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Restinga também se aprende na escola
Pesquisa com alunos de escolas da Região dos Lagos, RJ, mostra que o ensino formal tem papel importante na transmissão cultural de conhecimentos sobre as plantas de restinga, indicando que vale a pena investir na capacitação de professores para a conservação dos ecossistemas locais e os saberes a eles associados.
Transmissão cultural é um dos principais meios de compartilhamento de informações ao longo do tempo e do espaço. Pesquisadores vêm estudando esse processo no que se refere aos conhecimentos ecológicos locais – ou seja, saberes e práticas originários da centenária interação entre diferentes povos e a biodiversidade do seu entorno. Desta forma, é possível compreender melhor como as culturas se modificam ao longo do tempo e sua relação com os recursos naturais – o que tem implicações para o manejo e a conservação da natureza.
Nessa linha, a doutoranda Nicky van Luijk e a pesquisadora Viviane Fonseca-Kruel, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e o pesquisador Gustavo Soldati, da Universidade Federal de Juiz de Fora, fizeram um estudo nos municípios de Arraial do Cabo e Cabo Frio (RJ), uma região ocupada por comunidades tradicionais de pesca artesanal há mais de 300 anos, que usavam – e ainda usam – recursos extraídos diretamente do ambiente de restinga (vegetação costeira associada à Mata Atlântica). Essas comunidades e a biodiversidade de seu entorno vêm sofrendo com a supressão da vegetação e mudanças culturais relacionadas à industrialização e imigrações.
Nesse contexto de transformação, o estudo procurou entender se os conhecimentos locais sobre a restinga estavam sendo passados aos jovens, quais conhecimentos seriam esses e quais seriam os responsáveis pela transmissão. Foram entrevistados 70 jovens nativos da região de Cabo Frio e 80 jovens imigrantes de outras regiões, em três escolas de Ensino Médio. Os jovens responderam questões sobre quais plantas nativas da restinga eles conheciam e quais os usos locais destas plantas. Além disso, perguntou-se como, quando e com quem eles adquiriam esses conhecimentos.
O estudo mostrou que as principais plantas nativas conhecidas foram as de uso alimentício e medicinal. Não houve diferença entre o conhecimento de jovens nativos e imigrantes, nem na forma como aprenderam. Os principais modelos de transmissão foram professor(a), mãe, avó e mídia. O ensino formal ou informal teve destaque como processo cognitivo de aprendizagem em relação à observação e aprendizagem individual. Os principais contextos de aprendizagem foram momentos do cotidiano com a família e atividades realizadas na escola.
Os resultados indicam que o professor e a escola, junto com a família, têm papel importante na transmissão dos conhecimentos culturais sobre as plantas da restinga, de modo que elaborar estratégias de divulgação desses saberes no âmbito escolar, como a criação de materiais didáticos contextualizados com as realidades locais e a capacitação de professores, é fundamental para manter a diversidade cultural associada à biodiversidade entre os diferentes grupos sociais do Brasil.
O estudo foi publicado no Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine em maio de 2021, Acesse o artigo online.
Foto: Viviane Fonseca-Kruel