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Não é conversa de pescador
Em seu doutorado, pesquisador do Centro TAMAR/ICMBio revela que gestão pesqueira, quando feita de forma participativa, é outra história!
Diz o ditado que pescador aumenta, mas não inventa. Historicamente pouco ouvidos por diferentes instâncias políticas e econômicas, no ES a comunidade de pescadores de recursos como camarão e lagosta tem tentado escrever uma história um pouco diferente.
O Centro TAMAR/ICMBio apresenta alguns dos resultados levantados pelo analista ambiental e oceanógrafo da equipe, Nilamon de Oliveira Leite Jr., que conclui sua tese de doutorado sob orientação do professor Agnaldo Silva Martins – doutor em Oceanografia da Universidade Federal do Espírito Santo.
Os primeiros produtos deste estudo foram publicados recentemente em dois artigos na revista científica Marine Policy, da editora Elsevier. Os artigos abordam a gestão pesqueira utilizando, como ponto de partida, informações históricas contidas em documentos do Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca no ES – o COMPESCA.
O recorte temporal levou em consideração toda a documentação acumulada ao longo de 20 anos, nas 118 reuniões realizadas pelo comitê, entre 2003 e 2023, além de publicações científicas, instrumentos legais como portarias, instruções normativas, leis e decretos, além de outros fóruns de gestão pesqueira, sites de instituições e artigos de imprensa.
Sobre o COMPESCA
No artigo intitulado “Regionalizando: a experiência de 20 anos do COMPESCA como modelo para a cogestão de pequena escala no Brasil Central” o pesquisador investigou a estrutura, o funcionamento e os resultados do COMPESCA ao longo de duas décadas.
Composto por uma assembleia geral, uma presidência, um secretariado executivo e grupos de trabalho, o COMPESCA possui uma estrutura de representação paritária, com 28 membros do governo e 28 da sociedade civil, incluindo 21 representantes do setor pesqueiro - composição que garante uma ampla representatividade e permite a participação de diversos atores envolvidos na gestão das pescas.
As decisões são geralmente tomadas por consenso para garantir maior representatividade e força política. O comitê é um fórum consultivo e propositivo que assessora o Ministério da Pesca e Aquicultura - MPA (que já foi Secretaria) e MMA/IBAMA. A assembleia geral serve como o principal fórum para discussões e decisões, enquanto os demais fornecem suporte logístico e administrativo.
“O COMPESCA é uma iniciativa de cogestão resiliente e eficaz, atuando como um órgão regional intermediário que preenche a lacuna entre os níveis local e nacional de gestão de pescas. Ao longo de sua existência, o comitê promoveu com sucesso o diálogo entre pescadores, governo e outros interessados”, frisa Nilamon.
Apesar de diversas conquistas, o pesquisador detalha que o COMPESCA enfrentou desafios como recursos limitados e instabilidade institucional do governo federal. “A falta de financiamento independente foi identificada como uma das maiores barreiras, afetando a regularidade das reuniões e a capacidade de realizar estudos de campo”, complementa Nilamon.
Sua resiliência e longevidade são atribuídas a uma liderança estável, um design participativo e a sua capacidade de mediar conflitos entre diferentes partes. Essa estrutura colaborativa foi fundamental para influenciar regulamentações nacionais e alcançar progressos notáveis na gestão de pescarias regionais. “O maior sucesso do comitê na gestão de recursos com baixa mobilidade, como o camarão, sugere que arranjos de cogestão locais são mais eficazes para essas espécies”, enfatiza o analista ambiental.
O COMPESCA representa um modelo para a criação de outros fóruns regionais de cogestão no Brasil e em outros países. “A coordenação de tais comitês através de estruturas de gestão locais existentes, como o IBAMA e o MPA, poderia facilitar a sua implementação, mas requer um financiamento adequado e equipes de coordenação permanentes e bem treinadas”, informa o pesquisador.
Os caminhos e descaminhos da pesca do camarão e da pesca da lagosta no Espírito Santo
No artigo intitulado “Caminhos desiguais na gestão compartilhada: Uma análise comparativa entre uma pescaria de camarão e uma de lagosta através dos princípios de design de Ostrom, ” o pesquisador analisou a gestão de duas pescarias muito importantes no Espírito Santo: a do camarão e a da lagosta. “Essas duas pescarias foram os temas mais debatidos no COMPESCA em toda a sua existência.
E os resultados foram bem diferentes para cada uma delas, em relação à gestão desses recursos pesqueiros”, frisa Nilamon. Nilamon comparou as duas pescarias através dos critérios criados pela cientista política e primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas (2009), Elinor Ostrom. A conclusão foi de que a pesca do camarão teve uma gestão mais bem sucedida, quando comparada com a gestão da pesca da lagosta.
E isso se deveu, entre outros fatores, à maior participação dos pescadores na tomada de decisões, com adaptações feitas às regras de pesca localmente adotadas. Segundo o pesquisador: “O governo reconheceu os direitos dos pescadores de formularem suas próprias regras, com a definição de limites claros sobre quem pode pescar e onde”. E ao longo desse tempo, a gestão da pesca de camarão tem seguido por um caminho mais positivo, “embora ainda precise melhorar em fiscalização e monitoramento”.
Já a pesca da lagosta passou por muitos problemas, pois as regras vieram de cima para baixo, sem considerar a realidade local, principalmente com a proibição do uso das redes para a captura de lagosta por parte do governo federal, método este tradicionalmente utilizado pela frota local, sem oferecer alternativas viáveis a esta modalidade de pesca no ES. “A pesquisa mostrou que não houve limites claros do território de pesca, e os pescadores não tiveram seus direitos respeitados. Conclusão: a pesca de lagosta continua sendo praticada de forma ilegal, sem controle da produção e com grandes riscos para o estoque do recurso e para os próprios pescadores”, explica o pesquisador.
Ou seja, quando a participação real dos pescadores e o respeito às práticas tradicionais e locais se deram, elas foram fundamentais para o sucesso da gestão pesqueira, como se deu em relação à pesca de camarão. “Já o caso da gestão pesqueira da lagosta mostrou que ignorar o conhecimento local e impor regras sem diálogo, leva ao fracasso”, reitera o analista ambiental.
Para uma melhor gestão na pesca do camarão, o estudo recomenda a continuidade do fortalecimento da gestão compartilhada, assim como avanços na fiscalização e no monitoramento, além do melhor alinhamento das regras de pesca com a realidade das comunidades tradicionais.
“Quanto à gestão da lagosta, é urgente recomeçar o processo de gestão compartilhada, iniciando pelo reconhecimento do direito dos pescadores, regionalizando as regras de pesca e criando normas mais adaptadas às condições locais. Quando esses fatores são ignorados, os problemas se agravam”, complementa Nilamon. O estudo envolveu a participação e colaboração de uma série de instituições que integram o COMPESCA, às quais Nilamon expressa sua gratidão. Entre elas estão: a Superintendência Estadual de Pesca e Aquicultura (SFPA-MPA) e a Superintendência do IBAMA no ES. “Agradecemos também ao Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental da UFES e ao ICMBio, por terem possibilitado que eu pudesse me dedicar de forma exclusiva a essa pesquisa. E claro, a todos os pescadores que apoiaram o Comitê ao longo de sua trajetória, e sem os quais não seria possível contar essa história!” celebra.
Texto do Boletim Eletrônico do Centro TAMAR/ICMBio - 7a Edição - Dezembro/2025
Comunicação Centro TAMAR/ICMBio


