Notícias
Aumento de incidência de doenças, agricultura em risco e extinção de espécies: os possíveis impactos do Decreto 10.935/22 no Brasil
Buraco da Sopradeira - São Desidério (BA) -Espeleotema Vulcão Foto: Cristiano Ferreira
Suspenso em 2022 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Decreto 10.935/2022, que altera a legislação de proteção a cavernas, grutas, lapas e abismos e permite a exploração, inclusive, daquelas com grau máximo de proteção, segue sem nenhuma definição. Considerado um retrocesso ambiental por pesquisadores, o dispositivo flexibiliza normas e entre seus impactos poderia colocar em risco de extinção diversas espécies, além de trazer prejuízos para agricultura e provocar o aumento de insetos vetores de doenças em seres humanos.
Segundo o coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (ICMBio), Jocy Cruz, se aprovado, o Decreto 10.935 passará a expor cavernas que são extremamente importantes, aquelas consideradas de máxima relevância, à mercê de impactos e até mesmo da destruição completa. “Corremos o risco de que um processo de licenciamento pautado nesse decreto possa impactar cavernas como a Toca da Boa vista (BA), que é a segunda maior caverna do hemisfério sul, e uma das 20 maiores cavernas do planeta, além de outros lugares extremamente importantes como as cavernas de São Desidério (BA), cujas dimensões são sempre expressivas, e que abrigam espeleotemas raros e animais troglóbios, todos identificados como de extrema relevância”, afirmou Jocy.
Além dos prejuízos ambientais, a agricultura também é um setor que poderia ser atingido pelo dispositivo. O professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Enrico Bernard, explica que no Brasil existe um conjunto de 13 espécies de morcegos altamente dependentes de cavernas, pois precisam desses ambientes para sobreviver, e que prestam enormes serviços para a população humana, incluindo a supressão de pragas agrícolas.
“Só a produção de milho no Brasil hoje tem o benefício de 390 milhões de dólares por ano com a supressão de pragas por morcegos, como a mariposa da lagarta do cartucho. Também são beneficiados produtores de subsistência, que têm a ajuda dos morcegos na eliminação de insetos em suas plantações de milho, de caju, ou de mandioca, por exemplo. Segundo nossos estudos, morcegos de uma única caverna podem retirar até 82 toneladas de insetos em um ano”, afirmou o professor.
Em relação à saúde humana, Bernard explica que os morcegos também atuam na supressão de insetos vetores de doença, e que a diminuição ou extinção dos morcegos poderia levar ao aumento da circulação de diversas enfermidades. “Isso é apenas o que sabemos até hoje, também entramos em um campo sobre o que ainda não sabemos. Por exemplo, existem potenciais de descobrir dentro de cavernas bactérias e enzimas que podem ser muito úteis. São vários pontos que precisamos considerar. Só que para se investigar tudo isso, as cavernas, os morcegos e a biodiversidade precisam existir. Este decreto, que permite a destruição de cavernas, também coloca a pesquisa em risco”, explicou Enrico Bernard.
Impasse não beneficia nenhum setor
Jocy Cruz conta que desde 2022 o licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente impactantes ao patrimônio espeleológico não está acontecendo devido ao entrave jurídico. Segundo ele, a situação não traz clareza sobre o que é ou não permitido, uma situação ruim tanto para o empreendedor, quanto para o legislador.
A revisão do Decreto 10.935/2022 é importante porque ele complica muito a questão da compensação ambiental, tira competências que antes eram do Ministério do Meio Ambiente. O avanço do conhecimento que a gente teve, desde a intensificação dos estudos que ocorreram a partir de 2010, 2012, que é quando o Decreto 6640/2008 realmente começa a entrar em funcionamento, todo o conhecimento gerado já nos dá condições de termos um regramento muito melhor, que traga o que precisa ser conservado para a realidade”, afirmou Jocy.
A importância do debate intersetorial
Para o professor do Centro de Estudos de Biologia Subterrânea da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rodrigo Lopes Ferreira, é fundamental que o debate sobre o novo decreto envolva os mais diversos atores da sociedade. “Vários setores distintos precisam ser ouvidos porque são diversos componentes que estão envolvidos em critérios para estabelecer a relevância de caverna. A base tem que ser bem construída do ponto de vista técnico. Se isso não acontece, enfraquece os dois lados, e aí na hora de tomar decisão e definir como a situação vai ficar, a chance de que o decreto atenda muito mal o propósito que ele deveria ter é muito alta”, explicou Ferreira.
Enrico Bernard diz que uma definição como essa envolve vários atores e não pode ser definida por um grupo fechado, a portas fechadas. “Inicialmente é importante entender que existem diversos atores envolvidos e que todos eles precisam ser ouvidos nesse processo de discussão. Isso passa muito pelo processo decisório. É um assunto que envolve aspectos econômicos, então o setor econômico precisa ser ouvido. Mas também é um assunto que envolve muito a questão ambiental, e então o movimento científico ambiental precisa ser ouvido. O que a gente teme é que seja um processo pouco transparente e pouco democrático, e esse seria o pior cenário”, afirmou o professor.