Tapenaik
O texto apresentado a seguir, fruto de ampla pesquisa e atuação docente, foram desenvolvidos no âmbito do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena (CLII), da Universidade Federal do Amapá (Unifap), em conjunto com docentes indígenas que atuam nas escolas indígenas do Amapá e norte do Pará.
O CLL teve início em 2007. Nesta longa e bonita trajetória, trabalha conjuntamente com povos do Oiapoque: Galibi-Marworno, Galibi-Kalinã, Karipuna e Palikur-Arukwayene, povos do Parque do Tumucumaque: Apalai, Waiana, Tyrió e Kaxuyana e o povo Waiãpi, sendo espaço marcante para transformações importantes na região.
Os textos a seguir trazem histórias de vida e trajetórias docentes, pesquisas de trabalho de conclusão de curso, registros de conhecimentos ancestrais.
Falo sobre escolarização, dos professores e da educação indígena.
A escola Indígena Estadual Mariry, na Aldeia Central, do povo Waiãpi. está localizada na Terra Indígena Waiãpi e os alunos são crianças e jovens, todos falantes da língua do tronco Tupí família guarani.
Faço uma reflexão sobre ensino e aprendizagem.
Eu já iniciei ação pedagógica sobre cerâmica. Eu entrevistei a minha mãe, sobre como surgiu a argila, quem criou a cerâmica, se tem em qualquer igarapé.
Porque tem várias regras também. Ela deu tipo aula. Comecei fazer relatório explicando Acompanhei mulheres quando foram tirar cerâmica (argila). Tirei fotos quando elas estavam trabalhar.
Os alunos de 6 a 7 anos que estavam acompanhando esse trabalho. A educação na escola é diferente, por que os alunos não aprendem somente na escola, eles aprendem também fora da escola.
Eu ensino os alunos na escola, eles aprendem ler, escrever, criar o texto. Mas, eles aprendem também com os pais, que ensinam como fazer os artefatos, fazer flecha, tipiti, peneira, cesto, rede, tecelagem, tipóia para carregar criança no colo, oka, roça, aconpanham o pai quando está caçando, muita coisa, para não dependerem de outros depois.
Depois que cresce tem autonomia.
Todos devem aprender a se deslocar para outras aldeias, os limites, para aprenderem o local, o trabalho, para cuidar da terra indígena ou a fiscalização. Aprende-se a cultura, o modo de viver, de organizar a vida em comunidade, de respeitar.
Os pais ensinam a respeitar e aprender com os mais velhos pela palavra profunda.
A mesma coisa com a menina que acompanha a mãe quando ela está trabalhando, fora da escola aprende também histórias contadas pelas famílias. Não somente eles aprendem na escola.
O cacique quer que só professores Wãiãpi assumam a escola, porque os professores não indígenas não acostumam ficar na nossa aldeia, só passam um mês e ja querem voltar para cidade. E também, não vão saber ensinar as crianças com a nossa língua Wãiãpi. Não vão acompanhar os alunos quando forem para limíte da Terra indígena Wãiãpi.
Por isso é melhor ter só os professores Wãiãpi para assumirem a escola indígena Wãiãpi.
Por isso que os caciques estavam procurando o parceiro, para que fizesse curso de formação em magistério, para que só os professores Wãiãpi possam atuar nas escolas.
Tomar lugar não indígena, o cacique disse: somos inteligentes, também queremos autonomia.
Depois, em 1992, o nosso parceiro Centro de Trabalho Indigenista – CTI - conseguiu um recurso para desenvolver um projeto de formação de professores, através da Noruega. Realizaram o curso de formação dos professores em magistério, por isso continuamos estudando aqui na Universidade Federal do Amapá, no curso de licenciatura intercultural indígena, para que possamos assumir a educação básica, regular, nas escolas da TI Waiãpi.
Ereko awerã eja’yry me warã
Eu sou Tapenaiky Waiãpi, sou etnia Waiãpi, tenho 48 anos, sou casado com duas mulheres, tenho 15 filhos e cinco netos. Moro na Aldeia Yvytõtõ, sou professor e trabalho na escola da Aldeia Mariry.
Sou filho de Kujuri Waiãpi e Juramy Waiãpi. Meus pais moravam na aldeia Rio Inipuku, lá que eu nasci também eu cresci nessa Aldeia. Depois que completei quatro anos de idade, os meus pais já passaram conhecimento para mim. Me aconselhavam, contando histórias do antepassado e de caçada para mim, ele me aconselhava também, “tem que respeitar os mais velhos e também quando você crescer, como adulto, não ficar preguiçoso tem que se tornar um rapaz trabalhador e caçador também.
Antes de dormir, na rede, era hora de ouvir histórias, gostava de ouvir e ficava imaginando como era. Depois que completei quatro ano de idade a minha família foi para a Aldeia Mariry, lá é uma antiga aldeia, onde a família da minha mãe mora e é aldeia Central. Mas, Mariry era só mata fechada, não tinha nem roça e nem oka, esse lugar tinha era muito peixe e caça, por isso a família me trouxe a esse lugar para poder conseguir alimentação mais rápido.
Como sou filho único, a minha família queria que eu crescesse mais rápido, e também para não passar fome. O meu pai mostrava para mim onde a família da minha mãe morava. O meu pai pescava muito trairão e preparava moqueado também, com ele aprendi como preparar, assar e buscar alimentos na mata.
Passávamos 15 dias nesse lugar. Depois voltávamos para a aldeia Rio Inipuku. Depois que eu completei 7 anos de idade comecei a acompanhar o meu pai quando ele foi pescar. Sempre fui com ele porque gostava de carregar o peixe que ele pegava.
Ele falava para mim: “Você é menino bom, não tem preguiça, não carrego mais jamachi, só você que está carregando para mim”.
Eu ficava alegre quando meu pai falava assim, ficava animado. Nessa idade, o meu pai fez arco e flecha para eu treinar, comecei caçar passarinho, como usei pela primeira vez, eu errei muito, não conseguia acertar nenhum passarinho. O meu pai ficava muito bravo comigo. Por causa que eu não acertei nada passarinho.
Então ele falou para mim: “Eu vou ferrar você com tucandeira para poder espantar panemeira”. Eu chorava muito quando ouvia a fala do meu pai, sabia que ia doer, não queria ferrada de tucandeira. Até que depois me ferraram, ele falou: “você tem que aguentar a ferragem senão nunca vai acertar passarinho. E também quando você se tornar um rapaz não vai conseguir a caça você vai chegar panema, assim, não vou arrumar uma menina para você casar”.
Depois que eu levei a ferragem de Tucandeira, comecei a acertar passarinho e o meu pai brincava comigo: “Agora sim, eu vou arrumar uma menina para você, quando você crescer. Meu pai foi sozinho pegar tocandeira, por perto, ele fez um cesto fininho e comprido tipo abano, ele colocou tucandeira dentro e segurou meu braço para eu ficar quieto e recebi as picadas no corpo, minha mãe estava olhando e segurando também, chorei muito, aguentei.
Não pode rir muito e nem brincar muito, pode andar, mas deve ficar de resguardo para não ficar doente. A tocandeira dá tipo uma remédio para espantar panema, não tem mais preguiça e fica bom trabalhador, caçador. É um ritual de passagem de menino para ter autonomia.
Na nossa tradição, é uma prática de ensino da cultura Waiãpi. Faço também com meus filhos assim. Com as meninas, também tem resguardo, só depois da mestruação a menina pode levar ferrada, só pode no tempo certo, na idade certa, depois usar alguns breu.
Quando a menina tem a primeira mestruação, é obrigatório fazer resguardo, pois cada ambiente tem dono, são seres invisíveis, tem uma resina de árvore turi e jytay, pajé pode ver. Então a menina tem que ficar de resguardo, se não respeitar, algum ser invisível pode fazer mau a ela.
Depois a minha família voltou de novo para Mariry. Os meus pais fizeram uma roça nova nesse lugar, fundaram uma aldeia nova para morar. Então, eu cresci nessa Aldeia, completei 15 anos de idade, já sabia trabalhar, então a mãe da minha esposa levou e disse para eu cuidar dela, caçar para ela até chegar idade certa de ficar junto, ela foi prometida para mim, de acordo com nossa cultura. Depois o meu pai falou para mim:” você tem que casar, a menina que foi oferecida para você já está grande, virou uma moça”.
Antes de eu casar, a minha família preparou Kasiri (bebida), porque eu e minha esposa iamos levar ferragem de Tucandeira. Ficamos muito embriagado, nem sentimos dores de Tucandeira, pronto, depois disso está liberado para ficar junto, formamos família nova. Na nossa cultura, o homem fica com a família da mulher, residência matrilocal, mas no meu caso, ficamos na aldeia com meus pais, pois o pai da minha esposa havia falecido.
Depois, Mariry formou uma aldeia central e nós abandonamos a aldeia Rio Inipuku, ninguém voltava mais para lá. Quando eu era 16 ano o meu pai não caçava mais, na verdade, comecei caçar a caça grande desde 13 anos. Então ele não caçava mais, porque eu que sustentava eles.
Eu me tornei um rapaz caçador e trabalhador.
Como eu sou filho único, eu faço roça para minha mãe, trago bacaba e açaí para ela, eu cuidava dos meus pais. Não faltava alimentação para eles, eles cuidavam só da roça nova, fazer limpeza na roça e no pátio da casa. Meu pai faleceu, continuo cuidando da minha mãe, que hoje mora com a minha filha de 11 anos.
Cresci sem contato com não indígena, pois moro muito longe da cidade, dentro da floresta, por isso não sabia falar nenhuma palavra em português.
Ainda não tinha escola na aldeia Mariry. Só a FUNAI que nos ajudava, dava pano vermelho e terçado para nós. A escola foi implantada pela FUNAI, quando eu estava com 17 anos de idade, no ano de 1991. Não tinha professores indígenas, somente professores não indígenas atuaram na escola. Comecei pegar lápis pela primeira vez e também primeira vez eu ouvi a fala do não indígena.
Não sabia responder quando o professor fazia pergunta oral. Era difícil responder professor, porque eu falava só na minha língua materna, conversa com meus pais só na língua wãiãpi. 9 Cresci falando somente na minha língua, por isso, quando eu entrei na escola pela primeira vez, eu não falava nada em portugues, a língua portugues é segunda língua para nós. Até que depois aprendi muita coisa na escola.
Continuei estudando, quando foi o ano de 1993 entrei no curso de Magistério, comecei novo caminho. A primeira etapa do curso foi realizados na aldeia Araminá, os alunos eram todos Waiãpi, os professores todos não indígenas. No começo foi difícil a matemática, a porcentagem, na etapas seguintes do curso, fui entendendo pouco a pouco, já sabia ler e escrever em duas línguas, sabia as quatro operações e no curso aprendi divisão, multiplicação, subtração, adição e porcentagem.
Eram bons professores, a Dominique Gallois e Lúcia coordenaram o curso. Nesse tempo eu já tinha filho recém-nascido, eu não me preocupava com a minha família. Depois eu conclui o ensino médio. Eu entrei no contrato administrativo daí comecei a atuar na escola como professor, ensino as crianças, língua matena, as crianças aprendem, leva um mês para aprenderem um pouco.
No ano de 2006, a Secretaria de Estado da Educação – SEED - abriu concurso público, falei para minha esposa “vou enfrentar esse concurso, se eu não passar tudo bem se não passar não vou morrer”. Onze Waiãpi vieram fazer a prova, aqui no município de Oiapoque, na Escola Joaquim Nabuco.
Depois voltei para minha Aldeia esperar resultado de prova que fiz. Só que viajei para limite da terra indígena Waiãpi, nem pensava que eu ia passar, por isso nem esperei o resultado da prova. Passaram informação pelo rádio, “você passou, já saiu o resultado, então você tem que voltar urgente, porque SEED chamou você, assinar documento para o cargo efetivo de professor indígena. Depois, voltei para assinar documento na cidade de Macapá.
Continuei trabalhando na sala de aula alfabetizando os alunos, ensino em língua Waiãpi. Quando foi 2011, fiz a inscrição do concurso de licenciatura intercultura indígena da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. Eu gosto de estudar por isso fiz inscrição. E também quero me qualificar mais para trabalhar melhor na sala de aula.
Fui aprovado e comecei estudar aqui na universidade, comecei a passar uma vida muito difícil, quer dizer muito triste. Por causa que muito longe, o meu pai começou ficar doente como eu sou filho único, então muito difícil para minha família: pai, mãe, esposas e filhos. A minha família sofreu muito quando estava aqui estudando.
Sofreram porque meu pai cuidava dos netos quando eu estava estudando. De repente a doença atacou ele, não conseguiu andar mais, só ficava na rede. Ninguém cuidava dele, então todo mundo estava sofrendo, ninguém oferecia caça para eles, somente chibé, farinha com água e Tacacá. Estava estudando aqui e recebi informação, o meu filho de 7 anos faleceu também, eu tinha que me aguentar, queria concluir a minha formação da universidade. Quando foi no ano seguinte, recebi notícia de novo, foi o segundo falecimento do meu filho de 5 anos, a minha esposa não aguentava mais ficar sozinha, também não conseguia estudar direito, então a minha esposa mandou eu voltar, voltei no meio no estudo.
Quando cheguei a aldeia, havia mais problemas, a situação do meu pai estava muito difícil também. Ninguém ajudava ele quando estava estudando aqui na UNIFAP. No outro ano, aconteceu de novo, passaram informação do falecimento da minha filha de 5 anos de idade, passei uma situação triste de novo, durante o meu estudo.
Voltei para ficar perto da minha esposa. Novamente tive que interromper os meus estudos. Ao mesmo tempo o meu pai não aguentou mais, ele faleceu também, por isso eu passei uma situação muito triste. Por esse motivo que eu não conseguia concluir a minha formação na universidade. Eu gosto de estudar, aprender mais coisas, por isso que eu não desisti o meu estudo, estou batalhando para termina.