HISTÓRIAS ORIGINÁRIAS:
CONTRANARRATIVAS DA HISTÓRIA EUROCÊNTRICA
Leonardo Tupen
Os autores indígenas têm desempenhado um papel fundamental na construção de uma história que reflita suas próprias perspectivas, experiências e formas de conhecimento.
Movimentos contemporâneos de produção intelectual indígena vêm desafiando a historiografia tradicional, predominantemente eurocêntrica, e reivindicando um espaço de autoria e narrativa sobre seus territórios, comunidades e o próprio país.
Essa produção se caracteriza como uma contranarrativa, pois questiona a versão hegemônica da história, que frequentemente marginalizou ou silenciou as vozes indígenas, reduzindo-as a meros objetos de estudo ou retratando-as a partir da ótica dos colonizadores.
Em vez disso, os historiadores e escritores indígenas mostram que a história não é única nem definitiva, mas um campo em constante disputa, no qual diferentes grupos sociais reivindicam a legitimidade de suas memórias e interpretações.
Ao narrar a história desde dentro, os autores indígenas atualizam conhecimentos tradicionais, modos de organização social e concepções próprias de tempo e território, frequentemente ausentes ou distorcidos na historiografia oficial.
Além disso, evidenciam como a escrita da história sempre se deu em relações de poder – seja na imposição de versões colonialistas, seja na exclusão sistemática das epistemologias indígenas dos espaços acadêmicos e institucionais.
A valorização dessa produção intelectual fortalece não apenas a pluralidade de perspectivas históricas, mas também os processos de resistência e afirmação dos povos indígenas.
Seus escritos não somente recuperam memórias e trajetórias comunitárias, mas também servem como instrumentos de luta política, ao reivindicarem autonomia, reconhecimento e a desconstrução de mitos coloniais que ainda persistem no imaginário nacional.
Ao trazerem sua voz para o centro do debate histórico, os autores indígenas demonstram que a história do Brasil não pode ser contada de forma unilateral. É preciso abrir espaço para múltiplas narrativas, compreendendo que a escrita da história é também um ato de poder e que sua reconfiguração é fundamental para a construção de um país mais diverso, justo e consciente de suas múltiplas raízes.
A Revista Pihhy apoia a problematização da historiografia oficial e hegemônica!
Junte-se a nós e publique a história de seu povo e do Brasil por meio da perspectiva originária.
A História da Terra e do Território Indígena Krahô
Apresento a história da Terra e do Território Indígena Krahô, abordando sua origem, trajetória, conflitos, massacres, conquista territorial, as primeiras influências de culturas não indígenas, o bioma e sua fisionomia, as relações do povo Krahô com a natureza, sua localização, os desafios atuais e as perspectivas para o futuro desse território.
Para aprofundar essa investigação, realizei entrevistas com os mais velhos da comunidade.
O primeiro depoimento foi colhido em 16 de maio de 2016, com o Senhor Secundo Xicun Krahô, um dos anciãos da aldeia Manoel Alves Pequeno e o primeiro cacique dessa comunidade.
Segundo ele, na juventude, não se interessava em participar dos movimentos relacionados à demarcação do território Krahô. No entanto, presenciou o retorno dos que participaram da luta pela expulsão dos não indígenas da área, sob a coordenação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Segundo Secundo, Pastor Dodanin Gonçale Pereira foi um dos aliados na expulsão dos brancos. Naquela época, ele conhecia quatro aldeias: Pedra Branca, onde morava; Cachoeira; Pedra Furada e Galheiro. Os líderes dessas aldeias eram Ambrosinho, Marcão, Pedro Pêênõ e João Noleto.
Em 5 de novembro de 2016, entrevistei o Senhor Alcides Hincuxy Krahô, da aldeia Campos Limpos, localizada a aproximadamente 20 km da aldeia Manoel Alves Pequeno.
Segundo ele, o SPI iniciou a demarcação do território Krahô, instalando marcos de cimento nas áreas secas, e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) finalizou o processo. Naquela época, existiam três aldeias: Pedra Branca, liderada por Pedro Pêênõ Krahô; Galheiro, sob a liderança de Canuti; e Cachoeira, cujo cacique era Ambrosinho.
Ele relatou ainda que o chefe do posto do SPI, Corai, foi o responsável por conduzir a expulsão dos brancos do território Krahô. Além disso, mencionou que, no passado, os conflitos entre os Krahô frequentemente estavam relacionados à disputa por recursos naturais, mulheres e caça.
Comparando os relatos de Secundo e Alcides, nota-se uma divergência sobre quem liderou a expulsão dos brancos da área.
Secundo menciona Pastor Dodanin Gonçale Pereira, enquanto Alcides cita Corai. Até o momento, não foi possível obter os nomes dos indígenas que participaram diretamente desse processo.
Em 10 de novembro de 2016, entrevistei o Senhor Pascoal Hapor Krahô, ancião e ex-cacique da aldeia Pedra Branca. Ele confirmou que a demarcação do território ocorreu na época do SPI e mencionou a existência de três aldeias: Abóbora (atual Cachoeira), liderada por Ambrosinho; Galheiro, sob a liderança de Canuti; e Pedra Branca, chefiada por Pedro Pêênõ Krahô.
Ao ser questionado sobre os indígenas que participaram da expulsão dos brancos da área, Pascoal citou os nomes de Zé Comprido, Raimundo Augustinho, Antônio Cabaça Jarpôt Krahô, Rondon, João Noleto, João Canuti, Milton Krôkrôc Krahô e Pyque.
A partir desse relato, foi possível identificar alguns dos Krahô envolvidos na retomada do território.
No dia 12 de janeiro de 2018, realizei uma nova entrevista, desta vez com o Senhor Getúlio Orlando Abreu Kruwakraj Krahô, da aldeia Manoel Alves Pequeno. Representante do povo Krahô em grandes reuniões nacionais e internacionais, Getúlio compartilhou reflexões sobre a trajetória histórica, os conflitos, massacres, a escolha e separação do território Krahô.
Segundo ele, os antepassados do povo Krahô migraram do sudeste para o nordeste, até chegarem ao norte do país. Caminharam pelas margens dos mares, passando pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Pernambuco, Piauí e Maranhão, até se estabelecerem no atual estado do Tocantins.
Durante essa jornada, foram alvo de ataques dos colonizadores, que utilizavam armas de fogo, causando grande mortalidade entre os Krahô.
Essa violência forçou o grupo a se deslocar para o nordeste, onde enfrentaram novos conflitos com outros povos indígenas. Além dos confrontos, muitos Krahô morreram de doenças, e os mais vulneráveis — idosos, mulheres grávidas e crianças — foram as principais vítimas.
Já estabelecidos no Maranhão, os Krahô construíram uma grande aldeia. Nessa comunidade, uma família criou uma ema que circulava livremente pelo território. Certo dia, a ema foi atingida por uma flecha, gerando um grande conflito interno que resultou na fragmentação do grupo.
Cada grupo se autodenominou e seguiu seu próprio caminho. A partir dessa divisão, os Krahô continuaram circulando pelo Maranhão e, eventualmente, se separaram de outros grupos indígenas, enfrentando disputas e novos massacres promovidos pelos colonizadores.
Foi então que um homem branco apareceu oferecendo ajuda, tanto para protegê-los quanto para "civilizá-los".
Esse homem levou os Krahô em uma embarcação até a região próxima à cidade de Pedro Afonso, onde passaram um período convivendo com os Xerentes. Durante esse tempo, houve casamentos entre os dois povos, mas, insatisfeitos com o local, os Krahô decidiram seguir adiante, rumo à atual cidade de Itacajá.
No local chamado Jaó, os Krahô se dividiram novamente em dois grupos: Mããkrare ("filhote de ema") e Kẽnpohkrare ("filhote de pedra achatada"). Posteriormente, surgiu um terceiro grupo, denominado Kôtji Catêjê.
Antes de encerrar a entrevista, Getúlio Orlando Abreu Kruwakraj Krahô deixou uma mensagem às futuras gerações, ressaltando a importância da memória e da luta pela preservação do território e da cultura Krahô.
Por fim, o antropólogo indigenista Fernando Schiavini, batizado entre os Krahô como Kruwakraj, também contribuiu com informações sobre a demarcação do território Krahô.
Segundo ele, o processo de demarcação ocorreu após o massacre de 1940, quando três fazendeiros — Mundico Soares, Santiago e Raimundo Carvalho — atacaram as aldeias Galheiro, Capoeira Grossa e Krikãm Kàj, resultando na morte de muitas mulheres, crianças e idosos.
Clique no botão para fazer o download do mapa da terra Krahô.