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Reunião do Banco de Desenvolvimento do Caribe começa em Brasília com debates sobre integração regional e desenvolvimento
O primeiro dia de debates da 55ª Reunião Anual do Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC), realizado nesta terça-feira (10/06), em Brasília, foi dedicado a discutir os rumos da integração regional e as alternativas para um desenvolvimento mais resiliente e inclusivo. Promovido em parceria entre o BDC e o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), o encontro teve início com dois painéis que abordaram, respectivamente, a conectividade física entre Brasil e Caribe e a necessidade de mecanismos financeiros mais eficazes no enfrentamento da fome e da pobreza. Encerrando a programação do dia, a Palestra Memorial William G. Demas foi conduzida por Nigel Clarke, Diretor-Geral Adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O primeiro painel “Improving Physical Connectivity between Brazil and the Caribbean” abordou soluções para fortalecer as trocas comerciais, o turismo e a circulação de pessoas por meio de investimentos em infraestrutura logística, digital e energética. O secretário de Articulação Institucional do MPO, João Villaverde, destacou o momento político favorável à integração. “Essa é uma pauta que está no coração do presidente Lula. Quando a pessoa mais carismática da política brasileira fala sobre a integração do nosso continente e a aproximação com o Caribe, isso gera uma força política que não havia antes. Temos que aproveitar esse momento”, afirmou.
Villaverde destacou a Rota das Guianas como o eixo “mais caribenho” entre os cinco corredores de integração definidos pelo Brasil. Ele apontou o Porto de Santana, no Amapá, como um ponto logístico crucial para o escoamento de exportações brasileiras e a recepção de produtos caribenhos. “Estamos reestruturando o porto para permitir mais comércio bilateral. Isso pode contribuir, inclusive, para a redução da inflação em países do Caribe”, disse. O secretário também mencionou a política de céus abertos e convidou os caribenhos a explorarem o turismo no Norte do Brasil, em especial no entorno do Rio Amazonas.
O representante do BDC, Lennox O’Reilly Lewis, reforçou o potencial ainda pouco explorado da parceria. “O Brasil foi o quinto maior parceiro comercial do Caribe em 2023, com mais de US$ 2 bilhões em trocas. Esse número já foi de US$ 5 bilhões em 2008. Isso mostra o quanto ainda podemos crescer”, afirmou. Ele defendeu novos modelos de financiamento com divisão de riscos entre governos e setor privado, e destacou projetos já em andamento, como o trecho da estrada entre Linden e Mabura, na Guiana. “Precisamos viabilizar investimentos em infraestrutura, portos, aeroportos e digitalização. Isso é essencial para ampliar as oportunidades de comércio e reduzir custos logísticos.”, afirmou.
Verônica Prates, da Embraer, representou o setor privado. Ela destacou que a conectividade aérea é decisiva para o desenvolvimento econômico e social. “Conectividade significa crescimento de pequenos negócios, troca de culturas e fortalecimento do turismo. Nossa história está diretamente ligada à aviação regional”, afirmou. A executiva sugeriu quatro medidas prioritárias: ampliação de acordos de céus abertos, redução de impostos e taxas sobre passagens, modernização de aeroportos e controle de tráfego, e harmonização de políticas migratórias. “Em alguns países, os tributos chegam a representar 70% do valor da tarifa aérea. Precisamos discutir isso em conjunto”, disse.
Roque Felizardo, da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), reforçou o papel dos acordos de serviços aéreos. “Desde 2022, facilitamos a entrada de companhias estrangeiras com autorizações ágeis e regulações modernizadas. Hoje, cerca de 70% dos nossos acordos internacionais são de céus abertos, incluindo com países como Suriname, Guiana, República Dominicana, Aruba, Bahamas e Jamaica”, explicou. Ele anunciou tratativas em andamento com Barbados e Trinidad e Tobago.
O pesquisador Luiz Marcelo Michelon Zardo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chamou atenção para a necessidade de integrar as infraestruturas digital e energética da região. “Os estados brasileiros que compõem a Rota das Guianas – Amapá, Roraima, Amazonas e Pará – têm os piores índices de acesso à internet do país. Além disso, enfrentam instabilidade no fornecimento de energia elétrica”, apontou. Ele propôs a criação de um anel óptico que conecte as redes do Brasil e do Caribe.
“A maior densidade da rede traria mais velocidade, confiabilidade e garantiria o funcionamento mesmo em caso de falhas em um dos trechos.” Na área energética, Zardo destacou o potencial hidrelétrico subutilizado das Guianas, que possuem regime de chuvas complementar ao da Amazônia. “Essa integração pode reduzir riscos de apagão e tornar o fornecimento mais estável e sustentável para toda a região.”
Rodolfo Sabonge, diretor geral de Planejamento do Ministério de Economia e Finanças do Panamá, alertou para os desafios estruturais do mercado caribenho, como a baixa demanda e os custos logísticos. “É difícil oferecer transporte frequente com baixa escala. Em alguns casos, o serviço público pode precisar de incentivos para viabilizar sua existência”, disse. Ele sugeriu a criação de parcerias público-privadas regionais para transporte aéreo e marítimo.
Financiamento coordenado
No segundo painel do dia, “Mecanismos Financeiros Inovadores para o Combate à Fome e à Pobreza”, o assessor especial Renato Domith Godinho, do governo brasileiro, criticou a fragmentação da cooperação internacional. “Muitas vezes financia pequenos projetos que não têm escala nem impacto e que não dialogam com as prioridades dos países”, disse. Ele destacou o papel da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza como mecanismo articulador de esforços financeiros, com protagonismo dos países e foco em políticas públicas estruturadas.
Godinho explicou que a Aliança, lançada durante a Cúpula do G20 em novembro de 2024, já conta com 188 membros. A proposta é trabalhar a partir das prioridades dos países, com apoio técnico e articulação entre governos, bancos de desenvolvimento e agências multilaterais. “Não é mais o país que precisa se adaptar à lógica dos doadores. Agora, a cooperação internacional precisa se moldar aos programas nacionais.”, disse.
O ministro das Finanças do Haiti, Alfred Métellus, relatou a situação crítica vivida por seu país. “A pobreza atinge cerca de 36% da população, e quase metade enfrenta insegurança alimentar. Cerca de 5,7 milhões de haitianos têm dificuldade de acesso à alimentação”, afirmou. Ele ressaltou que, além de recursos financeiros, o país precisa de assistência técnica para reestruturar seu sistema de proteção social e consolidar programas de transferência de renda.
A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, reforçou o compromisso do Brasil com a agenda da Aliança. “Estamos muito longe da meta histórica de 0,7% do PIB em ajuda oficial ao desenvolvimento. Precisamos de uma ação coordenada e da disposição dos doadores e bancos multilaterais para apoiar programas nacionais de larga escala”, afirmou. Segundo Rosito, a experiência brasileira mostra que políticas públicas consistentes, com financiamento adequado e base em evidências, são capazes de reduzir a fome de forma rápida e eficaz.
Os debates reforçaram o compromisso regional com uma integração que vá além da infraestrutura física, abrangendo também inclusão digital, sustentabilidade energética e mecanismos de financiamento social.
Memorial William G. Demas
Ministrada por Nigel Clarke, Diretor-Geral Adjunto do Fundo Monetário Internacional (FMI), a palestra em memória de William G. Demas apresentou estratégias concretas para promover a diversificação econômica, fortalecer a sustentabilidade fiscal e aprofundar a cooperação regional, fatores que ele considera essenciais para que o Caribe prospere em um cenário global incerto. “Vivemos um momento de incerteza excepcional na economia global. Mudanças recentes de políticas indicam uma redefinição do sistema de comércio internacional. A volatilidade financeira aumentou e os riscos à estabilidade financeira global se intensificaram significativamente”, disse.
Clarke chamou atenção para a capacidade do Brasil de manter estabilidade macroeconômica mesmo em cenários adversos. Ele ressaltou, no entanto, que não se trata de replicar modelos, mas de absorver lições. “Não estou dizendo que os países do Caribe devam replicar exatamente a política fiscal do Brasil. Mas o que afirmo com convicção é que estabilidade macroeconômica e resiliência são pré-requisitos para qualquer avanço significativo. Sem isso, pouco se pode construir”, ponderou.
O representante do FMI ainda destacou a importância da inclusão financeira e da inovação tecnológica, citando o caso do Pix como exemplo de solução bem-sucedida. “O Brasil inovou ao criar o Pix, uma solução que permite a qualquer pessoa, em qualquer lugar, realizar transações instantâneas, 24 horas por dia, sete dias por semana, pelo celular. Essa é uma inovação que deve inspirar toda a região”, afirmou. Clarke defendeu que o fortalecimento de redes digitais de pagamento pode ser um caminho viável para ampliar o acesso a serviços financeiros e impulsionar o crescimento nos países caribenhos.