Os meninos que subiram ao céu
Ana Paula Pariko
Sou do povo Boe Bororo. Dos clãs Ecerae e Bakoro Ecerae.
Moro na aldeia Arareiao, na Terra Indígena Tereza Cristina. Sou professora na sala de Extensão Arareiao, na Aldeia Arareiao.
Este conto aprendi com a minha mãe, Eliete Aruá, Bororo.
Este conto aprendi com a minha mãe, Eliete Arua, Bororo.
Foi contado pela minha avó. Minha mãe passou para mim e eu tenho a obrigação de repassar aos meus filhos e meus netos; e também aos meus alunos, porque esses temas precisam ser trazidos para o ambiente escolar. Para a grade curricular.
Essas narrativas são repassadas de geração em geração para que a nossa ancestralidade permaneça viva através delas. Contribuem para entendermos o significado das coisas, do surgimento dos seres da mata, dos animais, dos rios e tudo à nossa volta.
Elas são importantes para compreendermos nossa concepção de mundo, nossa cosmologia. A história que eu trago hoje se chama: Os meninos que subiram ao céu.
Os homens se reuniram no Baito e na Casa Central, e decidiram que iriam fazer uma roça de milho. Plantaram milho.
A plantação de milho foi crescendo e a partir daí as mulheres da aldeia passaram a cuidar da roça, fazer a manutenção da roça e fazer a limpeza.
Elas iam diariamente para a roça e sempre voltavam dizendo que o milho ainda não estava pronto para colheita. O tempo foi passando e elas continuaram dizendo que o milho não estava pronto.
Os homens perguntavam para elas e novamente elas respondiam que o milho não estava pronto para colheita.
Eles ficaram admirados porque as mulheres não deixavam eles irem na roça para eles verem o milho, até que um dia um menino queria ir com sua mãe.
Ele pediu para ir com sua mãe, mas a mãe não queria que ele fosse. Então a mãe bateu nele. Ela bateu nele e o menino rapidamente jogou uma frutinha vermelha na sua boca para fingir que a boca estava sangrando.
A mãe acreditou e parou de bater nele. Esse menino foi seguindo a sua mãe, seguindo as mulheres.
Ele estava com sua flechinha, com seu arco e sua flechinha. Chegando lá, viu que as mulheres haviam mentido.
Ele viu que o milho estava pronto e que elas iam todos os dias para a roça, preparavam vários alimentos lá e comiam lá mesmo.
Preparavam vários pratos, como kuiada amireu, kuiada mugudodu, mingau.
Ele colocou vários grãos de milho dentro do buraco de sua flecha dentro da taquara. A flecha é feita de taquara. Ele encheu o buraquinho da taquara.
Ele encheu de grãos de milho e voltou da roça inconformado.
Contou para os homens da aldeia que as mulheres haviam mentido. Que o milho estava pronto e começou a retirar os grãos de milho de dentro de sua flecha, mostrando para os seus, para os homens, mostrando para os outros meninos.
Todos eles ficaram espantados, inclusive os meninos. E ficaram muito magoados. Eles decidiram que queriam ir embora. Decidiram ir para o céu.
A avó que cuidava deles, eles cortaram a língua da avó, para que ela não contasse para as mães onde eles tinham ido, para onde eles tinham fugido.
Decidiram ir para o céu com um cipó bem comprido.
Chamaram as aves para levar o cipó o mais alto possível. Chamaram todos os pássaros e a pomba, mas a pomba não conseguiu levar o cipó até o alto. Chamaram o pobureu, que é o urubu, que também não conseguiu levar o cipó até o alto. Chamaram outra ave que também não conseguiu.
Por último, chamaram o beija-flor. Esse conseguiu levar o cipó até o espaço e os meninos começaram a subir.
O menino que descobriu que as mulheres haviam mentido foi por último encarregado de cortar cipó.
Quando as mulheres chegaram, perguntaram para a avó.
Perguntaram para ela para onde os meninos tinham ido porque eles não estavam no pátio da aldeia. Procuraram, procuraram, mas elas não encontraram os meninos e a avó não conseguiu responder, porque ela estava com a língua cortada.
Ela só conseguia apontar o dedo para o céu e os meninos já estavam subindo. Já estavam bem no alto, as mães se desesperam gritando e gritando para que eles descessem, para que eles não subissem.
Eles não desceram e então elas subiram atrás deles, atrás dos meninos. O menino que estava por último esperou todas as mulheres subirem. Daí o menino estava com seu tio, com sua faquinha.
Quando ele esperou todas as mulheres subirem, quando a última mulher subiu, ele cortou o cipó e as mulheres todas caíram no chão. Algumas caíram nas árvores.
As mulheres que caíram nas árvores são os animais que tem rabo, que sobem como macaco, o bugio, o quati.
Os meninos que chegaram no céu são as estrelas. Eles viraram estrelas.