Notícias
CAPACITAÇÃO
Políticas nacionais e experiências locais são destaque no segundo dia do curso Mulheres na Gestão
O segundo dia do curso “Mulheres na Gestão: Financiamento Externo para Políticas Públicas” mostrou, de forma clara e prática, como políticas nacionais e experiências locais podem dialogar e inspirar soluções para os problemas do dia a dia. Realizado nesta quarta-feira (27/8), na sede da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o encontro fez parte da 2ª edição da capacitação organizada pela Secretaria de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento do Ministério do Planejamento e Orçamento (Seaid/MPO), em parceria com o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe).
Voltado à formação de gestoras estaduais e municipais, o dia reuniu debates sobre igualdade racial, tributação com perspectiva de gênero e apresentação de projetos já em andamento em diferentes regiões do Brasil. As falas reforçaram uma mensagem comum: quando mulheres lideram, os recursos do financiamento externo chegam de forma mais inclusiva e as políticas públicas se tornam mais sustentáveis ao longo do tempo.
O primeiro painel falou sobre Políticas Nacionais, com ênfase na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, agenda conduzida pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), e no tratamento da tributação como política pública com perspectiva de gênero. O objetivo foi oferecer estratégias para que estados e municípios repliquem, implementem e desenvolvam essas políticas em nível local, de forma aderente às suas realidades administrativas e orçamentárias.
Bárbara Oliveira, secretária-executiva adjunta do MIR, ressaltou a importância estratégica da pasta e do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR) para enfrentar desigualdades estruturais. Lembrou que a população negra, 55,5% do país, não constitui minoria e segue sujeita a disparidades persistentes em emprego, salários, acesso a cargos gerenciais, incidência de extrema pobreza e violência letal, quadro ainda mais severo para mulheres negras.
Mostrou avanços obtidos por ações afirmativas no ensino superior, como a lei de Cotas, e reforçou a necessidade de políticas voltadas a comunidades tradicionais, de combate ao racismo e de cooperação internacional. Bárbara, no entanto, reconheceu que há limites orçamentários e defendeu a transversalidade como método de gestão, com articulação interministerial e suporte de organismos para ampliar alcance e efetividade.
A integração da agenda racial ao PPA Participativo, LDO e LOA, é um exemplo de como o Governo Federal garante continuidade e previsibilidade para políticas públicas. “Ainda falta muito. Virar a máquina do Estado é difícil. Direcionar sua atuação para grupos historicamente excluídos exige coragem e persistência. Mas é uma tarefa fundamental. Pequenas sementes e pequenas vitórias mudam a realidade na ponta e nos dão ânimo para seguir.”, afirmou Bárbara Oliveira, ao convidar as gestoras a transformar políticas, projetos e orçamentos em resultados que reduzam desigualdades nos territórios.
Na mesma mesa, Lana Borges, advogada e ex-procuradora da Fazenda Nacional, falou como o atual sistema tributário brasileiro também reproduz as desigualdades sociais. A tributação, argumentou, no entanto, é uma ferramenta social capaz de reduzir desigualdades quando internaliza realidades de cuidado. O modelo de tributação regressiva sobre o consumo (tributos indiretos) tem contribuído para onerar de forma mais pesada os negros e as mulheres. A tributação, disse Lana, precisa ser entendida como "política pública".
Ela se declarou otimista em relação à Reforma Tributária, que após décadas de discussão aprovou um sistema mais moderno e orientado às boas práticas do mundo. A advogada, no entanto, disse que em 30 anos de discussão os projetos sequer faziam menção a gênero e igualdade. Essa realidade mudou em 2020 quando um grupo de mulheres decidiu agir.
“Tributação é política pública. Tributação é uma ferramenta social. Em 2020, um grupo de mulheres se debruçou sobre a reforma tributária. Não é um tema distante da nossa realidade: para nós, gestores de estados e municípios, ela mexe em tudo. Sou otimista e atuei no grupo de análise jurídica do PAT, o programa de assessoramento da reforma, mas sei que haverá muitos desafios. Foram trinta anos de debate e, ainda assim, os projetos em tramitação não traziam uma única menção a gênero, igualdade ou mulheres.”, lembrou.
Lana encerrou com um apelo à "responsabilidade social" das participantes. "Nós que estamos aqui somos pessoas privilegiadas, estudamos, temos um emprego, condições de sair das nossas casas e vir para Brasília [...] Cabe a nós, enquanto responsáveis sociais que somos, devolver para essa sociedade o mínimo do nosso trabalho em prol de uma coletividade, em prol de um país", concluiu.
Quatro cidades, quatro caminhos para resultados
O segundo painel apresentou Experiências Locais financiadas por organismos internacionais. Moderada por Marcella Zub Centeno, executiva principal da Direção de Gênero do CAF, as participantes mostraram como planejamento, participação social, regras claras e métricas aceleram entregas e ampliam impactos, do projeto à prestação de contas. “
Meiri Morezzi, diretora de Relações Comunitárias da Companhia de Habitação Popular de Curitiba, detalhou o Plano de Ação de Gênero (PAG) do Bairro Novo do Caximba na capital paranaense. Implementado com apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), o PAG nasce de um projeto de urbanização e reassentamento que leva moradia digna, infraestrutura, equipamentos públicos e preservação ambiental a famílias que viviam em áreas de risco e vulnerabilidade socioambiental.
Segundo a gestora, a inovação está no olhar transversal: o plano não se limita à recuperação ambiental e ao reassentamento, mas empodera mulheres, combate desigualdades de gênero e promove intersetorialidade entre secretarias. Depoimentos de moradoras apontam oportunidades, autonomia e dignidade como resultados, convertendo a experiência em modelo para outras políticas locais.
“Elas tinham uma relação precária com o território e, muitas vezes, pouca perspectiva de vida. Faltava acreditar que era possível mudar a própria história e romper o ciclo de pobreza e vulnerabilidade. Hoje, vemos essa transformação nas famílias atendidas pelo projeto”, disse.
Fernanda Lordêlo, secretária de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude, apresentou o Programa Mulher Salvador, desenvolvido com apoio do CAF para mulheres em vulnerabilidade social e vítimas de violência doméstica. Em uma capital em que mulheres são maioria da população e muitas famílias em pobreza têm chefia feminina, o programa prioriza qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho, promovendo autonomia econômica.
Entre as frentes, destacou o “Marias da Construção” e o “Mulheres no Volante”, já reconhecidos em premiações, além do “Salvador Acolhe”, que oferece suporte a mães ambulantes durante o Carnaval. As ações fortalecem renda, inclusão e independência financeira, além de sensibilizar empresas e redes de apoio locais. “A gente precisa realmente construir políticas públicas que dê oportunidade para que essas pessoas estejam nos lugares como a gente tá sentado aqui”, afirmou.
Letícia Rizerio, diretora de Operações de Crédito Internacional de Belo Horizonte (MG), contou detalhes da parceria com o Banco Mundial. A prefeitura está implementando um projeto de mobilidade na cidade, que inclui a construção de um BRT. A gestora conta que inicialmente, o Banco Mundial provocou a gestão municipal para integrar a equidade de gênero em todas as frentes de implementação e operação do projeto. Isso levou à criação da Política de Equidade de Gênero (PEC).
Este documento se tornou uma referência e um guia para todas as contratações do programa. “Se vale para uma obra financiada pelo Banco Mundial, vale para uma obra financiada pela Caixa, pelo governo federal, vale para qualquer obra do município. Então, hoje, nós colocamos cota em todas as nossas licitações. Todas as nossas licitações de obras tem 10% [para mulheres]. E isso foi um grande ganho, talvez um diferencial”, disse a Letícia.
Por fim, Carolina Brunel Matias, gestora de Convênios da Prefeitura de Criciúma (SC), apresentou a trajetória de investimentos locais em políticas de gênero, em parceria com o Fonplata (Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata). A instituição investe em obras de mobilidade na cidade e exigiu por parte da gestão municipal mais iniciativas voltadas a políticas de gênero.
“Como contrapartida ao acordo com o Fonplata, destinamos recursos próprios às políticas de gênero. Esse esforço é coordenado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, órgão autônomo, paritário e permanente, com funções consultivas, deliberativas e de fiscalização”, explicou. Segundo a gestora, a experiência demonstra que governança participativa, combinada a financiamento bem estruturado, acelera entregas e consolida ambientes institucionais favoráveis à igualdade.
Capacitação orientada à prática e ao acesso ao crédito
Além dos dois painéis, a programação trouxe momentos dedicados à formalização da operação de crédito para entes subnacionais. As participantes conheceram as exigências jurídicas, requisitos fiscais, etapas de análise e padrões de prestação de contas com a ajuda da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Na parte final, sessões temáticas reuniram especialistas de diferentes bancos de desenvolvimento para compartilhar conhecimentos, experiências e oportunidades relacionadas ao financiamento de programas e projetos estaduais e municipais. As conversas consolidaram o propósito do curso: multiplicar capacidades, reduzir desigualdades de informação e melhorar a entrega de projetos financiados externamente.