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Estudo financiado pelo CNPq decifra genoma completo de piauçu e abre novas fronteiras para piscicultura brasileira
Piauçu é nativo da bacia do Rio Paraná - Foto: Foto: John Fredy Gomez Agudelo
Pesquisadores do Centro de Aquicultura da Universidade Paulista (Unesp) em Jaboticabal, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sequenciaram pela primeira vez o genoma completo do piauçu (Megaleporinus macrocephalus) em nível cromossômico, considerado padrão ouro em genômica. O estudo foi publicado na revista GigaScience e integra o projeto “Uma abordagem genômica integrativa para investigação dos mecanismos de determinação do sexo em peixes”, financiado pelo CNPq .
O Brasil abriga uma das maiores biodiversidades de peixes de água doce do mundo, com mais de 2.500 espécies conhecidas — o que representa cerca de 10% de toda a ictiofauna global. Entre elas, aproximadamente 50 espécies nativas apresentam grande potencial produtivo ou já são utilizadas na aquicultura nacional. O piauçu é uma destas espécies.
Segundo o Anuário Brasileiro da Piscicultura PEIXE BR 2024, os peixes nativos responderam por cerca de 30% do total produzido em 2023, o equivalente a 263 mil toneladas. Apesar desse avanço, poucas dessas espécies contam com tecnologia de cultivo completamente desenvolvida para todas as fases produtivas, o que limita o planejamento e a consolidação da cadeia produtiva.
Avançar no mapeamento genético das espécies nativas é estratégico para fortalecer a aquicultura brasileira. O sequenciamento completo de seus genomas — especialmente em nível cromossômico — permite estudos mais precisos voltados ao melhoramento genético, à eficiência produtiva e à sustentabilidade do setor.
Nativo da Bacia do Paraguai, o piauçu já é cultivado em pequena escala nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil. No novo estudo, pesquisadores da Unesp decifraram o genoma completo da espécie, incluindo todos os seus cromossomos. Um dos principais avanços foi a identificação e caracterização do cromossomo sexual, aspecto relevante tanto para a compreensão da evolução biológica quanto para o aprimoramento da piscicultura.
“Hoje as principais espécies de peixes que são cultivadas têm muita diferença de tamanho entre macho e fêmea. Isso não é desejável na produção. O ideal é convergir para um único tamanho e sexo, como já é feito na tilápia, cuja cadeia de produção já está bem estabelecida e, para isso, a informação genética dos genes sexuais é a base”, explica o pesquisador Diogo Hashimoto, do Centro de Aquicultura da Unesp e autor da pesquisa.
Mais de 90% das espécies de peixes não apresentam cromossomos sexuais diferenciados, o que dificulta a identificação dos genes responsáveis pela determinação do sexo. O piauçu, no entanto, é uma das poucas espécies que apresentam esse tipo de cromossomo de forma evidente. “Essa característica foi determinante para a escolha da espécie no estudo”, explica o pesquisador Diogo Hashimoto, do Centro de Aquicultura da Unesp e autor da pesquisa.
Desafios do sequenciamento
A montagem da sequência do cromossomo sexual representou um dos principais desafios do projeto, já que os algoritmos convencionais não são adequados para lidar com esse tipo de estrutura genômica. Para superá-lo, a equipe desenvolveu um “cromossomo sexual consenso”, integrando dados genéticos de machos e fêmeas. “O resultado é um genoma premium, completamente organizado em cromossomos, o que facilita análises genômicas mais detalhadas”, destaca Carolina Borges, primeira autora do artigo e ex-bolsista de doutorado da Capes.
O estudo também reforça a importância de ampliar o mapeamento genético de espécies nativas brasileiras. Atualmente, apenas três espécies — tambaqui, traíra e piranha — têm seus genomas disponíveis no GenBank, banco de dados internacional de sequências genéticas. O genoma do tambaqui, por exemplo, embora ainda não esteja em nível cromossômico, já contribui significativamente para pesquisas voltadas à aquicultura.
Impactos para piscicultura
A disponibilidade do genoma completo do piauçu abre novas possibilidades para o desenvolvimento de programas de melhoramento genético. Entre os benefícios potenciais estão o aumento da taxa de crescimento, a resistência a doenças, a otimização reprodutiva e a redução dos impactos ambientais da produção.
“Compreender os mecanismos genéticos que determinam o sexo é essencial para selecionar exemplares mais produtivos, como já ocorre com a tilápia. Isso contribui para uma produção mais eficiente, sustentável e alinhada à bioeconomia nacional”, afirma Hashimoto.
Os dados genômicos do piauçu estão disponíveis para consulta nos repositórios GigaDB e GenBank, servindo de base para futuras pesquisas em genética, evolução e aquicultura.
Texto de Paula Drummond, da Unesp