Notícias
PATRIMÔNIO
No Rio, ministérios da Cultura e da Justiça assinam termo de R$ 86 milhões para restauração do Armazém Docas André Rebouças
Foto: Tarcisio Boquady/MinC
O Armazém Docas André Rebouças, na Pequena África, marco fundamental da memória afro-brasileira no Rio de Janeiro, irá se transformar em um dos maiores complexos da América Latina voltados à cultura e à valorização da população negra. Nesta terça-feira (16), o Ministério da Cultura (MinC), por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Fundação Cultural Palmares (FCP), e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MPJSP) celebraram a assinatura de Termo de Execução Descentralizada (TED) para a restauração e requalificação do imóvel. A obra será financiada com recurso de R$ 86 milhões do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), com previsão de conclusão em 30 meses.
“É preciso resgatar as memórias dessas pessoas que colaboraram com a construção de um Brasil”, afirmou a ministra da Cultura, Margareth Menezes no ato realizado no antigo Docas D. Pedro II, na região do Cais do Valongo, o maior ponto de entrada de africanos escravizados nas Américas. A titular da Pasta acrescentou que implementar políticas culturais de inclusão, reparação e justiça social era uma das atribuições assumidas no início da gestão do MinC.
“Estamos materializando esse compromisso por meio de mais uma ação que se concretiza nesse território de memória, de história, cumprindo o dever do Estado de garantir e celebrar a resistência negra como parte da constituinte da identidade, da história e do presente e do futuro do Brasil. E celebramos a valorização de saberes, as expressões, as manifestações, as tecnologias, as formas de pensar e de existir das pessoas negras que vieram da África e construíram o Brasil”, ressaltou.
O presidente do Iphan, Leandro Grass, realçou o papel do Fundo de Defesa de Direitos Difusos para ações de recuperação do patrimônio nacional. “O Instituto é um dos principais executores do FDD. Entregamos aqui no ano passado a nossa nova sede na Avenida Rio Branco, onde fica a superintendência da casa do patrimônio, com recurso do Fundo. Estamos fazendo novas ações, mas essa será a mais emblemática dessa relação que construímos com o Ministério da Justiça. Ela é grandiosa, acima de tudo, pela sua importância e pelo seu significado”, sublinhou.
A participação social no processo foi destacada por Leandro Grass. “A Constituição diz que o patrimônio cultural brasileiro deve ser preservado pelo Estado e pela sociedade, em colaboração. Esse patrimônio é sobre nós. É sobre os que estiveram aqui. É sobre aqueles e aquelas que foram escravizados, que deram a sua vida, que perderam a sua vida, que foram tirados de onde estavam, foram afastados dos seus filhos, das suas mães, dos seus pais. É sobre isso e é por isso que estamos aqui”, concluiu.
Já o diretor do Departamento de Projetos do FDD, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, Thiago Nicácio, chamou a atenção para o impacto da restauração do prédio. “É uma satisfação apoiar esse projeto. É um desafio, por ser uma iniciativa grande, uma dos maiores que o Fundo está financiando. A reativação de uma estrutura como essa muda a cidade, ainda mais na região central do Rio de Janeiro, que é tão diversa”, analisou.
Para o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge, a ação promove uma reparação histórica. “Essa obra não é carioca, não é baiana, não é paulista. É uma obra profunda, da civilização africana, do candomblé, da umbanda, da religiosidade que está aqui presente. Hoje as ideias de André Rebouças sobrevivem com apoio Ministério da Justiça, do Iphan, do Ministério da Cultura e também da energia de uma Palmares viva, dinâmica e pronta a enfrentar os desafios do maior país africano do mundo fora da África. Um país chamado Brasil”.
Segundo a presidente bipartite do Comitê Gestor do Cais do Valongo e representante da Organização Cultural Remanescentes da Casa da Tia Ciata (ORTC), Gracy Mary Moreira, a obra tem valor significativo para a cultura negra. “Nós estamos promovendo a dignidade de um povo que ajudou na construção desse país. E celebrando também André Rebouças, esse arquiteto negro, genial. Um país sem memória é um país sem história. E nós temos história. Aquela que não foi contada nos livros, hoje nós contamos e celebramos”.
Também participaram da cerimônia a secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura do MinC, Roberta Martins, representantes do Comitê Gestor Cais do Valongo e parlamentares.
Símbolo de resistência
O prédio foi projetado em 1871 pelo engenheiro negro e abolicionista André Rebouças. A construção, erguida sem o uso de mão de obra escravizada, é um marco da engenharia nacional e símbolo da resistência negra. Tombada pelo Iphan em 2018, está atualmente sob gestão da Fundação Cultural Palmares. A unidade regional da instituição funciona no edifício e atua como guardiã do espaço e de sua programação cultural.
Após a conclusão das obras, a edificação irá abrigar o Centro de Interpretação do Patrimônio Mundial Cais do Valongo, dedicado à valorização da herança africana e o legado de André Rebouças.
O local também sediará o Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana (LAAU), responsável pela preservação e estudo de mais de um milhão de peças arqueológicas, incluindo as provenientes do Sítio Arqueológico Cais do Valongo, reconhecido como Patrimônio Mundial pela Unesco.