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19º Festival de Preservação do Peixe-Boi-Marinho celebra saberes, ciência e protagonismo comunitário na Ilha do Gato (MA), Resex Baía do Tubarão
O festival acontece na maior reserva marinha do país, no Maranhão - Foto: Geylson Paiva/ICMBio
Consolidado como uma das mais importantes iniciativas comunitárias de conservação do mamífero aquático mais ameaçado do Brasil, o peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), o Festival de Preservação do Peixe-Boi-Marinho completa 19 anos de realização na comunidade da Ilha do Gato, no município de Humberto de Campos (MA). O evento, realizado de 11 a 14 de setembro de 2025, dentro da Reserva Extrativista (Resex) Baía do Tubarão — a maior reserva marinha do país, reconhecida internacionalmente como Sítio Ramsar — reuniu moradores, lideranças locais, pesquisadores, representantes de instituições públicas e organizações da sociedade civil em uma programação que articulou ciência, cultura, educação ambiental e valorização dos saberes tradicionais.
O analista ambiental e chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) São Luís, Rogério Funo, destaca a programação como resultado de integração entre o Instituto Chico Mendes (ICMBio) e a comunidade. “Eles têm o protagonismo de fato, e a partir das conversas a gente vai sugerindo de que forma colocar as oficinas e palestras, que vão de acordo com o que se espera, sempre buscando a temática do peixe-boi-marinho e da conservação de manguezais como o fio condutor”, diz.
Um dos destaques do festival foi a apresentação dos resultados do protocolo PEMOPE (Pescadores e Pescadoras Monitores de Peixe-Boi), uma experiência pioneira de monitoramento comunitário em áreas de águas escuras, desenvolvida desde 2019. O projeto surgiu durante os estudos para criação da Resex Baía do Tubarão, com o objetivo de integrar o conhecimento ecológico local aos esforços científicos de conservação da espécie, considerada “em perigo” pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (MMA, 2022).
A analista ambiental e chefe substituta do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT), Anna Karina, frisou a importância das parcerias no sucesso do evento e das pesquisas. “O CNPT está agregando outros centros de pesquisas que tem expertise no tema e trazendo a questão das mobilizações e das estratégias junto às comunidades tradicionais, promovendo o monitoramento comunitário em uma área em que há um déficit de dados, que é justamente essa área de águas escuras”, indica.
A chefe substituta concluiu dando luz à centralidade do trabalho comunitário para a qualificação da coleta de dados e avanço de mapeamentos e estudos. “Os moradores são os guardiões do território, têm o saber, têm um conhecimento do local que possibilita essas informações e esse acúmulo de dados da espécie”, finalizou.
O projeto é uma parceria entre o ICMBio, por meio dos Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação: CNPT, de Mamíferos Aquáticos (CMA), da Biodiversidade Marinha do Nordeste (CEPENE), da própria comunidade da Ilha do Gato, além de universidades e organizações não governamentais.
O protocolo
O PEMOPE estrutura-se em quatro fases — implantação, operação, consolidação e expansão — e tem como base o envolvimento direto dos pescadores artesanais na coleta de dados sobre a presença e comportamento dos peixes-boi durante suas atividades cotidianas. As informações são registradas por meio de planilhas adaptadas, envio de áudios por aplicativos de mensagem, vídeos e fotografias. Entre outubro de 2019 e junho de 2024, foram registrados 287 avistamentos de peixes-boi na região, sendo 18 filhotes e 74 ocorrências de animais em grupo.
O maior grupo avistado continha oito indivíduos, observado em janeiro de 2020. As áreas com maior frequência de avistamento incluem a Ponta do Chapéu, Ponta Verde e Croa do Tenente. O monitoramento considera os saberes locais, respeita o anonimato dos participantes e é dissociado de ações de fiscalização, garantindo a segurança dos voluntários e a autonomia da comunidade.
Memória Viva: a história da conservação do peixe-boi na Ilha do Gato
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Relatos dos moradores e pesquisadores trazem à tona memórias que remontam às décadas anteriores, com ações iniciadas ainda nos anos 1990, incluindo a expedição Igarakuê e a instalação de uma torre de observação operada por um monitor local. Mesmo após o fechamento da base do CMA no Maranhão, em 2015, a comunidade manteve suas ações de vigilância, educação ambiental e mobilização social, tendo o Festival de Preservação do Peixe-Boi-Marinho como uma das ferramentas que representa um importante espaço de articulação entre diferentes atores e saberes.
Para celebrar essa história, durante o festival, além da mesa de diálogo interinstitucional e da apresentação dos dados do monitoramento comunitário, a programação incluiu uma homenagem às “Memórias Vivas”, exposição fotográfica, oficinas educativas, além de gincanas entre estudantes de comunidades da Resex, partidas de futebol masculino e feminino, comercialização de artesanato e gastronomia local e apresentações culturais, destaque para o Boi União da Ilha.
Foram também destacadas iniciativas como a criação do Espaço Peixe-Boi, com painéis informativos e materiais didáticos, e a montagem do esqueleto de um peixe-boi encontrado na ilha, com apoio da ONG AMARES. A presença ativa de servidores do ICMBio — incluindo equipes do NGI São Luís, CMA, CNPT, CEPENE e RAN — reforçou o caráter colaborativo da iniciativa, ao lado de representantes da colônia de pescadores de Humberto de Campos e de demais parceiros.

- Principais elementos da sociobiodiversidade da comunidade Ilha do Gato ilustrados na arte do 19° festival de preservação do peixe-boi marinho. Design: Samuel Gomes / ICMBio
O festival reafirma o papel central das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade marinha e no fortalecimento da gestão participativa em áreas protegidas. A articulação entre ciência e tradição, institucionalidade e autonomia comunitária, segue como caminho promissor para garantir a proteção dos ecossistemas e das formas de vida que deles dependem.
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