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Regência foi palco de memória e debate sobre o futuro das comunidades e do rio Doce
Arte por meio do Teatro e do Congo serviram para mostrar que reexistência é o caminho.
Nesta quarta (19.11) o debate em torno da primeira década do desastre ambiental do grupo Samarco/Vale/BHP foi frutífero. Lideranças das comunidades atingidas em diferentes segmentos como pesca, artesanato, comércio, quilombolas e surfistas, puderam expressar, durante Mesa Redonda 'Memória', o que sentiram quando a lama chegou e as preocupações que permanecem nessa primeira década. O evento foi marcado por apresentação teatral da Cia das Artes, e por apresentação de Congo, ambos da comunidade de Regência Augusta, em Linhares-ES.
Uma delas se refere ao recurso no âmbito do Novo Acordo do rio Doce e se ele de fato chegará aos atingidos. De forma unânime as lideranças pediram respostas a perguntas consideradas urgentes por eles, como quando a pesca voltará a ser liberada (atualmente proibida), assim como quando e de que forma haverá apoio e incremento às atividades locais, como pesca, artesanato, comércio e arte/cultura.Na abertura o coordenador do Centro TAMAR/ICMBio, Joca Thomé, resgatou o quanto o modo de vida de todos – em 38 municípios mineiros e 11 capixabas – na área chamada Planície Costeira do rio Doce, foi totalmente impactado. “A cada 100 mil anos essa área é toda inundada, o que nos faz todos conectados a esta bacia e rios como o Doce. O importante é que haja uma institucionalização dessa governança de modo que mudem os governos e as ações de reparação continuem. Este evento traz reflexão e junto a tristeza, mas também as alegrias, pois ao longo do processo muitas pessoas aguerridas se juntaram nessa luta que é de reexistência”.
Comunitários que viviam da pesca artesanal (hoje proibida) puderam expressar sua indignação com o que consideram ainda uma contradição. Os que vivem do apoio financeiro dado pelas empresas àqueles que não podem mais pescar, questionaram por que o apoio acaba em 4 anos, quando não se tem ainda uma previsão de quando a pesca voltará a ser exercida como forma de trabalho e renda pelos pescadores.
“Não queremos nada para nós, sem nós”, frisou a pescadora da Associação de Pescadores de Povoação, Andréia, que atualmente sem pescar cultiva tilápias em tanques. “Gastamos em média R$ 8,15 por tilápia, para vende-la por R$ 15,00, e precisamos beneficiar para melhor vender”, frisou ela. Maria Paula Ramos, presidente da Associação de Artesãs de Regência, reivindicou que seja fortalecida a arte local, ao invés de “inventarem novos projetos”.Para a promotora de Justiça do MPES e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), Elaine Silva e Lima, passados 10 anos existem muitos desafios e o MPES se reestruturou e conta com uma Coordenação específica para cuidar da gestão do desastre. Em sua apresentação sobre o Novo Acordo do rio Doce ela frisou que foram realizadas mais de 240 reuniões para se fechar uma proposta que levasse em consideração o melhor para os atingidos. “Claro que nesse Novo Acordo não estão inclusos danos futuros, supervenientes ou desconhecidos. Mas houve extinção da Fundação Renova e o próprio poder público nas esferas federal (União) e estaduais (MG e ES) assumem a responsabilidade dentro desse novo Acordo”.
Elaine destacou que 5 bilhões são destinados para deliberação exclusiva das comunidades atingidas e 1 bilhão para um Programa Específico para as Mulheres. “Todas as ações terão que perpassar o recorte definido das populações mais vulneráveis como mulheres, crianças e idosos. Existem obrigações da Samarco/Vale/BHP como a remoção de 9 milhões de m3 de rejeitos da UHE de Risoleta Neves. Permaneceremos em reuniões mensais periódicas de acompanhamento e fiscalização para que o Acordo seja cumprido” frisou a promotora.Nathália Bignotto, do Ministério de Aquicultura e Pesca (MPA), trouxe o detalhamento do Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura (PROPESCA) – que é um conjunto de ações a serem desenvolvidas pelo Poder Público com o objetivo de promover a reestruturação das cadeias produtivas da pesca e da aquicultura na área de abrangência do Acordo, visando promover o desenvolvimento sustentável do setor pesqueiro e aquícola, assegurar a preservação dos recursos naturais e melhorar a qualidade de vida das comunidades envolvidas, assegurando a participação social para subsidiar as tomadas de decisão.
A antiga proposta do Acordo previa R$ 450 milhões para a gestão da Pesca e Aquicultura. Com o novo acordo foram destinados R$ 2,44 bilhões para reestruturação dos setores pesqueiro e aquícola na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, sua foz e região costeira e marinha, sendo R$ 1,5 bilhão para projetos geridos pela União; R$ 489 milhões para projetos geridos pelo estado de Minas Gerais e R$ 450 milhões para projetos geridos pelo estado do Espírito Santo, valores estes a serem desembolsados em parcelas anuais ao longo de 20 anos.“Ao todo são 7 eixos temáticos de atuação do PROPESCA: ordenamento, zoneamento e recuperação dos recursos pesqueiros; pesquisa e monitoramento; fiscalização; assistência técnica qualifica e extensão; fomento, infraestrutura e estímulo à diversidade econômica; gestão comunitária e participação social”, frisou Nathália.
Ana Kelly Simões, da Secretaria Executiva do rio Doce e membro do Grupo Técnico de Acompanhamento do PMQQS-Programa de Monitoramento Quali-Quantitativo da Qualidade da Água e Sedimentos, criado em julho de 2017, apresentou o trabalho consolidado dessa década do programa, que contou com tipos diferentes de monitoramento (convencional e automático) e tem gerado dados públicos por meio do Portal de Monitoramento do rio Doce. O programa passou por revisões ao longo dessa década, e no Novo Acordo do rio Doce, se mantém sob governança do Ibama (coordenação), ANA, AGERH, ICMBio, IGAM e IEMA.
Entre as ações do programa estão treinamentos, workshops e vistorias em campo, além de uma amostragem com pontos que vão desde MG até a zona costeira do ES. O ambiente marinho passou a ser observado a partir das análises consolidadas do PMBA-Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática, em especial nos pontos da zona costeira.
“O monitoramento convencional envolve metais, ametais, parâmetros biológicos, nível da água, precipitação volumétrica, com qualificadores e validadores, com atualização de diretrizes técnicas, atualização de normas ABNT, e inclusão de novos pontos amostrais”, frisou Ana.
O pesquisador do Laboratório de Pesca e Aquicultura da UFES, Joelson Fernandes, falou sobre o Projeto de Monitoramento e Caracterização Socioeconômica da Atividade Pesqueira no rio Doce e Litoral do ES, que iniciou suas coletas de informações em março de 2021 envolvendo instituições como a FEST, UFES, Instituto da Pesca e Fundepag. As informações se encontram consolidadas no banco de dados público de monitoramento de caracterização econônima continental e marinho - Sistema ProPesqWEB - http://propesq-es.fundepag.br/
O gap de informações, esclarece Joelson, é grande pois não se têm informações sobre a pesca do ES desde 2007. Mas pôde-se realizar o monitoramento participativo divulgado por meio de informativos trimestrais em https://pesca.ufes.br/informe-pesqueiro-do-es . “Ao todo o projeto reuniu mais de 100 declarações de pescadores, com devolutivas a eles, o que permitiu o mapeamento das áreas com potencial de comercialização pesqueira”, frisou Joelson.
Fabian Sá, pesquisador e coordenador do PMBA, da FEST/UFES, contextualizou que no Novo Acordo do rio Doce o programa envolverá coletas de Mariana-MG até a foz do rio Doce-ES, abarcando os ambientes dulcícola, costeiro e marinho (desde Guarapari-ES até Abrolhos-BA), totalizando 15 mil parâmetros monitorados, tais como metal pesado e PH da água, por exemplo. “Ao todo foram 148 artigos científicos produzidos, numa resposta à sociedade e com reconhecimento internacional. A tendência de qualidade da água é de melhora, ao longo do tempo, mas variáveis como chuvas e correntes marítimas mudam esse cenário ano a ano”, relembra Fabian.Quando questionado pelos atingidos acerca da segurança para consumir peixe do rio Doce ou do mar adjacente, assim como legumes e vegetais plantados próximos à área afetada pelo sedimento, Fabian esclareceu que uma das agendas que menos andou ao longo dessa década foi o trabalho que teria sido executado pela Câmara Técnica de Saúde. “Poderíamos ter hoje dados e informações acerca dos reflexos desse desastre na saúde humana a pelo menos uma década, e essa área infelizmente foi uma das que trouxe menos respostas”, esclareceu. Joca complementou que a Anvisa está para divulgar uma Nota Técnica em breve analisando todos os parâmetros de contaminação no pescado.
Márcio Medeiros, da Defensoria Pública do ES, frisou que a defensoria está junto do povo e segue dessa forma nesse novo cenário do Novo Acordo do rio Doce. “No início a Defensoria Pública atuou (em 2015) individualmente, mas depois coletivamente, criando um Núcleo de Defesa de Grandes Empreendimentos. Conseguimos o reconhecimento do litoral afetado ser expandido, englobando Conceição da Barra e Serra, atendendo atingidos em especial apoiando a luta contra a discriminação contra as mulheres, que ao invés de atingidas eram vistas como dependentes dos atingidos”.
João Guerino Balestrassi, Secretário de Recuperação do rio Doce-SERD, esteve presente, juntamente com a Subsecretária de Estado de Ações Socioeconômicas e Participação Social da SERD, Margareth Saraiva, que destacou como desafio a união de todos os órgãos envolvidos na execução do Novo Acordo do rio Doce, no sentido de garantir a continuidade das ações ao longo de toda a duração deste. “A palavra de ordem é união”, frisou Margareth.Guerino enfatizou a participação e competência da prefeitura de Linhares ao colaborar com a equipe da Secretaria. O prefeito de Linhares Lucas Scaramussa, relembrou “quem somos nós para medir a dor do pescador, do comerciante, e a Academia e sua pesquisa tem que se refletir em ações concretas”.
Representante da Assembleia Legislativa do ES frisou que uma Comissão foi criada para acompanhar e fiscalizar os recursos destinados ao ES. A deputada estadual pelo PT na Assembléia Legislativa do ES, Iriny Lopes, manifestou posicionamento de acompanhar e monitorar o direcionamento dos recursos, de modo a garantir que os atingidos sejam de fato contemplados.
O evento “Ecos da Foz: Uma Década de Luta e Reexistência” foi promovido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), juntamente com a Secretaria de Estado de Recuperação do Rio Doce (SERD), a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), a Fundação Espírito-santense de Tecnologia (FEST) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Linhares, e contou com a participação das lideranças comunitárias da foz do rio Doce (Barra do Riacho, Regência, Povoação, Degredo e Pontal do Ipiranga; além de representantes do Ministério da Pesca e Aquicultura-MPA, da SERD-Secretaria Executiva do rio Doce, Ministério Público do ES-MPES, Defensoria Pública do ES-DPES, prefeituras municipais de Linhares e Aracruz, Assembleia Legislativa do ES-ALES.
Comunicação Centro TAMAR/ICMBio
Fotos: Carolina Pignaton-Comunicação SERD; Vanessa Pianca-Comunicação FEST/UFES e Sandra Tavares-Comunicação Centro TAMAR/ICMBio.








