Convenção de Belém do Pará
Em 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), preocupada com a dimensão e a gravidade da violência contra as mulheres nas Américas, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. O tratado ficou conhecido como Convenção de Belém do Pará, em referência à cidade brasileira onde foi adotado, e é o primeiro instrumento internacional específico sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres.
O Brasil ratificou a Convenção em 27 de novembro de 1995, incorporando-a ao ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996. A partir desse marco, o país assumiu formalmente o compromisso de adotar medidas para garantir às mulheres uma vida livre de violência, em consonância com os padrões interamericanos de direitos humanos.
Violência contra as mulheres como violação de direitos humanos
De forma pioneira, a Convenção de Belém do Pará reconheceu que a violência contra as mulheres constitui uma violação de direitos humanos e das liberdades fundamentais, representando um avanço expressivo no enfrentamento a essas violências no plano internacional.
O texto afirma que a violência limita total ou parcialmente o reconhecimento, o exercício e o gozo de direitos pelas mulheres e constitui uma ofensa à dignidade humana. A Convenção também ressalta que a violência contra as mulheres é expressão de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens, que se reproduzem tanto na esfera pública quanto na privada.
Nessa perspectiva, a Convenção inaugura um novo paradigma na ordem jurídica internacional: a violência contra as mulheres deixa de ser entendida como um “problema privado” e passa a ser tratada como questão pública. Isso implica que os Estados têm responsabilidade e deveres concretos de prevenir, punir e erradicar a violência, bem como de proteger e reparar as mulheres afetadas.
Articulação com outros instrumentos internacionais
A Convenção de Belém do Pará complementa e fortalece outros marcos internacionais de direitos humanos das mulheres, como:
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a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979;
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a Declaração e o Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993;
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a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1968.
Esse conjunto de instrumentos resulta, em grande medida, da ação decisiva dos movimentos feministas e de mulheres em diversos países, que denunciaram a violência contra as mulheres, exigiram seu reconhecimento como violação de direitos humanos e a adoção de medidas concretas para sua eliminação.
Da Convenção de Belém do Pará à Lei Maria da Penha
A Convenção de Belém do Pará desempenhou papel central em um dos casos mais emblemáticos da luta contra a violência doméstica no Brasil: a denúncia de Maria da Penha Maia Fernandes perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Com base nos parâmetros da Convenção, a CIDH concluiu que o Estado brasileiro violou direitos e descumpriu seus deveres ao demonstrar tolerância e tratamento discriminatório frente à violência doméstica contra Maria da Penha, e recomendou ao Brasil a adoção de reformas estruturais para enfrentar a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Após a condenação do Brasil na OEA, um consórcio de organizações feministas, em parceria com a então Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), elaborou a proposta que resultou na Lei nº 11.340, de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. A Convenção de Belém do Pará é uma de suas principais referências normativas, orientando o desenho das medidas de prevenção, proteção, responsabilização dos agressores e garantia de direitos às mulheres em situação de violência.