A Ética da Terra
Em junho, quando se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente (dia 5/6) e se renovam as esperanças na Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas (ONU – de 9 a 13/6), surge a oportunidade de refletirmos sobre o lugar que ocupamos no mundo. As queimadas nas florestas, o gelo que se vai calado, o mar que muda de cor e humor. Tudo isso não é apenas um aviso da ciência ou sinal de previsão: é o mundo dizendo que desaprendemos a escutá-lo. São também retratos de perdas de valores que antes pareciam guardados com mais zelo, como o cuidado com os que virão depois de nós.
A agonia da Terra revela, com certa melancolia, o quanto nos afastamos de nós mesmos – seja nas marés desreguladas ou nas estações que não cumprem o combinado. Há tempos não escutamos os sinais do tempo. Na pressa de desejos imediatos, pouco a pouco, naturalizamos a lógica do excesso: extrair além do necessário, consumir sem critério, descartar com indiferença — como se os recursos fossem infinitos.
No serviço público, ética também é saber usar com parcimônia o que se tem. O político uruguaio Pepe Mujica (1935-2025) dizia que a liberdade começa quando nos despedimos do excesso: viver “com o suficiente para que as coisas não me roubem a liberdade”. E tinha razão. Gastar menos não é sovinice; é gentileza com quem vem depois. Cada recurso que se guarda é um gesto de cuidado, não com a conta, mas com quem dividimos este mundo. E, quando ele lembrava que pagamos as coisas com o tempo da nossa vida, dizia aquilo que sabemos, mas raramente nos permitimos sentir: tempo não se acumula e não aceita troco.
O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto 1.171/94) nos lembra que:
“causar dano a qualquer bem pertencente ao patrimônio público, deteriorando-o, por descuido ou má vontade, não constitui apenas uma ofensa ao equipamento e às instalações ou ao Estado, mas a todos os homens [e as mulheres] de boa vontade que dedicaram sua inteligência, seu tempo, suas esperanças e seus esforços para construí-los”.
Cuidar do que é do coletivo é um jeito de devolver à vida um pouco da dignidade que ela nos empresta. Escolher o que é sustentável, e estender a mão ao próximo, é como dizer: “estou aqui cuidando do que é seu também”. Preservar o que é público é guardar memória e compromisso num mesmo gesto. Esses valores, que às vezes parecem grandes demais para o nosso cotidiano, começam nos gestos miúdos. No mesmo sentido, a ética não se mede pelo tamanho dos atos, mas pela coerência com que cuidamos do que é da sociedade. E cuidar, como se sabe, é uma das formas mais simples, e mais sérias, de civilização.
É também essa delicadeza silenciosa, feita de atenção e respeito, que se vê nas imagens de Sebastião Salgado (1944-2025), no Projeto Gênesis, em que fotografou o mundo que ainda não desaprendeu a ser mundo. Suas lentes revelaram ambientes onde a pressa ainda não passou, onde o barulho da máquina ainda não venceu o som do vento. Viu geleiras como páginas em branco, desertos com ar de eternidade, matas que cochicham e povos que vivem em voz baixa, como se desconfiassem do futuro. Cada fotografia é um lembrete: não estamos acima da natureza — estamos dentro. As imagens de Salgado são sinais de um tempo em que o mundo ainda falava por si, sem tradução. E há nisso tudo uma esperança antiga: a de que ainda é possível habitar o mundo com comedimento. Essa esperança nos pede uma humildade que talvez só se aprenda ao escutar o som da Terra — aquele som fundo, feito barulho de mar dentro de uma concha.
Essa escuta também pode se dar no cotidiano mais modesto do serviço público: na pausa sem pressa para o café, numa breve caminhada depois do almoço, num pedaço de pão caseiro repartido entre colegas, no hábito de frequentar feiras orgânicas de produtores locais ou num diálogo sem pauta — desses que valem mais pela presença do que pelas palavras. Esses pequenos gestos ajustam o tom com que pisamos no mundo. E é nesse compasso, mais contido e mais gentil, que mora a parte mais decente da civilização.

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Texto adaptado do Boletim Informativo da CEP nº 83 – Junho de 2025