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Jornal O Povo, em Editorial, Destaca o Programa de Açudagem em Cooperação do DNOCS
Editorial
Patrimônio resgatado
Esse levantamento que o Dnocs acaba de oferecer ao público não é
apenas o resgate da justiça histórica, em relação a seu papel como instituição que
mais reúne realizações e conhecimentos em favor do desenvolvimento do Nordeste,
mas uma sacudidela nos que vêem a realidade a partir de uma perspectiva estática
e infensa ao potencial criativo e empreendedor do homem brasileiro.
O Dnocs acaba de publicar a pesquisa ''Açudagem Particular em
Cooperação no Ceará'' que reúne um exaustivo levantamento dos 466 açudes
construídos em propriedades particulares, num modelo que antecipou o atual
instituto de Parceria Público Privada (PPP), na qual o governo entrava com 50%
dos recursos, ficando o proprietário na obrigação de dar acesso à água à população
da circunvizinhança.
O trabalho é uma fonte de informação importante tanto para o
conhecimento da realidade hídrica do Ceará, como para, a partir da localização
exata dessas obras (que o Dnocs havia perdido de vista), otimizar o uso desse
patrimônio, restaurando o compromisso originário da cooperação público/privada
com vistas aos interesses estratégicos da sociedade.
Essa experiência foi abortada, após o golpe de 1964, sob o pretexto de
combate aos desvios de finalidade desse tipo de obra. De fato, ocorreram
irregularidades sistemáticas na medida que deixou de haver a contrapartida social,
por parte de grande parte dos proprietários, que se apropriaram totalmente das
obras, privatizando-as por completo. No entanto, a decisão de paralisação total
desse tipo de empreendimento foi equivocada, na medida que interrompeu um
processo de estruturação hídrica de valor estratégico para a viabilização de um
sistema produtivo no campo e de fixação das populações interioranas. É a clássica
receita de matar a vaca para extirpar seus carrapatos.
É preciso esclarecer que a legislação exigia do proprietário apenas a criação
de um corredor de acesso ao açude para permitir que as pessoas pudessem se
abastecer de água potável, sem interesse comercial e não que servisse de fonte de
canalização de água para servir a projetos de abastecimento canalizado de
povoações circunvizinhas, ou de irrigação das terras circundantes.
As distorções existentes concorreram para a formação de visões equivocadas
e preconceituosas sobre o legado deixado por essas quase cinco centenas de
açudes. Na verdade, esse patrimônio deu auto-sustentabilidade à pequena
economia interiorana, possibilitando a produção e a geração de empregos no
campo, na medida que viabilizou essas propriedades em áreas nas quais seria
impossível qualquer atividade produtiva. Sem esse suporte hídrico mínimo, teria
sido impossível a capilaridade alcançada pelo empreendedorismo agrícola e
pecuário, pois não teriam sido criados locais de geração de trabalho.
A interrupção arbitrária desse processo gerou um preconceito ideológico cujos
efeitos perniciosos se tornaram mais claros, dentro de uma retrospectiva histórica, na
medida que difundiu a idéia de impossibilidade de uma parceria transparente e
mutuamente benéfica, entre o setor público e a iniciativa privada para
empreendimentos conjuntos.
Isso só pôde ser melhor enxergado, agora, com o moderno instituto da PPP.
De repente, descobrimos que esse modelo já era aplicado há quase um século, no
Ceará, quando o Dnocs iniciou sua gesta heróica para munir o Nordeste dos recursos
infra-estruturais minimamente indispensáveis para viabilizar-se economicamente e
assim poder oferecer às suas populações condições de sobrevivência num meio
ambiente desfavorável à atividade agrícola e pecuária. Hoje, podemos perguntar o
que seria do Ceará sem essa rede de pequenos açudes construídos pelos Dnocs,
nessas 466 propriedades, que terminaram por formar - objetivamente e sem
articulação predeterminada - uma teia de possibilidades concretas de construção do
futuro, quando tudo apontava para um horizonte sem descortino.
Esse levantamento que o Dnocs acaba de oferecer ao público não é apenas
o resgate da justiça histórica, em relação a seu papel como instituição que mais
reúne realizações e conhecimentos em favor do desenvolvimento do Nordeste, mas
uma sacudidela nos que vêem a realidade a partir de uma perspectiva estática e
infensa ao potencial criativo e empreendedor do homem brasileiro.
(Jornal O Povo, Sábado 08/01/2005)