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Em Defesa da Interligação do São Francisco
De: Eudoro Santana
Para: o Globo Rural
Assunto: Globo Rural de domingo, 20 de novembro de 2005
Sou, há muitos anos ouvinte assíduo do programa o Globo Rural. Sou
Engº Civil com pós graduação em manutenção de equipamentos de
petróleo. Fui deputado estadual do Ceará por 4 mandatos. Desde
estudante tenho procurado estudar os problemas da nossa região
Nordeste, especialmente no que diz respeito ao chamado fenômeno da
seca, mas, com ênfase para a convivência com o semi-árido. Sendo um
profundo admirador desse programa e reconhecendo a sua
credibilidade por todos que estão ligados, de uma forma ou de outra, ao
campo, me sinto na obrigação de me dirigir às Organizações Globo e
em especial ao seu programa para protestar contra a formatendenciosa
de apresentação sobre a "polêmica da transposição" do São Francisco
que acabo de assistir. E penso que tenho o direito de assim proceder já
que em outros momentos me dirigi a esse programa, por carta, para
elogiar os temas ali abordados com muita propriedade. Não que não
ache importante a crítica, o debate, sobre o tema. Acho importantíssimo,
até para não acontecer desastres como os apresentados no mesmo
programa, qual seja o "Pró-Várzeas" e "Reflorestamento". Entretanto, se
é para o debate, para possibilitar que a sociedade como um todo, que
pouco acompanha tais decisões do poder público, possa ser
esclarecida e tenha elementos para fazer a sua avaliação, o Globo
Rural teria que apresentar a visão dos que são a favor, que conhecem o
projeto, que estudaram as transposições no mundo e que hoje, de
forma responsável, como o Min. Ciro Gomes, desenvolvem esse
projeto, que não é mais um projeto de Engenharia Civil, um projeto de
um Canal de Concreto, como foi dito no programa e era o projeto
defendido nos governos passados, mas um projeto de Engenharia
Política, um projeto de Desenvolvimento Econômico, um projeto de
Integração Nacional, um projeto de Segurança Hídrica para toda uma
região do País. Segurança hídrica que os que não estudaram o semi-
árido não entendem, pois não podem avaliar o que significa a
evaporação nessa região que pode chegar a três vezes o valor da
precipitação anual. Daí não ser possível ficar calado quando a Globo diz
que vai apresentar os prós e os contras e praticamente só apresentou
os aspectos negativos, inclusive se valendo de decisões equivocadas
de outros governos e que não podem ser usadas como justificativas
para a não interligação de bacias uma vez que esses desastres
ocorreram à montante da barragem de Sobradinho, resultados de
outras ações que degradaram o meio ambiente, causando impacto
sobre o rio.
Hoje, como Diretor Geral do DNOCS - Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas , órgão quase centenário, vinculado ao Ministério da
Integração, que grande parte do Brasil não conhece o seu trabalho e a
sua importância para o Nordeste, desejo sugerir que a Globo, com o
poder comunicador que tem, possibilite que esse debate seja feito com
seriedade e sem sectarismo. Posso afirmar que muitos dos que hoje
se posicionam contra o Projeto da Interligação da Bacia do são
Francisco o fazem porque nas suas cabeças está o velho projeto de
Transposição e não o novo Projeto. Evidentemente, esse assunto é
polêmico, não só aqui como em todo o mundo, que há mais de um
século discute e faz "Transposição" com grande êxito mas também com
muitos problemas. A luta política entre os que habitam as bacias
doadoras com os que sofrem a falta de água nas bacias receptoras, é
centenária e tem, de forma positiva, no mundo todo, contribuído para o
debate das realidades sócio-econômicas e ambientais diferentes,
envolvendo considerações políticas distintas, muitas vezes
deturpadas pelos interesses mesquinhos da "política eleitoreira".
Reconhecemos que esse é, portanto, um assunto importante e que
precisa ser debatido com responsabilidade e argumentos técnico-
científicos.
Certamente, não é possível nesse espaço fazer o contra ponto ao seu
programa que teve apenas na fala rápida do Min. Ciro Gomes o
posicionamento dos que defendem o projeto. Defendem não apenas
porque estão ligados ao governo, como se tem argumentado, mas
porque estudaram as transferências de bacias e a sua importância
para o desenvolvimento de uma região, tão importante como as
transferências de energia elétrica, uma realidade hoje no mundo todo,
inclusive no Brasil. Mas desejo, ante de concluir a minha crítica
respeitosa e fraterna, dizer que é preciso diferenciar o projeto de
Interligação da Bacia do São Francisco do velho projetodeTransposição,
a começar pelo próprio conceito que é muito mais dinâmico uma vez
que "transpor" significa tirar de um lugar para outro, portanto ceder,
enquanto "interligar" tem o sentido mais de partilha, de dar e receber. É
por isso que levados pelo exemplo das transferências d'água
realizadas no mundo, o Projeto do Presidente Lula, cuidou com muita
responsabilidade das obras compensatórias nos Estados doadores
que, certamente, vão garantir a revitalização do Velho Chico.
O novo Projeto, com essa visão de integração, está dividido em cinco
sub-projetos:
a) o sub-projeto da bacia doadora que prevê o saneamento de dezenas
de cidades que se encontram às margens do São Francisco e de seus
afluentes, a recomposição das matas ciliares, a revitalização de suas
nascentes, a construções de barragens em seus afluentes que irão
possibilitar, com sua regularização, o aumento da vazão do rio nos
períodos normais de estiagem o que garantirá no futuro o atendimento
ao aumento da demanda, um amplo programa de educação ambiental
para as populações ribeirinhas;
b) o sub-projeto das bacias receptoras que prevê a construção e
recuperação da infra-estrutura hídrica ( barragens, adutoras, canais,
etc), a organização da sociedade através dos comitês de bacias
hidrográficas e fundamentalmente um programa de educação
ambiental onde se dê ênfase a importância da água;
c) o sub-projeto da inclusão social, partindo da desapropriação de uma
faixa de 5 km. no eixo dos canais - diferente dos 200 metros de que
falava o velho projeto de transposição - com o objetivo de evitar a
especulação das terras às margens do canal e garantir a
sustentabilidade hídrica para os assentamentos já existentes na
região, assegurará ainda o abastecimento d'água a todas as
comunidades rurais, que não têm fonte segura de recursos hídricos,
numa faixa de 10 km. no eixo do canal, garantindo água tratada para o
consumo humano e um ponto de água bruta para o consumo animal e
a segurança alimentar das referidas comunidades, estudo que já vem
sendo desenvolvido com o debate realizado diretamente nas próprias
comunidades uma vez que a administração desses pequenos
sistemas será feita pela "Organização" de cada comunidade;
d) o sub-projeto da gestão, talvez o mais importante, e que no passado
nunca foi tratado, pois construir uma obra é fácil o difícil é mantê-la
funcionando corretamente e servindo a população o tempo todo. Essa
organização, ainda em formatação, que deverá ficar sob a liderança as
Chesf, terá a participação do Governo Federal dos Governos Estaduais
e de representante dos usuários, dentro da visão moderna de Gestão
do Recursos Hídricos, de forma descentralizada e participativa;
e) finalmente, o sub-projeto do Canal e das elevatórias, que hoje é uma
obra conhecida da engenharia nacional e, portanto, sem
nenhumproblema para sua construção e que, certamente, vai levar em
consideração todas as tomadas d'água para atender a inclusão social
além de ser dotado de equipamentos para o controle ambiental,
inclusive da transferência da fauna aquática;
Como pode ser observado esse é um projeto de desenvolvimento
social e econômico e não apenas o projeto de um canal. E é esse
projeto que precisa não apenas ser debatido pela sociedade, mas ser
acompanhado para que ele possa não só garantir a segurança hídrica
da região, mas possa contribuir, como é o seu objetivo, com a inclusão
social que é o cerne do PPA do Governo do Presidente LULA.
Ao agradecer a atenção, renovo a proposta para que se faça outro
programa, do mesmo gênero, dessa vez enfocando os pontos positivo
do Projeto de Interligação e Segurança Hídrica.
Atenciosamente:
Eudoro Walter de Santana - ouvinte assíduo e admirador do programa o
Globo Rural e hoje, Diretor Geral do velho DNOCS.