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SPE 33 anos
Estudos da SPE mostram coordenação da política fiscal do Governo Central com ciclo econômico e aspecto contracionista de meados de 2024 a 2025
O tema “Resultado fiscal estrutural e impulso fiscal em debate” foi discutido durante o seminário em comemoração ao 33º aniversário da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, na segunda-feira (01/12), em Brasília. Na ocasião, foi apresentado um novo produto, o Impulso Estrutural do Gasto (IEG), baseado em multiplicadores fiscais desagregados das despesas federais, e divulgada a atualização do cálculo do Resultado Fiscal Estrutural da SPE para o ano de 2024 e com o resultado parcial de 2025.
“São produtos fundamentais para a análise da trajetória da política fiscal no Brasil, refutando versões inverossímeis sobre a realidade fiscal do país, de que havia um regime fiscal com sustentabilidade que acabou, substituído por um regime fiscal insustentável. A verdade dos dados mostra o inverso”, destacou o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello.
“O argumento de que o atual governo herdou um resultado primário positivo não é verdade, do ponto de vista estrutural. Era um resultado primário estrutural profundamente negativo”, reforçou o titular da SPE, lembrando de fatores da gestão passada como os “calotes dos precatórios e nos governadores“, disse. “O resultado supostamente positivo de 2022 era um resultado fake”, completou Mello.
O material da SPE aponta que a política fiscal do Governo Geral em 2024 foi contracionista (houve diminuição do déficit primário em relação a 2023) e que estruturalmente houve melhora das condições de solvência do Setor Público Consolidado. Adicionalmente, a política fiscal foi pró-cíclica em 2024, em razão de um hiato do Produto Interno Bruto (PIB) levemente negativo ao final de 2023.
O déficit estrutural de 2024 é menor do que o de 2022, segundo os dados da Secretaria de Política Econômica, ao se considerar o efeito que desvios da inflação em relação à meta exerceram artificialmente nas receitas públicas em anos como o de 2021, quando houve desvio relevante. Em relação aos dois primeiros trimestres de 2025, para os quais já estão disponíveis dados necessários para o cômputo do indicador, reforça-se o viés pró-consolidação fiscal observado em 2024. Com exceção de 2016, o superávit estrutural do primeiro semestre de 2025 foi o maior desde o fim do ciclo de alta dos preços das commodities, na primeira década dos anos 2000, e substancialmente maior que os resultados apurados no período mais recente.
Confira os dados:
- Boletim — Resultado Fiscal Estrutural da SPE para 2024 e parcial de 2025 (RFE)
- Boletim — Impulso Estrutural do Gasto / Análise sobre o Impulso Estrutural do Gasto
- Apresentação — Resultado Fiscal Estrutural de 2024 e Impulso Estrutural do Gasto
Mello destacou que os novos estudos confirmam o aumento do déficit estrutural em 2023, principalmente pelos impactos da PEC da transição. Também porque a agenda de recomposição da base tributária ainda não havia começado a surtir efeito. “Nunca negamos isso”, lembrou o secretário, esclarecendo que o atual governo herdou um orçamento que previa queda de arrecadação de cerca de 1% do PIB, o que inevitavelmente gerou impactos negativos sobre 2023.
No entanto, os ajustes na economia executados pelo atual governo surtiram efeito e, sempre sob estrita responsabilidade fiscal, ressaltou Mello. “Tanto em 2023 quanto em 2024 há, sim, um impulso estrutural do gasto positivo, mas menor do que o crescimento do PIB, o que significa que ele não é aceleracionista. Se o impulso estrutural do gasto estivesse alinhado ao crescimento do PIB, o crescimento teria sido mais alto do que foi”, apontou o secretário de Política Econômica.
Trajetória
Mello destacou que, do terceiro trimestre de 2024 até o segundo trimestre de 2025, houve um impulso estrutural do gasto negativo, isto é, contracionista, alinhado à preocupação do governo e do Banco Central em ancorar as expectativas em relação aos indicadores de inflação, o que está efetivamente ocorrendo, com a queda dos índices de preços, rumando para convergência à meta. “Esse dado mostra exatamente o que estamos fazendo quando falamos em coordenação da política macroeconômica”, afirmou o titular da SPE. “A partir do momento em que se percebe que a economia está crescendo um pouco acima do seu potencial, que o hiato está se tornando positivo e que isso pressiona as expectativas inflacionárias, o impulso estrutural do gasto se reverte. Isso é feito, obviamente, em coordenação com a atuação da política monetária”, detalhou Mello.
“Não apenas não se sustenta o discurso de que há uma ‘gastança’, pressionando positivamente o crescimento e obrigando o Banco Central a aumentar a taxa de juros, os dados comprovam uma coordenação entre as políticas [econômica e monetária]”, explicou o secretário de Política Econômica.
O titular da SPE reforçou que atualmente é inquestionável a trajetória de melhoria dos resultados fiscais estruturais do país, mas que ainda há muitos desafios a serem enfrentados. “Isso quer dizer que o problema acabou? Que não temos mais problemas? Ao contrário, estamos com déficit estrutural, ainda. Temos que revertê-lo e estamos trabalhando para reverter, substituindo receita extraordinária por receita recorrente, aprovando medidas de controle de gastos”, disse Mello, lembrando que muitas das ações para o sucesso do processo de ajuste dependem do Congresso Nacional. “Queremos chegar ao centro da meta, com estabilidade do ponto de vista fiscal, recuperação do resultado estrutural e do patamar de receitas e com controle no nível das despesas”, declarou.
“É esse processo que queremos trabalhar: construir um caminho de maior estabilidade macroeconômica, crescimento alinhado ao nosso potencial, inflação cada vez mais perto da meta”, reforçou Guilherme Mello. O secretário de Política Econômica advertiu, porém, que o ajuste fiscal proposto pelo atual governo preserva as transferências sociais e os investimentos públicos, ao contrário de fórmulas anteriores que promoviam cortes disseminados, aumentando o desemprego e a desigualdade. “Ao contrário, queremos uma recomposição de receita, olhando para os benefícios e gastos tributários, cobrando dos muito ricos que não pagam imposto”, disse o secretário, ao reforçar que o ajuste fiscal está avançando sem gerar desemprego ou prejudicando a população. “Temos a menor taxa de desemprego da história; o menor nível de pobreza e miséria da história”, afirmou.
Detalhamento técnico
O detalhamento técnico dos novos produtos da SPE — análise sobre o Impulso Estrutural do Gasto (IEG), estudo baseado em multiplicadores desagregados; e o Resultado Fiscal Estrutural da SPE para 2024 e parcial de 2025 — foi conduzido pela subsecretária de Política Fiscal, Débora Freire, e pelo coordenador-geral de Modelos e Projeções Econômico-Fiscais da SPE, Felipe Luduvice.
O lançamento do Boletim Impulso Estrutural do Gasto (IEG) foi antecedido por um longo processo de elaboração de modelos robustos e estatisticamente eficazes, segundo Débora Freire. "O impulso fiscal indica qual foi a variação do PIB em razão da despesa pública do governo federal, considerando os efeitos diretos e indiretos desse gasto", explicou. Conforme apontou a subsecretária, a metodologia mostra que a política fiscal desacelerou o crescimento do PIB em 2024 e que outros componentes foram responsáveis pela alta mais robusta do PIB no ano. “Um impulso fiscal que se reduziu muito em relação ao observado em 2023, quando tivemos a PEC da transição”, disse a subsecretária, ao fazer alusão ao pagamento de precatórios atrasados, herdados do governo anterior, no final do mesmo ano..
Os IEGs apresentados pela SPE foram calculados de 2002 a 2024 e contaram com ajuste relativo ao pagamento de precatórios no exercício de 2023 (R$ 95,3 bilhões foram deslocados do final de 2023 para o primeiro trimestre de 2024, em razão de seu pagamento em 28 de dezembro presumivelmente só ter impactado a demanda agregada no ano seguinte). O trabalho aponta que na maior parte dos anos o gasto público federal foi expansionista, contribuindo para o aumento do PIB, mas não foi aceleracionista, ou seja, contribuiu menos que outros fatores, como o consumo das famílias, investimento privado e setor externo.
“A partir do início do segundo trimestre de 2024, começamos a acumular impulsos fiscais contracionistas, em coordenação da política fiscal com o ciclo econômico”, ressaltou Débora Freire. “No terceiro trimestre de 2025, essa postura fica expansionista, mas menor do que o crescimento efetivo [do PIB]”, detalhou. Em 2024, IEG do Governo Federal foi de 1,1% do PIB, ante um impulso de 2,4% em 2023.
Ao falar sobre multiplicadores fiscais, a subsecretária destacou que o gasto público federal representa um componente importante da demanda agregada, por isso a relevância de mensurar a magnitude da atividade econômica induzida por ele. Multiplicador fiscal é o coeficiente que, multiplicado pelo gasto público, permite aferir seu poder indutor sobre a demanda agregada tanto pelo impacto direto quanto por meio do acionamento indireto de cadeias produtivas, pagamento de rendas de fatores e consumo.
O coordenador-geral de Modelos e Projeções Econômico-Fiscais da SPE, Felipe Luduvice, explicou que a metodologia de cálculo do Resultado Fiscal Estrutural havia sido modernizada ano passado. “Fizemos uma atualização desse cálculo para 2024 e a prévia de 2025. A importância desse resultado vem do fato de ele desconsiderar receitas e despesas não recorrentes e fazer um ajuste pelo momento do ciclo econômico”, disse Luduvice.
“O governo federal acabou respondendo pela maior parte do déficit do setor público em 2024, mas o déficit diminuiu bastante em relação a 2023 e a maior parte desse esforço foi do governo federal”, destacou o coordenador.
O material da SPE informa que o Resultado Fiscal Observado do Setor Público em 2024 foi de -0,40% do PIB, enquanto o Recorrente foi de -1,08%, refletindo, principalmente, receitas atípicas com dividendos, concessões e recolhimentos de tributos de fundos exclusivos. O Resultado Fiscal Estrutural do período foi de -1,26% do PIB potencial e o aumento do déficit em relação ao Recorrente deveu-se ao hiato positivo do PIB naquele ano, segudo revelam os dados da SPE.
O material destaca que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o ICMS não poderia compor a base de incidência do PIS/Cofins — conhecida como “tese do século” —, gerou um passivo estimado em R$ 400 bilhões para a União em compensações tributárias, que vêm sendo descontadas pelas empresas paulatinamente desde 2020.
Dessa forma, o RFE, sem o excesso de compensações (calculado em relação à média dessas compensações entre 2003 e 2018), resultaria em resultados fiscais estruturais, aproximadamente 1% do PIB, melhores do que os observados. A melhora do resultado fiscal estrutural tende a ocorrer conforme o estoque das compensações da Tese do século se esgote.
Painelistas
“Desigualdade de renda, na verdade, é uma restrição macroeconômica”, pontuou a economista do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da Universidade de São Paulo, Marina Sanches (MADE). Ela ampliou o debate iniciado pela subsecretária Débora Freire sobre o potencial dos multiplicadores fiscais. “Toda vez que o governo gasta, ele estimula o consumo das famílias, estimula o investimento, gera um círculo virtuoso na economia”, apontou, ao destacar a importância das políticas sociais redistributivas e das despesas públicas como mola propulsora de toda a economia.
“O investimento público tem alto efeito sobre a economia, porque além de estimular a demanda, também estimula novos investimentos privados”, completou Sanches, destacando que esse efeito é ainda maior em economias mais desiguais, com uma maior concentração de renda. “Políticas redistributivas, além de serem importantes do ponto de vista social, também servem como combustível macroeconômico”, afirmou a pesquisadora.
“Nos últimos dois anos, parte importante do crescimento do gasto público não tem ocorrido, principalmente a partir do segundo trimestre de 2024, ao nível federal. Tem acontecido, principalmente, em estados e municípios”, disse o coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, professor Manoel Pires. Ele trabalhou com a SPE na estimação dos coeficientes dos multiplicadores fiscais.
Pires também apresentou observações de cunho metodológico a respeito dos dois novos produtos da SPE. “A questão da base de dados é importante. É o caso dos gastos da pandemia, que são excluídos do resultado fiscal estrutural, porque a ideia do resultado fiscal estrutural é observar o impacto da política fiscal no endividamento a longo prazo. No caso do impulso estrutural, não [são retirados do cálculo], porque apesar de não ser um gasto recorrente, teve impacto na demanda agregada e, portanto, têm que ser considerados”, explicou.
Assista aos debates da mesa que tratou do tema “Resultado fiscal estrutural e impulso fiscal em debate”, no seminário em comemoração ao 33º aniversário da Secretaria de Política Econômica (SPE):
