os povos indígenas - o entendimento do tipo de relação que os diferentes povos querem manter com a sociedade. Assim, a Funai visa garantir que as ações estatais não ameacem as formas próprias de organização dos povos indígenas.
Portanto, quando falamos de cidadania para povos indígenas, significa também que o Estado brasileiro reconhece a decisão dos povos indígenas de manterem relações diferenciadas com a sociedade nacional, inclusive no que diz respeito à participação da vida política e à seletividade na incorporação de bens e serviços.
Muitos povos optam por fazer prevalecer dinâmicas coletivas próprias, como é o caso de diversos povos de recente contato e dos povos indígenas isolados, que em razão de sua especial condição de vulnerabilidade exigem uma atuação ainda mais diferenciada da Funai. Nesses casos, é papel da Funai garantir que ação de órgãos públicos que possam afetar esses grupos, ou o interesse de agir de setores privados não coloquem em risco a integridade física, a língua e os modos de vida destes grupos, exigindo sempre a expressa manifestação do órgão indigenista.
Por tudo isso, a atuação da Funai no campo da cidadania se dá a partir de um leque de ações junto a entes públicos e privados. Na articulação com outros órgãos públicos que têm interfaces com a política indigenista, ou seja, que digam respeito a povos e terras indígenas, o entendimento da autonomia dos povos indígenas é fundamental para a execução de políticas de proteção e gestão territorial e ambiental bem como de etnodesenvolvimento, e na implementação de políticas de saúde e educação, políticas de assistência e seguridade social, políticas culturais, políticas de desenvolvimento regionais, etc. Nessa linha, a Funai acompanha e participa de fóruns, colegiados e conselhos de sistemas e políticas que digam respeito a direitos indígenas e auxilia a participação indígena dessas instâncias.
Em resumo, a Funai serve como uma espécie de interlocutor entre diversas formas de organização social indígenas e não indígena e assim contribui para a construção de relações interculturais, que considerem ao máximo o modo de vida e os planos de futuro dos povos indígenas.
São princípios de atuação indigenista:
1. Garantia de um dialogo intercultural respeitoso
2. Respeito e fortalecimento da autonomia e formas de organização próprias dos povos indígenas com reconhecimento de suas decisões.
3. Acompanhamento diferenciado para povos indígenas de recente contato e/ou em terras com presença de índios isolados
4. Garantia de informação adequada aos povos indígenas e de acordo com a legislação em vigor
5. Fundamentação das decisões de governo que afetam povos indígenas considerando suas formas próprias de organização e os direitos de participação e de consulta livre prévia e informada