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Fogo e exploração madeireira na Amazônia empobrecem interações ecológicas
Novo estudo revela que incêndios e extração seletiva de madeira — distúrbios não naturais para os ecossistemas amazônicos — reduzem as interações animais-plantas essenciais para a manutenção e regeneração da floresta.
As interações de frugivoria referem-se às relações ecológicas entre animais que se alimentam de frutos (frugívoros) e plantas que produzem frutos carnosos. Essas interações são fundamentais para a manutenção dos ecossistemas, pois os frugívoros — como aves, primatas e morcegos — consomem frutos e dispersam sementes, ajudando na regeneração das florestas e na manutenção da biodiversidade. Isso é especialmente crucial em florestas tropicais como a Amazônia, onde muitas espécies de plantas dependem de animais para a dispersão de sementes.
Com base na importância dessas interações, um novo estudo realizado por pesquisadores brasileiros e britânicos quantificou os impactos de incêndios florestais e da exploração madeireira seletiva nas interações de frugivoria no coração da Amazônia brasileira.
Publicado na renomada revista Oikos, o estudo revela que incêndios florestais e a extração seletiva de madeira reduzem significativamente as interações de frugivoria na Amazônia, ameaçando os processos essenciais necessários para a regeneração da floresta, como a dispersão de sementes. Os incêndios florestais são um fenômeno recente nas florestas amazônicas e podem ter impactos profundos e duradouros na biodiversidade e nas interações entre espécies.
Liderado pela Dra. Liana Chesini Rossi, que dedicou 1.500 horas a observações focais e quase 30.000 horas ao monitoramento por armadilhas fotográficas, a pesquisa oferece a quantificação mais abrangente até hoje de como incêndios florestais e corte seletivo de madeira afetam as interações de frugivoria em florestas tropicais. O trabalho de campo exigido para coleta desses dados foi desafiador, com pesquisadores enfrentando condições adversas, longas caminhadas por florestas densas e a curiosidade da fauna local — incluindo macacos-prego que interagiam com as câmeras — para documentar essas interações ecológicas para as florestas tropicais.
O estudo revelou que florestas queimadas e exploradas há quase duas décadas apresentaram redução de 16% nas espécies e declínio de 66% no número de interações. Esses distúrbios também levaram a mudanças significativas na composição da fauna local, inclusive com o desaparecimento de algumas espécies, e nas interações realizadas entre os animais frugívoros e as plantas, em comparação com florestas primárias.
"Esses resultados destacam os efeitos de longo prazo dos incêndios florestais e da exploração seletiva de madeira na configuração das interações ecológicas, especialmente quando atuam em conjunto", explica Liana, atualmente pós-doutoranda no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que liderou o estudo durante seu doutorado na Universidade Estadual Paulista (UNESP-Rio Claro). "Embora a organização dessas interações não tenha mudado drasticamente, a perda contínua de espécies e interações, somada ao aumento previsto na frequência e intensidade de incêndios florestais devido às mudanças climáticas, pode ameaçar a resiliência das florestas tropicais."
Um dos aspectos mais preocupantes da pesquisa é que florestas afetadas por exploração madeireira e incêndios há quase 20 anos ainda não conseguem sustentar espécies-chave. "Além de deixar as florestas queimadas mais pobres em vida, a ausência dessas espécies também priva algumas plantas de seus principais dispersores de sementes, o que pode comprometer a estrutura e a continuidade das populações vegetais a longo prazo", explica o Prof. Marco Aurélio Pizo, investigador principal do estudo. A falta dessas interações sugere que os efeitos dos distúrbios humanos persistem por muito mais tempo do que se imaginava e podem prejudicar a funcionalidade do ecossistema em escala prolongada.
Este estudo foi realizado como parte do Programa de Monitoramento Ecológico de Longa Duração do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dentro do projeto coordenado pela Rede Amazônia Sustentável.