Notícias
SPE 33 ANOS
Novo relatório da Secretaria de Política Econômica tonifica agenda de combate às desigualdades

- Para a subsecretária Débora Freire, o estudo fortalece a discussão sobre a regressividade tributária. “Agenda muito cara para o Ministério e o Governo Federal” – Foto: Washington Costa/MF
A apresentação do “Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira — Dados do IRPF 2023” se deu durante a primeira rodada de discussões técnicas promovidas em comemoração ao 33º aniversário da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF), na segunda-feira (1º/12). Esse trabalho evidenciou desequilíbrios que o modelo tributário impôs ao longo dos últimos anos à população brasileira, cobrando mais imposto de renda dos mais pobres e menos dos mais ricos.
O relatório demonstra, ainda, que as injustiças têm inquestionável viés de gênero e raça. “Mulheres negras também formam grupo com menores medianas de rendas anuais. De maneira geral, pessoas negras representam grupos de menores rendas (mediana mais baixa do que a nacional para o grupo de mulheres negras). O gênero feminino também constitui indicador de menores rendimentos”, aponta o estudo da SPE. O trabalho operou com duas grandes bases de dados: a de pessoas físicas que apresentam declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física à Receita Federal e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme apontou a subsecretária de Política Fiscal da SPE, Débora Freire, a apresentação desse estudo inédito fortalece a discussão sobre a regressividade tributária nacional. “Uma agenda muito cara para o Ministério da Fazenda, para o governo federal”, sublinhou, ao lembrar da persistente agenda, promovida pelo atual governo, de combate à regressividade tributária (que beneficia os mais ricos) em busca de um sistema mais progressivo (progressividade ocorre quando aqueles que têm mais renda ou patrimônio pagam proporcionalmente mais impostos).
Débora frisou diversos avanços obtidos desde 2023 nessa agenda, como a implantação de tributação sobre fundos exclusivos e offshores, culminando com a aprovação da tributação mínima de super ricos e da isenção de cobrança de Imposto de Renda para brasileiros que recebem até R$ 5 mil mês. Essa isenção, promessa de campanha do Presidente Lula, foi sancionada na última sexta-feira (26/11). A Subsecretária destacou a importância da aprovação do projeto de corte linear de benefícios fiscais em tramitação no Congresso Nacional para a continuidade da agenda de correção de distorções na regressividade e promoção de redução das desigualdades.
O conjunto de aprimoramentos obtidos desde 2023, pontuou a subsecretária de Política Fiscal, representa passos importantes e, agora, o Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira — Dados do IRPF 2023 da SPE apresenta-se ao País como novo instrumento de apoio a uma ampla “agenda de combate estrutural à desigualdade de renda”. Segundo indicou a subsecretária, o estudo “traz luz e transparência” para “esse debate que ensejou uma agenda de política pública, uma das mais importantes deste governo”.
“A partição de renda é um problema econômico e deve ser foco da política econômica. É com esse olhar é que entregamos esse produto, nesse caminho para avançarmos nessa agenda tão importante da progressividade tributária e redução de desigualdades”, completou a subsecretária. Ela enfatizou os esforços do coordenador-geral de Estudo Quantitativos da SPE, Rafael Acypreste, responsável pela elaboração do Relatório.
O coordenador explicou que as declarações de imposto de renda não contêm dados sobre raça e, por isso, a importância de agregar informações da PNADC/IBGE para a realização da análise mais detalhada. “E aí conseguimos ter um cenário mais interessante da distribuição de renda da população brasileira”, explicou Acypreste. “Quando chegamos à parcela dos 0,01% mais rica dos declarantes de imposto de renda, a alíquota média era de 4,6%”, advertindo que durante a tramitação do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensal foi revelada a existência de “um grupo de bilionários que não paga nem 2,5% de imposto de renda”.
Uma das conclusões obtidas a partir da utilização cruzada dessas duas bases de dados, de forma a complementar uma à outra, indicou o coordenador, é que o Brasil tem uma sociedade ainda mais desigual, em termos de renda, do que apontado pela PNADC. Acypreste exemplificou: o estudo demonstra que quando considerado o grupo dos 10% mais ricos do país, essa fatia é composta por 80 % de homens e apenas 20 % de mulheres. “O rendimento médio dos homens é muito superior ao rendimento médio das mulheres”, reforçou o coordenador, lembrando que topo da pirâmide é formado majoritariamente por pessoas brancas. “As mulheres negras compõem a maior parte da fatia dos 10% mais pobres da população”, completou.
O coordenador-geral de Estudo Quantitativos da SPE alertou que o trabalho representa um retrato do Brasil de 2023, quando as reformas sobre a tributação sobre a renda ainda não haviam sido implantadas. Com as mudanças na cobrança do IRPF sancionadas na semana passada, cidadãos que ficam na zona intermediária de renda vão contar com diminuição da alíquota efetiva (isenção para quem recebe até R$ 5 mil e o desconto parcial para os que ganham entre R$ 5 mil e R$ 7.350 mensal).
Painelistas
“Unir os dados do imposto de renda com os dados do IBGE é uma inovação muito importante”, apontou o coordenador de Assistência Social, Pobreza e Desigualdade da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza. “A verdade é que descobrir a distribuição de renda de um país é algo muito difícil. E de um país como o Brasil, mais difícil ainda”, reforçou.
Souza apontou que a utilização conjunta das duas bases de dados permite identificar melhor, principalmente, o perfil dos super-ricos (que muitas vezes não informam exatamente sua renda, quando ouvidos pela PNADC/IBGE, mas cujo rendimento está presente na declaração do Imposto de Renda). Ou seja, uma base complementa a outra na construção desse novo mapa da distribuição pessoal da renda e da riqueza da população brasileira, em instrumento efetivo que fortalece debates sobre o grau de desigualdade no País. O novo modelo elaborado pela SPE, destacou o representante do IPEA, comprova que a desigualdade é ainda mais elevada do que outras pesquisas conseguem apurar.
“O relatório ajuda a explorar várias facetas disso e chama a atenção para a necessidade de buscarmos novas soluções para que a concentração [de renda] do topo mude. Isso o flui imediatamente para a questão de justiça tributária”, completou o coordenador do Ipea.
“O relatório é muito bom, é fácil de ler e ele assusta, porque mostra que a desigualdade é muito pior do que imaginávamos”, afirmou a economista do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Nathalie Beghin. “Essa é a expressão mais brutal do classismo, do racismo e do patriarcado, três fenômenos de exclusão da sociedade brasileira”, reforçou. Ele comentou que o relatório comprova que os mais ricos “criam mecanismos de defesa de suas rendas”, com vários expedientes para escapar do mesmo nível de tributação que afeta os mais pobres. Citou, entre outros pontos, isenções e deduções (como em previdência e saúde). “Para além deles pagarem poucos impostos, eles ainda conseguem mais reduções do que os outros”, destacou Nathalie.
A representante do Inesc destacou a importância do enfrentamento ao desequilíbrio de renda, mas alertou que igualmente relevantes são ações de reconhecimento, inserindo as fatias excluídas da sociedade. “Tão somente políticas articuladas de redistribuição e reconhecimento podem, de fato, é promover impactos sociais relevantes”, completou Nathalie. “E tem que ter participação social, porque tudo isso só acontece se a houver mais sociedade dentro do Estado”, reforçou.
“Devemos rever os incentivos fiscais. Isso é uma dívida grande que o país tem com sua nação. Sabemos que são promotores de concentração de renda. Além de revê-los — e manter alguns, porque para determinadas questões eles são importantes —,deveríamos introduzir critérios sociais e ambientais nesses incentivos”, ponderou Nathalie Beghin, ao apresentar rol de sugestões de políticas redistributivas e afirmativas que ainda precisam ser enfrentadas pelo Brasil.
Assista aos debates sobre o tema “Desigualdade no Brasil e a agenda de justiça tributária”, no seminário em comemoração ao 33º aniversário da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda