Notícias
DIÁLOGO
2º Seminário Cultura e Clima: vozes ancestrais e da ciência se unem por justiça climática
Foto: Juliana Uepa/MinC
O 2º Seminário Internacional Cultura e Mudança do Clima, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC), encerrou suas atividades neste domingo (2) com um chamado à ação e à reflexão profunda sobre o papel dos saberes na construção de um futuro sustentável. A fala de abertura do líder indígena, escritor e ambientalista Ailton Krenak deu o tom do dia, que ainda contou com debates sobre justiça climática, racismo ambiental e o poder da arte como ferramenta de transformação.
Krenak convidou o público a repensar a relação com o planeta e com a própria ideia de cultura. “Nós temos que pensar, gente, quando nós fazemos escolhas nisso que chama campo da cultura, como que as nossas escolhas vão incidir sobre o cultivo dos alimentos, o modo de extrair da terra isso que nós comemos, os remédios, o modo de habitar, o modo de construir”, pontuou ao defendendo uma visão de mundo que integre e não separe a humanidade da natureza. Ele falou sobre a importância de se sair do paradigma de que a cultura é mercadoria.
Saberes que tecem justiça climática
A Sessão Territórios de cultura: saberes que tecem justiça climática, mediada por Roberta Martins, secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura do MinC, aprofundou o diálogo entre diferentes formas de conhecimento sobre o território.
"O território é recorte de um mundo que pertencemos com experiência real e concreta não apenas simbólico. Nossa perspectiva é a da transformação social e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Como essa percepção de questões sociais, com justiça social, direitos sociais e humanos permeiam o debate público e como elas se agregam à justiça climática”, disse a mediadora.
Naine Terena, educadora e fundadora da Casa Vituka, trouxe a perspectiva indígena sobre território e conhecimento. “Se a solução somos nós, nós temos tecnologias que podem contribuir com soluções, mas quem salva a gente para salvar as tecnologias?”, questionou. “A gente não está querendo sobrepor os conhecimentos dos povos sobre o conhecimento científico. Não é sobre isso”, afirmou Terena, destacando a importância do diálogo horizontal entre saberes.
A cientista Maria Augusta Arruda, diretora do Laboratório Nacional de Biociências, trouxe a reflexão. “Existe algum problema que nós estamos vivendo hoje, quando se trata da crise climática, que aspecto não foi criado ou exacerbado por avanços científicos? A gente só vai conseguir sair dessa com a ciência, a cultura, os povos originários, todos trabalhando juntos”.
Thaynah Gutierrez, do Geledés – Instituto da Mulher Negra, falou da perspectiva do racismo ambiental. “A gente consegue entender que essa construção social do que é uma zona de risco tem levado à continuidade desse ciclo vicioso de racismo ambiental e de criminalização das pessoas pobres pelo direito de morar e viver”, afirmou.
Ela também falou sobre os terreiros de matriz africana. “Os terreiros nos espaços urbanos são fios de conexão entre os quilombos e as favelas. O que a gente precisa é garantir a resiliência nesses territórios”.
A cantora zimbabuana-britânica Shingai, que está no Brasil pela primeira vez, falou sobre a importância de resgatar a ancestralidade como forma de inovação. Segundo ela, em muitas cosmologias africanas a terra é vista como um arquivo vivo de memória. “Eu diria que é como um retorno ancestral, é como o mais alto nível de ancestrais que estão retornando através do nosso despertar sobre o que precisamos fazer. Estamos reivindicando a aldeia africana e a área rural como um local de inovação", disse.
Shingai também apresentou seu projeto Ubuntu Futures Organics (UFO), que promove agricultura regenerativa e economia circular no Zimbábue. “Nossa resposta climática tem que mudar da extração para a reciprocidade, do uso para a comunhão”.
Arte e empoderamento climático
A última mesa do dia, Arte, cultura e participação: ações para ampliar o empoderamento climático, reuniu artistas e ativistas que utilizam a cultura como motor de engajamento.
Samuel Rubin, cofundador do Entertainment + Culture Pavilion, destacou a importância de reconhecer o setor cultural como protagonista na ação climática. “Nós já estamos fazendo o trabalho que a Ação para o Empoderamento Climático está pedindo aos governos. O desafio é que a cultura e os praticantes culturais não se reconhecem formalmente nem se dão crédito para o trabalho que nós já estamos fazendo”, afirmou. Rubin também criticou a visão limitada sobre o papel da cultura: “Eles ainda veem o setor cultural como decoração. E essa não é a imagem completa do que o setor cultural pode oferecer na luta pela sobrevivência do nosso planeta”.
Eduardo Carvalho, jornalista e criador da coleção Educação Climática com a Turma do Pererê, trouxe sua experiência como jornalista ambiental e curador de exposições. “O desafio nosso, como alguém que trabalha com cultura, é traduzir, transformar essa linguagem usando diferentes suportes narrativos, gerar engajamento, criar a empatia”, afirmou.
Eduardo destacou a importância de conectar as mudanças climáticas ao cotidiano das pessoas. “Não são os aparatos tecnológicos, mas as tecnologias milenares que a gente acabou deixando de lado e que a gente tem que resgatar exatamente porque elas são a solução para o nosso futuro. Ou seja, o futuro é ancestral”.
O painel contou ainda com Jeft Dias, do Festival Psica, representando a força da cultura periférica e amazônica. Ele explicou como criar conexões entre o mercado brasileiro e a cena periférica do Norte. Giovanna Nader, atriz e criadora da plataforma O Tempo Virou, auxilia através de seu podcast as pessoas a entenderem as decisões políticas sobre clima.
O encontro terminou com uma performance da cantora Shangai, uma celebração da arte como elo entre ancestralidade e resistência, simbolizando a força e a criatividade do Sul Global na construção de um futuro mais justo e sustentável.
O seminário, realizado em parceria com a Unesco e a OEI, foi um passo importante na preparação para a COP30, que acontecerá em Belém, e consolidou o compromisso do Brasil em colocar a cultura no centro da agenda climática global.