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Entrevista da semana - Ministra Anielle Franco
Foto: Thayane Alves
Eleita em 2023 pela revista Time como uma das 12 mulheres do ano, Anielle Franco é a primeira ministra da Igualdade Racial do Brasil, Pasta criada em 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no seu terceiro mandato. Anielle, que é irmã de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta em 2018 em uma emboscada, falou ao Diário sobre a expectativa da família para resolução do caso e sobre os desafios e avanços das políticas para equidade racial no País nesses últimos dois anos. Como legado da sua gestão, a ministra almeja ampliar o acesso e as oportunidades para população negra.
Thainá Lana
Diário do Grande ABC
Como a Sra. avalia os avanços e os desafios enfrentados pela Pasta durante sua gestão nesses dois primeiros anos?
Trabalhamos muito nesses dois anos para que as políticas de igualdade racial do País pudessem avançar em direção a um Brasil melhor. E o que é um Brasil melhor? Aquele em que todo mundo tem condições de viver uma vida digna, com igualdade de acesso aos serviços e aos sonhos. A atuação da equipe do Ministério da Igualdade Racial tem sido incansável em formular, propor, acompanhar e aprimorar políticas que impactem a nossa sociedade. Destaco o Programa Juventude Negra Viva, a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana e o Plano de Comunicação pela Igualdade Racial. Lançamos também o edital Naturezas Quilombolas, no valor de R$ 33 milhões, em parceria com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para apoiar comunidades quilombolas na região Norte. No Congresso, estamos trabalhando para aprovar o aprimoramento da Lei de Cotas no Serviço Público.
No primeiro semestre do ano passado, 19 pessoas foram mortas pela polícia no Grande ABC. Desse total, seis a cada 10 vítimas eram pretas ou pardas (68,42%). Por que mais da metade das mortes são de pessoas pretas? Como combater a violência policial contra essa população?
A estrutura da sociedade brasileira coloca, há séculos, a população negra como minorizada no Brasil. Apesar de sermos maioria, somos impactados por mais da metade das mortes, como você colocou, e pelos piores índices de saúde, empregabilidade e educação. São questões seculares e complexas, que exigem medidas em várias frentes, desde ações diretas sobre segurança pública, mas também a positivação das pessoas negras no imaginário social, com a ampliação da presença delas nos espaços de poder e decisão, a renovação das cotas e de outras ações afirmativas, além do enfrentamento das desigualdades na educação, saúde e emprego. O MIR atua em todas essas frentes. Temos o PJNV (Plano Juventude Negra Viva), que está sob nossa coordenação em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da República e a participação de outros 16 ministérios. De forma transversal, o PJNV, que foi anunciado com investimento de mais de R$ 665 milhões, tem 11 eixos de atuação e conta com 217 ações pactuadas entre 18 ministérios. Ali, pactuamos com estados e municípios que oferecem os serviços na ponta, para qualificar medidas concretas que beneficiem quem mais precisa.
A Sra. acredita que a educação antirracista é o caminho para enfrentar a desigualdade racial e o racismo? De que maneira?
Sim. É um dos caminhos fundamentais. A educação transforma as pessoas, muda o percurso de vidas, então é também uma rica ferramenta para revisar comportamentos, para resgatar valores históricos, ensinar como a herança negra é parte essencial da identidade nacional, sobre como o Brasil hoje é mais grandioso com a presença e a luta das pessoas negras. Ensinar e aprender que as diferenças são riquezas e não podem continuar sendo motivo para desigualdade e exclusão. No ministério, até como orientação de todo o gover no federal, a educação é um eixo fundamental, voltado para públicos em diferentes momentos da vida e da carreira. Por exemplo, o programa das Afrotecas, direcionado para as crianças, busca valorizar a cultura ea identidade negra. Tem também o projeto Beatriz Nascimento para estimular a presença de mulheres plurais nas ciências, no qual 86 pesquisadoras negras, quilombolas, indígenas e ciganas estão recebendo bolsas de doutorado e pós-doutorado vigentes e estabelecidas para 18 países no exterior. Destaco ainda o programa de intercâmbios de curta duração entre o Brasil e países do continente africano, o Caminhos Amefricanos, que reforça o cumprimento da Lei 10.639/03 sobre o ensino da história e cultura africana nas escolas do Brasil.
Casos de racismo no esporte, especialmente no futebol, foram amplamente divulgados no ano passado. O que o ministério tem feito para combater o racismo nas arenas esportivas e garantir um ambiente mais inclusivo para atletas e torcedores?
É muito importante que esse debate seja amplo, para que tenhamos os esportes, e o futebol mais particularmente, como espaço de potencialidade, respeito, saúde, transformação, não de humilhação e preconceito. O ministério tem atuado nesse tema, inclusive gosto sempre de destacar que o memorando de entendimento que assinamos com o governo da Espanha, em conexão com o Ministério dos Esportes, possibilitou que outras medidas históricas fossem tomadas, como a primeira punição por caso de racismo que o jogador Vini Jr. sofreu na Espanha. Assinamos também com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) um protocolo inédito de intenções para o combate ao racismo ea promoção da igualdade racial no futebol, e esse é um tema que vem sendo debatido de forma mais intensa e responsável nas transmissões, entre as torcidas. Isso também é um avanço.
Sobre o caso Marielle Franco e Anderson, o que ainda falta ser respondido? A Sra. acredita que a Justiça foi feita?
Tenho dito que a justiça seria ter minha irmã aqui conosco. Mas sabemos que isso não é possível. Então, sim, demos um passo muito grande em direção a um tipo de justiça, com a condenação dos executores em outubro do ano passado. No entanto, não foi o passo final dessa caminhada que dura quase sete anos. O ponto final dessa investigação não é só importante para minha família, mas também para o Brasil, para a nossa democracia e para alterar a forma com que crimes de violência política contra mulheres negras são tratados no Brasil.
O que ainda precisa evoluir no Brasil para que o racismo seja efetivamente combatido? É preciso que nos esforcemos para que o racismo e as desigualdades possam ser combatidos em todos os momentos e em várias frentes. É um empenho coletivo e individual. Como ministra, te digo que é necessário a elaboração e gestão de políticas públicas com participação social, transversalidade e interfederatividade. Nossa dedicação é também para propagar a compreensão de que o combate ao racismo e a promoção da igualdade não são uma responsabilidade só do Ministério da Igualdade Racial, mas de todo o governo, do parlamento e da sociedade.
E, obviamente, a institucionalização dessa agenda, ou seja, que ela integre a estrutura e o planejamento do estado brasileiro, faz uma grande diferença. É com investimento em políticas públicas consistentes e bem desenvolvidas e a articulação coletiva que poderemos criar um ambiente mais justo e igualitário, promovendo a dignidade para todas as pessoas.
Quais são as prioridades do Ministério da Igualdade Racial para o ano de 2025 e como as políticas em andamento serão ampliadas ou aprimoradas para impactar mais diretamente as comunidades negras e quilombolas?
Este ano marca a segunda parte da nossa gestão, então, é, muito objetivamente, um momento de colheita e ampliação. Em 2023 e 2024, foram desenvolvidas muitas políticas e ações pela igualdade racial nos campos da saúde, educação, cultura, segurança e meio ambiente, voltadas para pessoas negras, quilombolas, povos de terreiro e ciganos. Agora, nossa meta é chegar cada vez mais em quem mais precisa. Vamos dar destaque ao Plano Juventude Negra Viva, com entregas articuladas em todo o Brasil, que, com certeza, ao final da gestão, será um grande legado. Outra prioridade é a população negra e quilombola na Amazônia, no edital que também já comentei aqui e que será executado durante todo este ano. Lembrando que é o ano da COP 30 (Conferência das Nações Unidas) sobre o clima, então a relação com o enfrentamento às mudanças climáticas e a proteção dos territórios tradicionais é direta. Também estaremos focados no avanço nas ações afirmativas, e gosto sempre de lembrar que sou fruto disso. Daremos continuidade à luta pela aprovação da Lei de Cotas no Serviço Público, com aprimoramentos, além de ações conjuntas com foco no PFAA (Programa Federal de Ações Afirmativas), que envolve vários ministérios. Para encerrar, dentro desse es- forço de priorização, mais três pontos: continuaremos realizando entregas diretas para as comunidades na Política Nacional de Povos de Terreiro; no Programa Acolher, que fará atendimento direto a mães e familiares de vítimas de violência; e no Programa Rotas Negras, que incentiva a geração de emprego e renda através da valorização da cultura afro-brasileira por meio de rotas turísticas envolvendo as cidades e os Estados.
Para o futuro, a Sra. almeja um cargo no Congresso Nacional? Pensa em participar da disputa eleitoral em 2026?
Tenho refletido sobre o futuro político, sim, mas esse é um tema para o próximo ano. Hoje, estou ministra e com toda a energia para seguir cumprindo a missão de avançar na promoção da igualdade racial no Brasil, aprofundando as políticas já lançadas para que alcancem cada vez mais brasileiras e brasileiros. E posso garantir: não faltará dedicação para trabalhar e defender a democracia e, ao lado do nosso presidente Lula, construir um futuro mais digno para nossa população.
Qual legado a Sra. pretende deixar como a primeira ministra da Igualdade Racial do Brasil?
Um legado de muito trabalho e avanços. Quero que nossa gestão no Ministério da Igualdade Racial possa abrir caminhos para que todas as pessoas negras tenham mais oportunidades, construindo assim um país menos desigual e mais democrático. E sobre isso falo de um legado simbólico também, de provar que é possível construir planos para valorizar a vida da juventude negra, ampliar a titulação de terras quilombolas, a proteção e valorização dos povos de terreiro e ciganos. Um Brasil melhor é o maior dos legados possíveis.
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