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Mulheres pretas constituem grupo que mais sofrem experiências de discriminação
Foto: Reprodução
O Ministério da Igualdade Racial (MIR), em parceria com a Vital Strategies e a Umane, divulgou um estudo inédito que revela que mulheres pretas enfrentam a desigualdade de forma desproporcional, com 72% relatando múltiplas razões para episódios de discriminação, seguidas pelos homens pretos (62,1%).
Esta é a primeira vez que uma pesquisa nacional mapeia a frequência com que brasileiros se sentem discriminados em atividades do dia a dia e quais são as razões atribuídas a essas situações de discriminação. A partir da aplicação da Escala de Discriminação Cotidiana, o estudo levantou dados sobre as experiências de discriminação em diferentes situações e evidenciou que a raça é o principal fator de discriminação no país, com 84% dos entrevistados que se identificam como pretos relatando já ter sofrido discriminação racial.
Para o secretário de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo, Tiago Santana, por meio de dados concretos como esse, é possível denunciar como o racismo se manifesta no cotidiano das pessoas. “Os dados nos provam como os processos de discriminação e racismo estruturam a sociedade brasileira e têm impactos profundos, sobretudo no dia a dia das mulheres pretas”, disse o secretário.
Ele ainda destaca que abordar raça, ao produzir informação, é fundamental para se definir prioridades e investir em políticas efetivas baseadas em evidências. “Ter em conta o racismo enquanto marcador social da diferença nos processos de vida da população negra é um dos caminhos possíveis para implementar políticas públicas equânimes, que são pautadas na justiça e na reparação social”.
A diretora de Políticas de Ações Afirmativas, Layla Carvalho, aponta como é importante considerar o fato de que os indivíduos têm seu acesso a direitos limitado por múltiplos marcadores sociais de diferença. “Esses marcadores moldam simultaneamente suas experiências e definem suas vivências, como no caso de mulheres pretas. Por isso, a abordagem interseccional é imprescindível para pensar políticas públicas”, aponta a diretora.
Com isso, o levantamento revela que, além da raça, muitas vezes outros fatores se somam na percepção sobre as razões para discriminação. Essa abordagem demonstra como diferentes formas de desigualdade se combinam, afetando grupos de maneira complexa e multifacetada, ao considerar aspectos como raça, gênero, aparência e posição socioeconômica.
Os resultados da pesquisa confirmam o racismo como um fator predominante de discriminação no país, impactando diretamente a vida da população preta e parda, especialmente mulheres pretas, que enfrentam uma sobreposição de discriminações por raça e gênero.
A escala dá sequência à série de pesquisas Mais Dados Mais Saúde, programa de inovação no levantamento de dados em saúde, desenvolvido por Vital Strategies e Umane, e que conta com a parceria técnica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoio do Instituto Devive.
Discriminação Cotidiana – Na pesquisa “Experiência de Discriminação Cotidiana pela População Brasileira”, a coleta foi feita por meio de questionário via internet. O levantamento ouviu 2.458 pessoas no país entre agosto e setembro de 2024. Para dar precisão aos dados, considerando que a pesquisa é baseada em uma amostra da população, pesos amostrais foram criados a partir dos dados coletados pelo Censo 2022 e da Pesquisa Nacional de Saúde 2019.
Para cada uma das situações listadas pelo estudo, os entrevistados poderiam marcar uma das seguintes opções: nunca, raramente, frequentemente, sempre. As situações apontadas na pesquisa são: "Sou tratado com menos gentileza que outras pessoas"; "Sou tratado com menos respeito que outras pessoas", "Recebo um atendimento pior que outras pessoas em restaurantes e lojas", "Agem como se eu não fosse inteligente", "Agem como se tivessem medo de mim", "Acham que eu sou desonesto", "Agem como se fossem melhores que eu", "Sou xingado com palavrões e insultos", "Sou ameaçado ou assediado", e "Sou seguido em lojas".
Ao considerar apenas as respostas "frequentemente" e "sempre", observou-se que as experiências de discriminação foram mais prevalentes na população preta, com destaque para três situações nas quais aproximadamente 50% dos respondentes desse grupo indicaram ter vivenciado. São elas: "recebo um atendimento pior"; "sou tratado com menos gentileza" e "sou tratado com menos respeito".
Mais da metade da população preta (51,2%) relata ser tratada com menos gentileza, enquanto 44,9% dos pardos e 13,9% dos brancos reportam ter vivenciado a mesma situação. O mesmo padrão se repete em outras experiências: 49,5% dos pretos afirmam ser tratados com menos respeito, percepção compartilhada por 32,1% dos pardos e 9,7% dos brancos. A discriminação também impacta o atendimento recebido no dia a dia: 57% dos pretos afirmam ser mais mal atendidos, enquanto isso é relatado por 28,6% dos pardos e 7,7% dos brancos.
Entre os pardos, o segundo comportamento percebido mais frequentemente é “agem como se fossem melhores do que eu”, relatado por 37,4%. Essa também foi a situação de discriminação mais relatada por pessoas brancas, com 21,7% dizendo se sentir assim frequentemente ou sempre.
Enquanto 16,8% dos pretos e 20,2% dos pardos relatam que as pessoas agem como se tivessem medo deles, 5,1% dos brancos vivenciam essa situação. Da mesma forma, 16,6% dos pretos e 20,2% dos pardos afirmam ser vistos como desonestos, situação reportada por 5,9% da população branca. O comércio também reflete essa desigualdade no tratamento: 21,3% dos pretos relatam ser seguidos em lojas, enquanto 8,5% dos pardos e 8,5% dos brancos relatam essa situação.

Quando perguntados sobre as razões atribuídas à experiência de discriminação, os respondentes podiam marcar mais de uma opção e as mais frequentes entre pretos e pardos foram: raça, educação ou renda, aparência física, ancestralidade ou local de origem. Dos entrevistados, 84% da população preta apontaram a raça como o principal motivo. Entre a população branca, foi mais frequente a experiência de discriminação por idade, gênero, altura e peso (tanto relacionados ao sobrepeso quanto à magreza).
Mais Dados Mais Saúde – O Mais Dados Mais Saúde é um programa de inovação no levantamento de dados em saúde, realizado por Vital Strategies e Umane, com parceria técnica da UFPel e apoio do Instituto Devive e da Resolve to Save Lives. A iniciativa busca fortalecer políticas públicas mais equitativas e eficazes por meio da geração de dados que apoiem a tomada de decisões na gestão pública. O programa foca em testar metodologias eficazes de coleta de dados e monitorar temas emergentes ou pouco explorados na área da saúde.