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PELD Cantareira Mantiqueira
Florestas da Mata Atlântica em processo de regeneração são mais suscetíveis a incêndios
Área de Mata Atlântica devastada pelo fogo - Foto: SOS Mata Atlântica
As florestas da Mata Atlântica que estão em processo de regeneração, conhecidas como florestas secundárias, são os ambientes mais suscetíveis a incêndios, de acordo com uma pesquisa que analisou mais de 40 mil incêndios ocorridos em um período de 35 anos. Segundo os resultados obtidos, é provável que os incêndios aconteçam devido às características microclimáticas dessas florestas secundárias, que são mais quentes, menos úmidas e com maior radiação solar em comparação às florestas maduras. A boa notícia é que, quando as florestas secundárias crescem e se tornam mais similares a florestas maduras, elas também ficam mais resistentes a incêndios, de acordo com os autores do estudo, financiado pelo CNPq e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O trabalho foi realizado no âmbito do Programa Ecológico de Longa Duração do Corredor Cantareira Mantiqueira (PELD CCM).
A conclusão da pesquisa tem implicações diretas para políticas de manejo e conservação. Áreas com grandes extensões de vegetação secundária, em especial aquelas que se encontram em estágios iniciais de regeneração, devem ser prioritárias em estratégias de combate ao fogo, ressaltam os pesquisadores. À medida em que se regeneram e se tornam resistentes ao fogo, essas florestas também desempenham papel essencial no sequestro de carbono, o que ajuda a mitigar os impactos das mudanças climáticas.
“Conforme a Mata Atlântica recupera sua vegetação nativa, essa regeneração precisa ser protegida para garantir o sucesso dos esforços de restauração desse bioma tão ameaçado”, aponta o professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e bolsista de Produtividade e Pesquisa do CNPq Augusto Piratelli, que orientou o estudo.
De acordo com o professor do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Milton Cezar Ribeiro, que também participou da equipe de pesquisa, os próximos passos envolvem o monitoramento das florestas secundárias incendiadas, para avaliar sua capacidade de regeneração. A Mata Atlântica é considerada um dos biomas mais ameaçados do Brasil e tem histórico de degradação desde os tempos coloniais, com ameaças como o desmatamento e a fragmentação florestal, além de problemas com fogo, que tendem a aumentar frente às mudanças climáticas e períodos de estiagem prolongados.
Como foi feita a pesquisa
Dados levantados pelo MapBiomas indicando que, nas últimas quatro décadas, mais de sete milhões de hectares de Mata Atlântica foram atingidos por incêndios contribuíram para que os pesquisadores da UFSCar, da UNESP, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e da Universidade de Lisboa se unissem para avaliar quais ambientes são mais vulneráveis à propagação do fogo, a fim de propor estratégias para a conservação dessas áreas. O MapBiomas é um projeto colaborativo que realiza o mapeamento anual da cobertura e uso da terra no Brasil, incluindo cicatrizes de fogo. Do projeto participam várias entidades, como universidades, laboratórios, startups de tecnologia e organizações não governamentais (ONGs).
Durante a pesquisa, a equipe avaliou quais tipos de ambiente são mais vulneráveis à propagação do fogo, empregando análises geoespaciais para examinar a propensão a incêndios em diferentes áreas ao longo das ecorregiões da Mata Atlântica. O trabalho envolveu a definição de ecorregiões, obtenção e processamento de informações relativas a incêndios, cobertura e uso da terra, com mapas de uso do solo e de cicatrizes de fogo, além de método baseado em índice de proporções, para ajudar no entendimento sobre como as florestas secundárias são vulneráveis às queimadas. As conclusões foram publicadas em artigo, em fevereiro deste ano, no Journal of Environmental Management.
Os resultados indicaram que a probabilidade de florestas secundárias pegarem fogo mais do que o esperado é de aproximadamente 60%, ao passo que a probabilidade de florestas maduras sofrerem menos incêndios do que o esperado é também de 60%. Pastagens, incluindo áreas de terra aberta, mostraram propensão ao fogo mais baixa do que o esperado, apesar de no Brasil existir queima de grandes extensões de áreas como essas. Os pesquisadores observaram também que as florestas secundárias queimaram mais do que o esperado em toda a Mata Atlântica, mostrando maior propensão ao fogo em especial nas chamadas áreas de contato, como as zonas de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado.
A tendência ao decréscimo de propensão ao fogo das florestas secundárias ao longo do tempo reflete, além da maturidade dessas florestas, mudanças nas práticas de manejo da terra. “As florestas vão ficando mais resistentes ao fogo”, afirma o membro da equipe Bruno Adorno, ex-bolsista de doutorado do CNPq, ao explicar que o cenário se modifica à medida que acontece o avanço da sucessão florestal, processo que caracteriza o surgimento e o desenvolvimento de vegetação em uma determinada área, alcançando um equilíbrio dinâmico após sucessivas transformações. Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCAR, com tese a respeito do tema, Adorno é o primeiro autor de artigo publicado em fevereiro.
Ao darem publicidade aos resultados de seu estudo, os pesquisadores envolvidos no projeto alertam para a necessidade de formulação de estratégias personalizadas de manejo do fogo, que considerem as vulnerabilidades das florestas secundárias, em especial em cenário de esforços contínuos de restauração destinados a aumentar a cobertura florestal. “Medidas eficazes, incluindo a implementação de práticas de ‘gestão inteligente do fogo’ e o aumento do valor percebido das florestas secundárias entre as comunidades locais, são cruciais para mitigar os riscos de incêndio”, escrevem eles no artigo sobre a pesquisa.
Para os autores, a integração de estratégias com abordagens robustas de aplicação da lei e baseadas em incentivos pode reforçar a prevenção e o controle de incêndios, garantindo o sucesso dos programas de restauração a longo prazo. “Nossa análise fornece uma estrutura para entender a dinâmica da paisagem de fogo em florestas tropicais e oferece insights acionáveis para formuladores de políticas, conservacionistas e gestores de terras que trabalham para proteger esses biomas da crescente ameaça de incêndios florestais”, afirmam.
Segundo artigo da pesquisa analisa como a pirodiversidade prejudica aves
O professor Augusto Piratelli alerta que os achados da pesquisa também são relevantes para a preservação de aves nativas da Mata Atlântica. Grande parte da vegetação remanescente e das áreas em restauração apresenta ainda maior propensão ao fogo, o que compromete a persistência das aves de diversas formas. “A ocorrência de incêndios prejudica a estruturação da floresta, afetando especialmente as espécies mais especializadas, devido à redução do tamanho e ao aumento do isolamento dos fragmentos remanescentes”, afirma.
O professor explica que a interrupção da sucessão ecológica limita o desenvolvimento da complexidade estrutural e de micro habitats, elementos cruciais para muitas dessas espécies. Por isso, as florestas maduras, menos vulneráveis ao fogo, servem como refúgios críticos para a conservação da avifauna. “Nesse contexto, é fundamental o fortalecimento de políticas públicas voltadas à prevenção do desmatamento e ao combate aos incêndios ilegais — estratégias essenciais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos prestados pelas aves neste bioma”, salienta.
Os resultados do estudo sobre como ocorre a redução da riqueza de espécies em florestas não queimadas frente ao aumento da pirodiversidade, como se chama o mosaico de áreas queimadas e não queimadas, também foi publicado em artigo, na edição de junho de 2025 do periódico Forest Ecology and Management. Nele, parte da equipe que assina o artigo sobre a suscetibilidade das florestas secundárias a incêndios, mais outros pesquisadores, entre eles Ederson Godoy, mestrando em Ciências Ambientais da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) e primeiro autor desse segundo artigo, descrevem os resultados de levantamento de aves realizado em quinze paisagens do sudeste da Mata Atlântica, escolhidas para representar um gradiente de pirodiversidade e refúgios de incêndio.
Os pesquisadores utilizaram modelos mistos lineares para analisar a relação entre pirodiversidade, refúgios de incêndio e riqueza de espécies de aves. Os resultados encontrados revelaram que aves frugívoras e nectarívoras, juntamente com espécies associadas a micro habitats de dossel, exibiram uma forte correlação negativa entre pirodiversidade e riqueza de espécies, em especial em florestas não queimadas. Eles descobriram que a riqueza de espécies em florestas não queimadas diminuía à medida que a pirodiversidade aumentava.
O resultado mostra a vulnerabilidade das espécies em áreas não queimadas dentro de paisagens pirodiversas, em que incêndios frequentes perturbam a estabilidade ecológica. “Parece haver um limiar além do qual a pirodiversidade se torna prejudicial. Em tais paisagens, a pirodiversidade excessiva pode levar à simplificação do habitat, afetando negativamente as espécies que dependem de vegetação intocada para recursos críticos”, escrevem os pesquisadores.