Críticas pluriepistêmicas
SOMOS NATUREZA!
Terra, espiritualidade e epistemologia
Wawana Ikpeng
O povo Ikpeng, também conhecido como Txikão, habita a região do Parque Indígena do Xingu, no estado de Mato Grosso.
Pertencente ao tronco linguístico Karib, os Ikpeng são reconhecidos por sua profunda relação com a floresta, com os rios e com o território que os sustenta espiritual e fisicamente.
Sua história é marcada por resistência, deslocamentos e pela preservação de seus saberes tradicionais, que se expressam na língua, nos rituais e nas práticas de convivência com a natureza.
Entre as novas gerações de jovens lideranças Ikpeng, que transitam entre o mundo tradicional e o mundo da educação formal, está Wawana, estudante do curso de Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Em sua fala, Wawana reflete sobre o pensamento indígena em relação à terra, à sustentabilidade, às pluriepistemologias e à crítica às dicotomias ocidentais.
Ele fala a partir da perspectiva de seu povo e em diálogo com outros povos e pensadores indígenas, como Sônia Guajajara e Davi Kopenawa.
A Terra como mãe e base do conhecimento
“A terra é muito mais que mercadoria; a terra não se negocia, a terra não se vende, a terra é mãe” Sonia Guajajara
Wawana inicia sua reflexão destacando que a terra é a base da vida e do conhecimento indígena.
Ela é fonte de espiritualidade, alimento e sabedoria ancestral.
Para os povos indígenas, a terra não é um objeto ou um bem de troca, mas um ser vivo que possui alma e respira como nós respiramos.
Preservar a terra é preservar a vida — não apenas a vida indígena, mas a de todos os seres humanos que habitam o planeta.
Quando os povos originários lutam pela terra, lutam também pela continuidade da existência do mundo.
“Nós, indígenas, pensamos dessa forma sobre a terra. A terra é o nosso coração. Se a terra não vive, nós também não vivemos”.
Xawara
Ao citar o líder Yanomami Davi Kopenawa, Wawana explica o termo “Xawara”, que em língua Yanomami significa o destruidor, o causador do desequilíbrio ambiental.
Em sua própria língua, o Ikpeng, esse mesmo conceito é expresso pela palavra “WÏRÏKTOMETKETPOT”, associada ao que corrói, desestabiliza e destrói a realação entre humanos e natureza.
As ações do homem branco — como o desmatamento, a mineração e a poluição — ferem o corpo vivo da Terra.
Retirar algo precioso do solo é, para Wawana, o mesmo que ferir o corpo de um ser humano. A destruição da natureza é, portanto, também a destruição da cultura e da espiritualidade dos povos indígenas.
Pluriepistemologias e crítica às dicotomias ocidentais
Wawana segue refletindo sobre o conceito de pluriepistemologias, compreendendo-o como o encontro e o diálogo entre diferentes modos de saber.
Para ele, não há separação entre corpo e espírito, natureza e cultura, ser humano e território.
Esses elementos formam uma única rede de relações, que sustenta a existência dos povos e das suas práticas de conhecimento.
O pensamento ocidental, ao contrário, criou divisões artificiais: entre humano e natureza, razão e espiritualidade, ciência e tradição.
As diversas epistemologias indígenas propõem superar essas divisões, afirmando que todo conhecimento é relacional e nasce da convivência com o ambiente, com os seres e com os espíritos.
“Nós não podemos desagregar da natureza, porque somos filhos dela. Fomos criados pela natureza. É com ela que aprendemos a viver e a pensar”.
Sustentabilidade como modo de viver
Para encerrar, Wawana fala sobre o entendimento indígena de sustentabilidade.
Para os Ikpeng, como para muitos povos originários, sustentabilidade é o equilíbrio com a natureza, a manutenção da vida em todas as suas formas.