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Legado de Cecília Baptistotte no Tamar
O Centro TAMAR/ICMBio se despede de uma profissional que marcou, durante o tempo em que esteve no Centro. Cecília Baptistotte, médica veterinária e analista ambiental, se aposenta, mas seu legado do trabalho construído ao longo de 44 anos, fica. E as próximas gerações já estão continuando todo esse trabalho. Em um bate papo, pudemos descobrir mais sobre sua trajetória profissional e o saldo do que fica guardado no coração e na memória. Confira!
Conte-nos um pouco sobre como foi a escolha de sua carreira e formação...por quê a busca por atuar com os animais?
Quando eu tinha 17 anos, pensei em fazer oceanografia porque eu queria morar perto do mar. Eu não tinha a menor noção de como era a Oceanografia. Meu pai não me deixou ir, pois só existia
Oceanografia na FURG e eu morava em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Na época meu pai disse: “você adora os animais, faça veterinária”...e fui fazer veterinária. No início foi um pouco difícil, pois em pleno Centro-oeste, o foco estava na produção de bovinos, suínos, aves, equideocultura, que são atividades importantes exercidas pelo médico veterinário, mais enfim...não era bem o que eu queria porque eu gostava dos bichos, mas não para cuidar deles e depois vê-los servirem de alimento para os humanos.
Eu sabia muito o que eu não gostava quando me formei. Não queria trabalhar com bovinos de corte, nem pets, e gostava mesmo dessa área da conservação silvestre, mas na época não tinha nenhuma formação. Morava próxima de uma rica biodiversidade que é o Pantanal e o Cerrado, mas não tive nenhuma formação, nem professores que pudessem me ensinar assim como nenhuma disciplina sobre essa área de animais silvestres. E fui trabalhar com pequenos produtores rurais, com o foco na bovinocultura de leite. E esse tempo foi muito bom, pois trabalhei no interior do Mato Grosso do Sul, numa área que tinha sofrido uma reforma agrária, com pequenas propriedades rurais. Gostei muito desse trabalho durante os 5 anos que fiquei lá.
Descreva um pouco do início de sua carreira...as primeiras portas que foram se abrindo a partir da sua formação.
Eu não tinha interesse em ser autônoma, nem ter uma empresa que prestasse serviços. Sempre me envolvi com as questões sociais. E desde que me formei já me tornei servidora pública.
Eu tinha uma amiga que se formou oceanógrafa, e acabei me tornando amiga também da turma da Oceanografia e de férias vim parar, em fevereiro de 1986, na REBIO de Comboios quando o Joca (João Carlos) tinha acabado de assumir esse trabalho como Coordenador Regional. E foi assim que eu conheci as tartarugas marinhas. Encantei-me quando vi o primeiro nascimento de filhotes em um ninho.
Nunca me esqueço daquele monte de filhotinhos brotando da areia. Uma imagem muito diferente para mim. Depois, em julho de 1987, me mudei para Regência Augusta, em Linhares-ES. Quando o Guy Marcovaldi, coordenador nacional do TAMAR, veio nos visitar lá na REBIO Comboios, ainda não tinha ninguém para executar a temporada reprodutiva e perguntou se eu não gostaria, e eu não pensei duas vezes, estava super envolvida e apaixonada pelas tartarugas marinhas.
Como você ingressou na carreira pública, como servidora?
Ingressei no Ibama em fevereiro de 1990 e depois o órgão foi dividido e em 2007 passei ao ICMBio. Quando eu comecei a trabalhar fui executora da Base do Projeto TAMAR em Comboios/ES e também fui chefe da Reserva Biológica de Comboios por 10 anos, e depois assumi a Coordenação Técnica do Espírito Santo e Coordenadora Nacional da Área de Veterinária. Mais recentemente Coordenadora Regional, sempre no Espírito Santo e com diferentes funções ao longo desses anos. Minha última lotação foi a Base Avançada do Centro TAMAR/ICMBio em Regência Augusta, Linhares-ES, onde permaneci até me aposentar recentemente.
Dentro já da estrutura pública de governo federal, fale um pouco mais sobre seus trabalhos?
Sempre trabalhei, desde 1987. E sempre no Espírito Santo e mais fortemente em Regência Augusta, com as tartarugas gigantes (Dermochelys coriacea) e as tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta), e com o monitoramento e a conservação dessas duas espécies, sempre envolvendo a comunidade por meio de ações de educação e sensibilização ambiental, bem como promovendo alternativas de desenvolvimento para essas comunidades onde a gente atuava.
Sabemos de sua contribuição para a implantação da REBIO Comboios, unidade de conservação criada para proteger o maior sítio reprodutivo das tartarugas de couro. Como foi esse processo para que a UC saísse, e fosse efetivamente criada?
Quando cheguei no ES, a REBIO de Comboios já estava criada (1984), mas tínhamos muitos problemas para as pessoas entenderem que se tratava de uma área protegida e de que algumas atividades não poderiam ser desenvolvidas. Tínhamos muito conflito em 7Km que ligam a sede da Reserva Biológica de Comboios à Vila de Regência, por onde a estrada de chão passa paralela à praia. As pessoas entravam de carro, acampavam, faziam fogueira. Nesse início, até realmente a gente conseguir educar e sensibilizar as pessoas de que determinadas atividades não podiam ser executadas, foi um tempo. Mas a unidade é relativamente pequena - pouco mais de 800 hectares - e em termos de gestão isso não foi tão complexo. Esses foram alguns desafios que vivi à frente, como chefe da REBIO Comboios.
Fale-nos um pouco sobre o processo de análise das solicitações de pesquisadores para atuarem com suas pesquisas com as tartarugas, ao longo da costa brasileira.
Em relação ao trabalho de análise de todas as solicitações de pesquisas envolvendo tartarugas marinhas, por meio do SISBIO, criado em 2007, a experiência foi muito rica. Antes de 2007 a única instituição que trabalhava com tartaruga marinha era a Fundação Projeto Tamar em parceria com o Centro TAMAR/ICMBio e a execução era conjunta.
O SISBIO possibilitou e facilitou aos pesquisadores se regularizarem e poderem trabalhar com tartarugas marinhas e executar diferentes projetos de pesquisa ao longo de toda a costa brasileira. Um sistema muito importante e que facilitou muito a comunicação e a execução desses programas de conservação em outras áreas onde o Centro TAMAR/ICMBio não atuava. Hoje mais de 30 instituições seguem essas diretrizes e trabalham pela conservação das tartarugas marinhas no Brasil.
E o seu trabalho no universo acadêmico, sua referência dentro da pesquisa com tartarugas marinhas, e em especial na temática fibropapilomatose. Fale-nos um pouco sobre sua jornada pesquisadora.
Todos os trabalhos acadêmicos publicados sempre foram feitos em parceria, nunca foi um trabalho individual e sempre em equipe. Realmente a gente não faz nada sozinho, porque tem outras
pessoas executando e cooperando. Todas as publicações foram feitas por pesquisadores do TAMAR e até externos, como é o caso do pesquisador Paulo Barata que é um estatístico e conservacionista que nos ajudou muito a analisar os dados.
E ele foi muito importante nas publicações e sempre contamos com a colaboração de várias pessoas. Em relação à fibropapilomatose, sempre tive interesse de trabalhar esse tema, que é um vírus que acomete as tartarugas no mundo todo. Em 1987/88 foi o primeiro registro da doença no Brasil, e foi um trabalho muito interessante de análise dos dados de SC ao Ceará, analisando a prevalência da doença sobre a tartaruga-verde (Chelonia mydas).
Sua participação nos fóruns internacionais que o Brasil tem assento. Vc foi membro da CIT, representando o Comitê Científico, certo? Como foi essa experiência de representar o Brasil, dentro de um dos fóruns mais importantes de conservação das tartarugas marinhas no mundo?
Representei o Brasil como Delegada no Comitê Científico por 3 anos e foi uma experiência muito rica - conhecer pesquisadores de 16 países diferentes que integram a CIT. Infelizmente quando assumi como Delegada, ocorreu a pandemia e as reuniões foram todas online e somente em agosto de 2024 foi presencial, na Guatemala - o que foi completamente diferente e enriquecedor, por ser presencial e as pessoas poderem trocar pessoalmente suas experiências. Fizemos uma visita aos tortugários para conhecer todo o trabalho que é feito lá. Também sou membro do Grupo de Especialistas em Tartarugas Marinhas da IUCN - União Internacional para Conservação da Natureza, com intercâmbios em simpósios internacionais, entre outros.
Para você, Cecília, aposentar significa parar? Continuar? Quais os planos?
Eu trabalhei ininterruptamente ao longo de 44 anos da minha vida profissional. E tem muitas coisas a serem feitas sempre. Inclusive pude estar na Ilha de Trindade recentemente, como colaboradora eventual, e foi uma experiência super importante por ser a maior área de reprodução das tartarugas verdes do Brasil e a 2ª maior do Atlântico Sul com uma densidade de desovas muito grande, numa ilha vulcânica maravilhosa.
Assim como recentemente estive em Alcatrazes para acompanhar o monitoramento de aves marinhas - atobás e fragatas - e estive em campo com os especialistas e mesmo não sendo especialista em aves marinhas foi lindo ter tido essa oportunidade. Ou seja, pelo visto, quando se faz o que se ama, a gente de alguma forma, nunca para.
Texto do Boletim Eletrônico do Centro TAMAR/ICMBio - 7a Edição - Dezembro/2025








