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ORÇAMENTO
Governo lança painel inédito para rastrear gastos públicos em clima, biodiversidade e desastres
O Governo do Brasil lançou nesta terça-feira (09/12), o Relatório Final do Projeto Classificadores do Gasto Público em Mudança Climática, Biodiversidade e Gestão de Riscos e Desastres. A iniciativa é resultado de um projeto de cooperação do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que contou com a parceria do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério da Fazenda (MF).
As informações levantadas durante o projeto deram origem a um painel interativo para tornar mais acessível os resultados alcançados. O objetivo é ampliar a transparência e qualificar o monitoramento do gasto público em temas transversais, apoiando análises e o aprimoramento de políticas públicas.
Pela primeira vez, o Brasil passa a contar com uma metodologia sistemática para identificar, classificar e quantificar os gastos climáticos do Governo Central destinados a três agendas: mudança climática, biodiversidade e gerenciamento de riscos e desastres. O levantamento aponta que, entre 2010 e 2023, o eixo mudança climática recebeu a maior fatia (R$421 bilhões), seguida pela proteção da biodiversidade (R$250 bilhões) e pelo gerenciamento de riscos (R$111 bilhões).
Annette Killmer, chefe da Representação do BID no Brasil, a iniciativa representa um avanço estratégico. “Juntar o poder da gestão fiscal justamente com a agenda ambiental de clima e de prevenção de desastres é muito poderoso e um passo sumamente importante para um futuro mais resiliente”, disse.
Até agora, a ausência de uma metodologia para rastrear esses gastos nos Orçamentos da União dificultava o planejamento e a avaliação de políticas públicas. Nas palavras de Elaine de Melo Xavier, Subsecretária de Temas Transversais da Secretaria de Orçamento Federal do MPO, era como se “tateássemos no escuro esses anos todos”. A falta de dados consistentes representava um obstáculo para a formulação de estratégias nacionais, como o Plano Clima e o Plano de Transição Ecológica, e para a análise de riscos fiscais ambientais na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que agora podem ser enfrentados com base em evidências concretas.
“A gente também faz uma coisa bastante audaciosa nesse projeto, que é identificar os gastos tanto pelo impacto positivo quanto negativo. Isso é importante pois permite ao governo e à sociedade fazer uma discussão a respeito de alinhamento dos gastos climáticos com os nossos objetivos climáticos”, disse Elaine Xavier. “Essa discussão sobre clima, ela envolve também uma questão estrutural das finanças públicas brasileiras. Por isso que esse casamento entre agenda ambiental e agenda de finanças públicas é muito bem-vinda. Não vamos desenrolar o problema ambiental e climático sem lidarmos com as questões de finanças públicas”, completou.
Dois períodos distintos
Ao olhar a série histórica das despesas do Governo Central ligadas à mudança do clima, o estudo aponta dois períodos. Até 2015, os valores ficaram em um patamar mais alto. A partir daí, houve uma queda. Segundo Elaine, a redução se relaciona a restrições fiscais e ao Teto de Gastos, mas não apenas. A descontinuidade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) entre 2019 e 2022, um importante vetor de investimentos e a crescente alocação de recursos para emendas parlamentares, sendo que menos de 5% desses valores foram direcionados a despesas climáticas, também ajudaram a derrubar o volume de recursos no eixo de mudança do clima.
O estudo também aponta uma mudança no perfil do que se financia. Segundo Marcio Luiz de Albuquerque Oliveira, secretário-executivo adjunto do MPO, a participação das despesas na categoria de adaptação e gerenciamento de riscos climáticos “aumentou de cerca de 24%, em 2010, para quase 70% em 2023". O dado sugere uma transição: o foco do gasto federal migrou de ações de mitigação, voltadas a reduzir as causas da crise climática, para medidas de enfrentamento de efeitos já presentes, como a resposta a eventos extremos.
“Há várias questões em andamento no Orçamento e no Tesouro. Por isso, é importante fazer uma pausa para olhar com mais cuidado como esses recursos estão sendo aplicados e buscar mais informação. Tenho dito, há algum tempo, que o país avançou muito na área de dados, e comentei antes do início do evento: o Brasil tem muitas instituições que produzem informação”, disse Oliveira ressaltando a necessidade de usar da melhor forma possível os dados já existentes na administração pública.
A análise dos eixos de biodiversidade e gestão de desastres revela dinâmicas complexas e, por vezes, paradoxais, que são cruciais para entender a resiliência do país.
No eixo de biodiversidade, os gastos com impacto negativo superam os de impacto positivo. O relatório expõe que algumas ações, como a construção de hidrelétricas, podem ter um impacto positivo para o clima ao gerar energia limpa, mas, ao mesmo tempo, um impacto negativo severo para a biodiversidade local ao alterar ecossistemas.
Segundo Aloísio Lopes de Melo, secretário Nacional de Mudança do Clima, essa dualidade exige uma análise mais integrada e criteriosa na alocação de recursos de infraestrutura. “Acho que cresce, cada vez mais, a necessidade de olhar para toda e qualquer área de ação governamental com essas lentes: quanto essa ação contribui para mitigar impactos e quanto induz uma resposta efetiva, com redução de emissões de gases de efeito estufa”, afirmou.
Assim como os dados de biodiversidade revelam complexos trade-offs, a análise dos gastos com gerenciamento de riscos e desastres aponta para um foco crescente em medidas reativas. O estudo aponta que o gasto nesta área tem crescido, impulsionado principalmente pelo aumento da frequência de eventos climáticos extremos. Esse cenário eleva os pagamentos de seguros rurais, como o Proagro, que se tornou um componente crescente da despesa federal. O relatório mostra que, para o Governo Central, a maior parte dos recursos se concentra na redução de riscos, mas há um baixo investimento em governança e, especialmente, na compreensão dos riscos.
Um modelo para o futuro
O desenvolvimento da nova metodologia foi um processo colaborativo de fôlego, que se estendeu por quase dois anos. O trabalho envolveu reuniões técnicas com diversas instituições, incluindo órgãos federais como o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), além de organizações da sociedade civil como o Observatório do Clima e o WRI – Brasil, que contribuíram para o aperfeiçoamento da classificação.
O resultado é uma ferramenta com enorme potencial de replicabilidade, que posiciona o Brasil como uma referência internacional no campo das finanças climáticas. A metodologia foi desenhada para ser aplicada em diferentes níveis de governo (estados e municípios) e pode ser adaptada para outros países da região. O relatório completo e o novo painel interativo, que permite explorar todos os dados de forma detalhada e visual, já estão disponíveis para consulta pública no site do MPO.
Confira no vídeo um tutorial de acesso
