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COP30: “Unidades de Conservação são fundamentais no enfrentamento à mudança do clima”, indica presidente do ICMBio
Mauro Pires já foi diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Desmatamento e responsável pelo Departamento de Articulação de Ações para a Amazônia no MMA - Foto: Rubem Jayron/ICMBio
Cerca de 10% do território brasileiro está sob proteção do ICMBio sob a modalidade de Unidades de Conservação (UCs) federais – uma extensão de áreas protegidas superior à área total da maioria dos países do mundo.
Dados divulgados no início do mês confirmam redução histórica do desmatamento nestas Unidades em 2025. O desmatamento total na Amazônia Legal caiu 11,08% em relação ao ano anterior, e nas áreas protegidas federais houve redução ainda maior, de 31% em comparação a 2024 — o menor índice registrado no bioma desde a criação do ICMBio, em 2007.
À frente do Instituto está Mauro Pires, servidor de carreira da autarquia, escolhido, em 2023, pela ministra Marina Silva para a condução dos trabalhos. Nesta entrevista, ele reforça a visão de que “cuidar da natureza com as pessoas” é o caminho para garantir um futuro sustentável e equitativo.
Confira a entrevista, que aborda o papel das UCs na agenda climática da COP30, a importância da Amazônia para o equilíbrio do planeta, o protagonismo das comunidades tradicionais na gestão ambiental e o fortalecimento da cooperação internacional em prol da biodiversidade.
Qual é a importância da realização da COP no Brasil, especificamente na Amazônia, região que sedia grande parte das UCs — 134 das 344 sob gestão da União — e é bioma símbolo da preservação do meio ambiente no planeta?
Mauro Pires: Trazer a COP para o Brasil e para a Amazônia é a forma de chamar a atenção para a importância que as florestas tropicais têm para o clima no planeta. Especialmente no caso da Amazônia, que, além de ampla biodiversidade, tem um papel crucial no ciclo hidrológico e na captação de carbono. O nosso desafio é sair da COP com uma agenda de implementação bem estabelecida e queremos contribuir para esse processo, porque as unidades de conservação têm um papel extremamente relevante na agenda do clima.
“Onde há floresta, onde há biodiversidade, onde há unidade de conservação, há chances de garantir melhores condições de vida”, coloca Mauro.
O Brasil é visto como um país que tem uma experiência de sucesso na gestão de suas unidades de conservação. Pode nos explicar por quê?
Mauro Pires: Nós temos esse destaque porque somos o país mais biodiverso, então, de saída, nós já temos uma ampla importância. Mas nós nos destacamos porque o Brasil tem o maior sistema de UCs do planeta, ou seja, áreas protegidas — parques, reservas, florestas. Hoje nós temos cerca de 90 milhões de hectares de UCs federais. Outra característica importante é que o Brasil tem um sistema que olha para diferentes categorias de unidade. Nós temos reservas biológicas e estações ecológicas, em que a presença humana é mais restrita, e nós temos UCs de uso sustentável, como são as reservas extrativistas, nas quais habitam mais ou menos 70 mil famílias. Então, todas essas características destacam o Brasil no cenário internacional.
Aproveitando o gancho desta sua colocação, sobre as milhares de famílias que moram em reservas. Qual é a avaliação do Instituto sobre a importância da escuta de contribuições dessas comunidades para a construção de soluções?
Mauro Pires: Nós fazemos conservação no sentido amplo. Essa característica de ter UCs em que as famílias, especialmente povos e comunidades tradicionais, estão dentro do território, é uma garantia de que aquela área vai cumprir o seu papel de conservação e de que alternativas econômicas, meios de vida, sejam implementados. No caso particular das reservas extrativistas, essa relação entre seres humanos, fauna e flora produz o que a gente chama de meio de vida sustentável. As comunidades, ao fazerem o manejo da sua área, interferem positivamente no equilíbrio daquele ecossistema. Vou dar um exemplo de uma reserva extrativista estadual. Houve a opção de expulsar a comunidade da área e a gente observou que ela foi sendo desmatada à medida que as famílias saíram. Ou seja, a presença das famílias é essencial para a conservação da floresta. A gente vê a mesma coisa também nas terras indígenas e/ou quilombolas.
E como o ICMBio trabalha junto a estas comunidades — indígenas, quilombolas, ribeirinhas?
Mauro Pires: A política ambiental brasileira, mas em particular a política que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), tem uma particularidade muito interessante, que também é destaque internacional. No caso das UCs, todas precisam ter um conselho, do qual participam órgãos governamentais das diferentes esferas e sociedade civil, incluindo empresários, setor acadêmico e representantes dessas comunidades. Então, esse conselho é um grande espaço para discutir aquele território, aquela área. Por isso, que o papel do Instituto não é só focado exclusivamente em fauna e flora. Sem dúvida, que são dois elementos essenciais, mas nós olhamos também para a relação com o ser humano.
É essa ideia, de conexão entre fauna, flora e ser humano, que leva à atualização da missão do ICMBio para "cuidar da natureza com as pessoas"? E como essa missão se conecta com a COP30?
Mauro Pires: A lógica de que a natureza é apartada das pessoas, ela é uma visão que já foi abandonada há bastante tempo. E a gente tem bons exemplos de que as ações de conservação são bem conduzidas quando o elemento humano também é considerado, em vez de colocado à parte. E nós não fazemos conservação a não ser com as pessoas, a não ser com as entidades, a não ser com a sociedade civil envolvida. Por isso que nós quisemos ressaltar esse ponto. Na COP, eu acho que isso é bem claro, todos os textos que nós pegamos para trabalhar a mudança do clima, os grandes documentos, eles falam claramente do papel de cada um nesse processo.
“Para a gente superar as emissões, para a gente conseguir se adaptar a esse cenário que se avizinha, é fundamental considerar as pessoas”, indica o presidente.
O Instituto integra a comitiva do governo brasileiro na COP30. Quais principais projetos e/ou ideias estão em discussão e apresentação em Belém (PA)?
Mauro Pires: Nosso objetivo aqui na COP30 é dar destaque para o papel que as UCs cumprem, mostrar que criar unidades, especialmente aqui no Brasil, é uma boa estratégia para fazer o enfrentamento à mudança do clima. Também estamos falando sobre o papel das mulheres na proteção e na conservação, porque uma característica interessante da nossa política de UCs é que a presença das mulheres é central no processo. Um exemplo é o papel das marisqueiras.
O ICMBio, mesmo sendo um órgão de caráter nacional, ao realizar tarefas de conservação ambiental, presta um serviço de manutenção ecossistêmica mundial. Bem como também mantém parcerias e participa de ações internacionais. Pensando a COP como uma "reunião global", poderia detalhar como o Instituto se relaciona com o mundo?
Mauro Pires: Aqui queremos assinar dois acordos de cooperação. Um com o Office Français de la Biodiversité (OFB), que também cuida de parques nacionais. E já assinamos um acordo de cooperação técnica com o estado alemão de Baden-Württemberg, para fortalecer o intercâmbio entre o ICMBio e o Parque Nacional da Floresta Negra nessa região.
Nós também já temos uma parceria assinada com o Peru, nos reencontramos na Conferência. Ou seja, como a COP30 reúne representantes de diferentes órgãos, nós queremos intensificar a cooperação do Instituto Chico Mendes com esses outros parceiros. Creio que o ICMBio tem muito a aprender com esses órgãos, sobretudo com aqueles países próximos.
“É uma troca de ganha-ganha. A gente apresenta as nossas experiências e recolhe também o aprendizado de outros contextos”, diz Mauro.
O negacionismo científico e climático é uma realidade a ser enfrentada. Como o ICMBio trabalha o tema da ciência na construção de políticas e soluções?
Mauro Pires: Toda a política ambiental, em particular de UCs, é baseada em conhecimento científico. Aliás, foi com o avanço da ecologia, o avanço da biologia, da relação entre humanos e sociedade, que hoje nós chegamos à conclusão de que é sim necessário garantir áreas protegidas, ainda que elas sejam apenas uma representação da natureza. No ICMBio, nós baseamos a nossa intervenção no que nossos 14 centros de pesquisa nos trazem, informações fundamentais para a gestão de UCs. Por exemplo, os trabalhos do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas (CPB). Foi com base no conhecimento deste centro que criamos o Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira, no Amazonas. Uma unidade dedicada a uma espécie endêmica, ou seja, que só existe no entorno da cidade de Manaus (AM), e que tem um papel muito importante naquele ecossistema, que está bastante ameaçado. Então, o conhecimento científico é fundamental para fazermos a gestão de áreas protegidas.
Muito se tem falado em adaptação à mudança do clima. Já chegamos a um ponto crítico, do qual não voltaremos à realidade anterior? É preciso aumentar o número de unidades de conservação no planeta? Como está este processo no Brasil?
Mauro Pires: Sim, é fundamental ampliar o número de áreas protegidas e, no caso do Brasil, estamos trabalhando exatamente para produzir os estudos e desenvolver os processos neste caminho. A criação de unidades é uma das estratégias mais eficazes para fazer o enfrentamento à mudança climática. O Brasil assumiu o compromisso na Convenção de Biodiversidade que estabelece pelo menos 30% dos diferentes ecossistemas sob a forma de UCs. O ICMBio trabalha para que esse compromisso seja implementado. Vamos perseguir as metas olhando para alguns biomas e ecossistemas sub-representados.
Por fim, o Instituto leva o nome de Chico Mendes, liderança socioambiental histórica de nosso país, com luta diretamente vinculada à Amazônia, onde ocorre a COP. Em um cenário de emergência climática e crise do multilateralismo, qual você acredita que seria a mensagem de Chico às lideranças que se reúnem na capital paraense?
Mauro Pires: Eu nem tenho a pretensão de dizer o que ele diria, mas ele falou uma coisa que é muito marcante. Que no início ele imaginava que estava lutando para defender as seringueiras e, com as seringueiras, os seringueiros, que dependiam dessa árvore. Depois, ele viu que estava então defendendo era a floresta. Depois, ele passou a perceber que na verdade estava defendendo era a humanidade. Eu acho que se ele tivesse presente, ele iria dizer para os tomadores de decisão, para as lideranças, a necessidade de passar para a implementação, porque o nosso acordo de Paris é modesto, ele não é muito ambicioso, mas é um ótimo início de redução das emissões. Acho que ele diria para essas lideranças que é preciso caminharmos mais rapidamente para a redução dessas emissões. Acho que ele faria uma mensagem bem contundente nesse sentido.
Tem algo que não tenha sido contemplado nas perguntas e o senhor gostaria de salientar?
Mauro Pires: Nós passamos por vários temas e, no fundo de tudo, acho que temos uma questão filosófica envolvida, que é exatamente essa: qual é o nosso papel frente ao ambiente que vivemos? Qual é o nosso papel no planeta? Nosso papel é de levar a destruição ou de trabalhar em outra direção, que conserve, que garanta que às futuras gerações o direito de usufruir da água, da floresta, da biodiversidade. Essa é uma questão que deve ser central para todos nós.
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