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CONCORRÊNCIA
Nova norma de medicamentos clones pode gerar distorções concorrenciais, constata Fazenda
O Ministério da Fazenda (MF) divulgou, nesta quarta-feira (17/12), mais um relatório do ciclo inicial do Procedimento de Avaliação Regulatória e Concorrencial (Parc). O estudo da Secretaria de Reformas Econômicas (SRE-MF) examinou os impactos concorrenciais da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nº 954/2024, que restringiu o uso do procedimento simplificado de registro de medicamentos apenas às empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico que as detentoras do registro original. A SRE-MF constatou que a medida pode gerar distorções concorrenciais significativas.
O remédio clone tem a mesma linha de produção, o mesmo fabricante, a mesma composição e os mesmos relatórios técnicos e clínicos do medicamento matriz já registrado junto à Anvisa. É um registro simplificado do mesmo produto, mas comercializado com um nome diferente (ou sem nome de marca, como um genérico), pela mesma empresa farmacêutica (já o genérico pode ser fabricado por outra empresa).
A principal vantagem para a indústria é ter esse processo de registro mais rápido e simplificado na Anvisa, por não haver necessidade de apresentar novamente todos os testes de segurança e eficácia já validados para o remédio original.
Confira a íntegra do relatório “Registro e Pós-Registro de Medicamento Clone”
Ao restringir o uso do procedimento simplificado apenas às empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico que as detentoras do registro matriz, a resolução da Anvisa reduz substancialmente o número de empresas elegíveis ao procedimento simplificado, que historicamente contribuiu para a ampliação da oferta, diversificação de portfólios e redução de custos regulatórios para novas empresas que estejam entrando no mercado.
Dados levantados apontam que, entre as mais de 250 empresas que comercializam medicamentos no Brasil, apenas 16 conglomerados econômicos (37 empresas) permanecem aptos a utilizar o registro simplificado. Entre 2021 e 2024, pedidos de empresas fora do grupo econômico representaram, em média, 26% dos registros de remédios clones.
O estudo também identificou que medicamentos clones registrados por empresas não pertencentes ao mesmo grupo econômico do detentor do registro original apresentaram descontos mais elevados, maior diversidade de apresentações e contribuições efetivas para a dinâmica concorrencial, especialmente no segmento de genéricos.
A Anvisa justificou a restrição como forma de assegurar que o detentor do registro clone tenha pleno conhecimento do dossiê completo do produto matriz e capacidade técnica para acompanhar alterações pós-registro, em especial as mudanças relacionadas à qualidade e à farmacovigilância.
Preocupação legítima
Segundo o subsecretário de Acompanhamento Econômico e Regulação da Fazenda, Gustavo Henrique Ferreira, a SRE-MF reconhece como legítima a preocupação da Anvisa com a mitigação dos riscos sanitários para a proteção da saúde pública, mas verificou que os mecanismos já previstos na própria resolução nº 954/2024 e em outras normas sanitárias oferecem meios menos restritivos para alcançar o mesmo objetivo.
“Mecanismos como responsabilidade compartilhada, acordos técnicos de qualidade e possibilidade de auditoria do dossiê já contribuem para o alcance do objetivo. A compatibilização entre proteção sanitária e promoção da concorrência justificaria a revisão da restrição estabelecida na norma”, explica Ferreira.
Sugestões
O relatório do Parc recomenda a revisão da RDC nº 954/2024 para excluir a limitação do procedimento simplificado apenas às empresas do mesmo grupo econômico, preservando a proporcionalidade regulatória e evitando barreiras desnecessárias à entrada.
A SRE sugere também o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle regulatório já existentes, de forma que assegure que detentores de registro clone tenham pleno acesso e conhecimento do dossiê do remédio original, inclusive através de declarações formais e auditorias.
“O procedimento simplificado teve papel relevante na ampliação da oferta e no aumento da rivalidade no mercado farmacêutico brasileiro. O objetivo das nossas recomendações é aperfeiçoar o marco regulatório, conciliando rigor sanitário, eficiência regulatória e promoção da concorrência, de modo a ampliar o acesso da população aos medicamentos e fortalecer a sustentabilidade do sistema de saúde”, explicou o subsecretário de Acompanhamento Econômico e Regulação do MF.
Segundo Gustavo Ferreira, a partir da publicação do relatório, a SRE continuará em diálogo institucional com a Anvisa e demais entidades envolvidas, contribuindo para avanços regulatórios que garantam mercados mais competitivos, previsíveis e favoráveis à inovação e ao acesso. O relatório baseou-se em contribuições recebidas na Chamada Pública do primeiro ciclo de 2025 do Parc e em informações prestadas pela Anvisa, empresas farmacêuticas, entidades representativas e demais agentes do setor.
Outros estudos
O primeiro estudo do ciclo inicial do Parc, publicado em novembro, analisou as regras relacionadas à prestação do serviço de inspeção não invasiva nos terminais portuários de cargas conteinerizadas, assim como a cobrança pelo serviço. Nesta quarta-feira (16/12), também foi publicado outro relatório (veja link no final) relacionado ao setor de medicamentos.
Ainda estão em análise no MF outros três estudos do Parc, relacionados aos setores de energia, financeiro e previdenciário. Esses focos prioritários foram estabelecidos após análise das contribuições recebidas a partir da Chamada Pública SRE-MF nº 01/2025.
Regulamentado pela Instrução Normativa SRE-MF nº 12/2024, o Parc é um instrumento colaborativo instituído pelo Ministério da Fazenda que permite à sociedade indicar normas e práticas regulatórias que possam restringir a concorrência. Esse procedimento se insere na competência legal da Secretaria de Reformas Econômicas, para atuação no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), e alia-se às melhores práticas internacionais em matéria de análise de impacto concorrencial.
A participação social aumenta a transparência na promoção da concorrência, além de viabilizar a proposição de normas e práticas que incentivem a competitividade no mercado brasileiro. Quando identificadas potenciais distorções concorrenciais, recomendam-se alternativas regulatórias que compatibilizem os objetivos da política pública com a promoção de mercados mais eficientes.