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Damsokekwa

Info
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Foto de Ercivaldo Damsokekwa

[...]eu tô feliz por você meu sobrinho Damsõkẽkwa, você está sendo grande guerreiro nesse estudo, representando seu povo, nosso povo. Tô falando para você da alegria, por você, que tá fazendo muito sacrifício deixando sua família, seus filhos, esposa, para conhecer o sistema do ktâwanõ-homem, do não indígena. Não escuta as falas dos que não se alegram com seu sucesso na educação e segue firme. Não liga por conversas que não somam nada para você. Vai em frente, Damsõkẽkwa, estude bastante para conhecer melhor o sistema do homem branco sromã nõrĩ-brancos. Tudo que eles fazem é no papel.

Altino Sronme

DAMSÕKẼKWA

Sou Ercivaldo Damsõkẽkwa Xerente, filho de Geraldino Wakmõpte Xerente e Maria Sipredi Xerente, do Clã Kbazi tdêkwa, associado ao Grupo Dakrsu Krara. Sou nascido à beira do córrego Água Fria, na margem direita, em uma comunidade fundada aproximadamente em 1960, conhecida pelo nome Engenho Velho. Mais tarde os moradores desmembraram para formar a Aldeia Aldeinha – fundada por volta de 1980, por Joaquim Kasuwamrĩ, casado com Lucinda Sdupudi, uma das filhas de minha vó materna, Petronília Krattudi.

Os akwê são organizados em clãs: Kbazi, Krozake, Wahirê, Kuzâ, Krãĩprehi e Krito – sendo os três primeiros os mais numerosos. A base de nosso entendimento de mundo é clânica, de modo que a divisão e as subdivisões dos clãs estão presentes em todos os domínios de nossa vida, inclusive no processo de ensino e aprendizagem, como se verá adiante.

Atualmente, possuímos 91 aldeias, sendo a maior parte de pequeno porte.

Todas estão nas duas TI Xerente (Akwẽ) e Funil (Sakrêpra). Algumas das maiores aldeias são: Aldeia Funil Sakrêpra, Aldeia Porteira Nrõzawi, Aldeia Salto Kripre, Aldeia Brejo Comprido (Kâ Wrakurerê Krãĩnĩsdu) e Aldeia Brupre. As demais aldeias são bem menores. Dentro da TI Xerente, entre outras, estão: Aldeia Porteira Nrõzawi, Aldeia Salto Kripre, Aldeia Brejo Comprido (Kâ wra Kurerê Krãĩnĩsdu), Aldeia Brupre, Aldeia Mirassol Nrõ wdê pisi, Aldeia Paraiso Kakrã Wdêhu, Aldeia Lajeado Kâ Topkuze, Aldeia Cabeceira Verde Mrãĩwahi, Aldeia Riozinho Kakumhu, e Aldeia Rio Sono Ktêkakâ.

Em 10 de maio de 1979, após o meu nascimento, meus pais se separaram. Meu pai desconfiava que eu não fosse seu filho biológico. Assim, minha mãe preferiu me colocar para adoção a cuidar de mim sozinha e solteira – conforme relata minha tia paterna, Helena Sibakadi. Fui adotado por um casal de fazendeiros conhecidos por Francisco, o doutor Chiquinho, e Maria, a dona Tota, que moravam na fronteira da Terra Indígena Xerente.

Naquele tempo, meu avô paterno, Bernardo Dabâzârkwa, morava em uma das antigas aldeias akwẽ, à beira do Rio Sono – que deu origem ao nome da Aldeia Rio Sono (Ktêkakâ) –, a aproximadamente 35 km do local de meu nascimento.

Quando ele soube da situação da separação dos meus pais e minha adoção por um casal de não-indígenas, não mediu esforços para ir ao local me buscar. Nesse período, a comunicação entre as aldeias era difícil e levava alguns dias para que tais recados chegassem aos seus destinos finais.


Figura 1 - Ercivaldo Damsõkẽkwa
Fonte: Arquivo pessoal de Joana Aparecida Fernandes Silva (2012).

Foto do Ercivaldo Damsõkẽkwa

Meu avô foi até a fazenda de Francisco e Maria com alguns homens de sua família. Ao chegarem à casa do casal, na qual eu já estava há 12 dias, houve grande comoção e muito choro. Os filhos do casal já estavam se acostumando comigo e eu já havia recebido um nome não indígena: Ercivaldo.

O casal me batizou na capelinha da Fazenda Santa Clara, do senhor Custódio e da dona Dulce. Esse era o local no qual as pessoas da região se encontravam para eventuais festejos católicos naquele tempo.
Apesar do batismo, não fui adotado. Quando adulto, compreendi que, entre os akwẽ, os filhos homens da família são razão de orgulho. Isso se justifica, historicamente, pelo fato de que as famílias com mais homens em suas composições eram mais respeitadas em situações de conflitos internos ou com outros povos.

Resolvida a questão, meu pai manteve o nome de Ercivaldo, em homenagem à família de Francisco e Maria – cujos filhos tinham nomes iniciados com a letra “e”: Elias, Elci, Edson e Eva, entre outros.

Segundo o relato, minha chegada à Aldeia Rio Sono (Ktêkakâ) se deu ao fim desse mesmo dia. Foi um momento de grande euforia, com cantorias, beijus assados, batata e carne moqueados, em comemoração à chegada de um menino à família.
Quase oito meses após esse episódio, tempo em que estive aos cuidados de tia Helena, meus pais reataram sua relação. Ao retomarem o casamento, eles solicitaram minha guarda, que só foi conquistada novamente após muita peleja entre eles e o meu avô.

Minha tia conta que quando meu avô bateu os olhos em mim disse: “esse meu neto terá o nome de Damsõkẽkwa”, cuja tradução em português é “aquele que abre caminho, que faz trilhas, que faz picada no meio da mata”. Como se poderá perceber, minha trajetória tem como base o sentido de meu nome, que realizo por meio da educação intercultural, repleta de conflitos e tensões.

Meu avô foi um dos grandes pajés do nosso povo. Era chamado de Dahêwakurkwa.

Era bastante respeitado entre os akwẽ. Ele fazia parte dos “Pajés do Sol”, que atualmente são raros.

Para isso, segundo minha tia, grupos de jovens wapte eram escolhidos como recrutas e ficavam aproximadamente seis meses isolados dos demais integrantes do grupo em um pátio chamado warã.

Ela mesma não chegou a presenciar esse ritual, mas ouviu os relatos por seus avós – que também lhe disseram que poucos conseguiam chegar até o fim da jornada.

Os ensinamentos recebidos por esses jovens se davam, normalmente, no verão, que era o período de seca na região. Durante meses, os recrutas ficavam sempre de costas para o Sol no período diurno, e muitos não conseguiam suportar a temperatura. Todas as noites, eles eram recolhidos para pernoitarem no warã, sempre na companhia dos pajés experientes, que lhes passavam conhecimentos.

Os recrutas ficavam com as costas “sapecadas”, devido à exposição ao Sol, diariamente, ao longo dos meses.
O óleo do coco babaçu e o de urucum eram utilizados como protetor solar, mas apenas para amenizar as dores e as feridas. No fim do processo, restavam as cicatrizes. Foi em um desses recrutamentos de guerreiros que Dabâzârkwa se tornou um dos grandes pajés akwẽ da sua geração.

Quanto ao meu pai, ele foi um dos primeiros alunos akwẽ. Isso foi possível com a chegada da missão protestante Batista, do pastor Guethes Carlos, que foi seu professor e o pioneiro em formar turmas de professores bilíngues xerente na década de 1980. Meu pai foi professor por aproximadamente 20 anos. Indígena bilíngue, trabalhou na implantação da escrita akwẽ e também ajudou na elaboração de algumas cartilhas xerente – infelizmente, a maioria dos materiais produzidos não foi publicada.


Em março de 1992, meu avô, Dabâzârkwa, teve um acidente vascular cerebral e não resistiu. Foi uma perda irreparável a poucos meses de eu completar 13 anos. No fim do mesmo ano, meu pai aceitou um convite para lecionar como professor bilíngue na Aldeia Bom Jardim, aproximadamente a 40 km da Aldeia Rio Sono. Seus familiares foram contra a mudança, mas ele estava decidido. Ficamos tristes, mas não teve volta e nos mudamos.

Meus pais queriam muito que eu fosse alfabetizado pelos professores da Fundação Nacional do Índio (Funai). Passei por alguns professores nesse tempo: Lúcia, que era esposa do chefe de posto indígena na Aldeia Rio Sono e demais aldeias vizinhas; Noemi Wakrtadi; e Ribamar Marinho Xerente. Deles, acredito que apenas Noemi era professora bilíngue do Estado do Tocantins, e não da Fundação.

Naquela época, não gostava de ir à escola.


Meu desejo era ser pescador, caçador e um grande guerreiro akwẽ.

Queria estar à beira do rio ou em uma canoa pescando com outros meninos da minha idade. Pescar me alegrava bastante, e quando eu chegava em casa com um grande volume de peixes pescado me orgulhava mais ainda. Era isso que me deixava feliz na infância, não as aulas.

Com a mudança para outra aldeia, fiquei bastante desmotivado para tudo. Meu pai, enquanto professor, tentou me alfabetizar, mas não conseguiu, pois os estudos não eram minha prioridade. Eu apenas queria trabalhar em companhia dos adultos nas fazendas vizinhas. Tinha muita vontade de fugir dos meus pais. Por isso, fiquei 60 dias trabalhando em fazendas, ainda revoltado com a mudança. Eu era uma criança que não sabia falar nada em português e nem possuía documentos.

Aos 14 anos, meus pais me arranjaram um casamento. A minha futura esposa morava em uma aldeia chamada Brejo Comprido, a 11 km de Bom Jardim. Fui passar uns dias com sua mãe e irmãos. Chegamos a conversar algumas vezes, sem saber do acordo entre nossas famílias. À época eu estava com 14 anos e ela com 15. A cerimônia foi marcada para 10 de outubro de 1993. Tentei convencer meus pais de que não queria me casar com aquela idade. Chorei muito sem poder fazer nada para evitar o casamento. Meus pais apenas diziam que nós não poderíamos desonrar nossa família perante o acordo já feito com um dos irmãos mais velhos e com a mãe de Juliana, minha esposa. Para o Povo Akwẽ, o casamento nessa idade era natural e comum.

Em 3 de julho de 1994, tivemos nosso primeiro filho: Daniel Tpêkru. Com 15 anos de idade, eu me sentia com muita responsabilidade para cuidar da família. Comecei a trabalhar na roça fazendo trabalho pesado, e, muitas vezes, não tinha força para algumas tarefas. Algumas pessoas até faziam brincadeiras de mau gosto, por eu não ter força como a de um adulto para levantar peso. Nessa época, muitos serviços eram comunitários ou trocados, e, mesmo com tantas dificuldades e obstáculos, eu não me intimidava com nada. Sempre tive desejo de mostrar minha capacidade e força de vontade para vencer os desafios e cuidar da família.

Em 1994, fomos morar na aldeia do meu sogro: Brejo Comprido, que se tornou minha residência fixa. Pela tradição akwẽ, quando um homem casa é obrigado a acompanhar o sogro, ou seja, ir morar junto a este. Trata-se de uma residência uxorilocal. Em 11 de abril de 1996, nasceu Édino Tpêmẽkwa, meu segundo filho. Sentia que minha responsabilidade aumentava a cada dia. Rivaldo Srãpte, meu terceiro filho, nasceu em 25 de março de 1998. Nesse mesmo ano, interessei-me pela alfabetização, a convite da missionária Esther Carvalho, que chegou com a missão de alfabetizar jovens e adultos de Brejo Comprido e aldeias vizinhas.

Fui como ouvinte participar das aulas, o que me motivou bastante. Não sabia ler e escrever em português, que era uma língua estrangeira. Esforçava-me muito para tentar acompanhar as falas da professora, que também demonstrava bastante interesse em que eu fosse alfabetizado. Passei esse ano sendo alfabetizado. Estava com 19 anos de idade. Minha trajetória na educação, que me levou até aqui, apenas começava. Meu rápido aprendizado deixou minha professora bastante otimista. No fim do ano, eu já conseguia escrever um bilhete escolar, algo modesto para demonstrar agradecimento à missionária pelas palavras de carinho e de motivação, o que me deixou orgulhoso.

Ainda em 1998, um fator foi fundamental para que eu deslanchasse em minha trajetória escolar. Esther Carvalho solicitou à Delegacia de Ensino Escolar de Miracema do Tocantins que eu realizasse um provão, com conteúdo da 1ª à 5ª série, amparado na lei 9394/96, artigo 24, inciso II, “C”, que determina ao aluno ingressar na segunda fase, ou seja, na 6ª série do Ensino Fundamental, caso aprovado na prova. Além de mim, Manoel Sawrekmõzê e sua esposa Eunice Brupahi também fizeram a prova. Os resultados saíram e alcançamos êxito. Esse acontecimento foi um grande passo para minha vida escolar. Eu percorria 22 km diários, entre ida e volta, pois não tinha um lugar fixo de morada.

Os anos de 1999 e 2000 foram de grande interesse pela educação escolar, principalmente em função da oferta de empregos que as duas associações locais ofereciam aos integrantes nativos da comunidade, que passaram a prestar serviços na cidade de Tocantínia – o que fez com que investissem em educação, matriculando seus filhos na referida cidade.

Em 7 de setembro de 2000, nasceu a minha filha Ercilene Krẽdi Xerente. Nesse período, havia grande movimentação dos akwẽ, motivada pela Associação Indígena Xerente (AIX), que disponibilizava empregos na área da saúde indígena. Em convênio com a Funasa, eram então disponibilizados cargos tanto na cidade de Tocantínia quanto nas Terras Indígenas Xerente e Funil. As vagas eram para barqueiro, motorista, vigilante, serviços gerais, agente indígena de saúde e agente indígena de saneamento básico.

Nesse período, outra associação akwẽ, a Procambix, também realizava trabalhos em parceria com a Funai, na execução de recursos de compensação pelo impacto ambiental da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães. Os cargos eram praticamente os mesmos, mas algumas das funções não eram preenchidas por falta de pessoal habilitado.

Durante esse período, consegui meu primeiro emprego, como Agente Indígena de Saúde (AIS) pela instituição Fasam (Fundação de Assistência ao Sudeste Amazônico). Fui responsável por duas aldeias do Povo Xerente: Bom Jardim e Morrinho. Sentia-me na obrigação de me qualificar profissionalmente e sabia que o caminho para alcançar esse objetivo era a educação. Trabalhei na área até 2001, quando passei a ser motorista na Associação Indígena Xerente, em convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).Tenho hoje convicção da importância da ocupação de posições institucionais por indígenas, o que se dá muito pela formação. Entre 2001 e 2005, concluí meus estudos na segunda fase da Educação de Jovens e Adultos, na Fundação Fé e Alegria Frei Antônio. Nesse período, em 1 de novembro de 2003, nasceu Regivaldo Sirnãwẽ Xerente, meu quinto filho.

Em 2005, retornei a Aldeia Brejo Comprido. Também ingressei no curso de Magistério Indígena do Tocantins, na cidade de Pedro Afonso. Abandonei o trabalho de motorista por uma proposta de assumir como professor indígena xerente na Escola Estadual Indígena Suzawre. Lecionei para as séries iniciais, em turmas multisseriadas. Foi uma experiência inovadora. No sistema multisseriado, e me sentido inexperiente na função, não sabia ainda planejar aulas, por exemplo. Mas, dia após dia, fortaleci-me para superar os desafios enquanto professor indígena akwẽ. O meu primeiro ano de trabalho como professor indígena foi complicado. Fui designado para as séries iniciais, 1ª e 2ª séries na época. Não tive qualquer orientação dos responsáveis da educação escolar indígena akwẽ. Enfrentei alguns problemas, inclusive institucionais, mas os superei e consegui seguir com o trabalho. Percebia claramente a importância da formação de quadros akwê para o trabalho na educação. Pessoas que compreendessem os códigos clânicos e os da cidade.

Em 2 de dezembro de 2006, nasceu a minha filha caçula, Érica Tpêdi Xerente. Nessa época, já sonhava em ser um futuro pesquisador e professor indígena akwẽ, ou seja, a vontade só aumentava em cursar uma faculdade. Até 2007, apenas dois xerentes possuíam formação em nível superior: Edite Smĩkidi Xerente e João Kwanhâ Xerente, que foram minhas referências para seguir em frente nos estudos acadêmicos.

No final de 2007, aconteceram-me duas coisas extraordinárias. A primeira foi ter finalizado o curso de Magistério Indígena do Tocantins – para concluir o curso, tive que optar por abandonar o Ensino Médio regular. A segunda coisa foi ser aprovado na seleção para cursar Licenciatura em Educação Indígena na Universidade Federal de Goiás (UFG). Finalmente, eu chegava à Universidade. O meu ingresso na Universidade foi a minha maior conquista enquanto akwẽ. Essa conquista me levou a ampliar meus conhecimentos e a seguir abrindo trilhas. No início, tive algumas dificuldades. Fui chamado a atenção por alguns professores, pela coordenação do curso e até por alguns colegas de turma, pois era muito questionador. Não me conformava com os textos abordados, que, às vezes, romantizavam os povos nativos. Acabei por me silenciar e cessar os questionamentos.

Lembro-me, como se fosse hoje, quando alguns colegas, e também docentes, cobravam-me sobre meu silêncio nas aulas. Em alguns momentos, eu os questionei: “Se eu questiono ou se fico calado incomodo vocês igualmente. Afinal, qual comportamento vocês querem de mim?”. A sala inteira ficava em silêncio.

Em 2008, ingressei como professor concursado na Educação Escolar Indígena do Estado do Tocantins, tomando posse no dia 19 de dezembro. Essa foi uma conquista inédita e fruto de lutas árduas dos líderes indígenas do Tocantins em parceria com o Ministério Público Federal do Trabalho e com o Ministério Público Federal. Graças ao trabalho dos procuradores Dr. Antônio e Dr. Mário Lúcio, as ações judiciais foram fundamentais para os povos nativos do Estado. A Secretaria Estadual da Educação do Tocantins ofertou 45 vagas aos akwẽ, que não foram preenchidas porque alguns professores estavam com sua documentação incompleta. Trinta e seis (36) professores participaram do processo seletivo, sendo que trinta e três (33) foram efetivados, representando grande avanço na educação escolar Xerente.

Meu interesse pela política, por meio de minha atuação como educador, aumentou. Em 2008, disputei uma vaga no parlamento de Tocantínia, pelo PMDB. Obtive 90 votos e não fui eleito. Foi um período complicado, no qual sofri perseguições. Apesar de não ter sido eleito, após o pleito, recebi muitos convites para compor mandatos, aos quais declinei. Percebi que preferia fazer política partidária nos bastidores. Algo que é possível dizer sobre eleições entre o Povo Akwẽ é que sempre geram algum tipo de rusga entre os candidatos e a comunidade, que também sofre com a influência externa em seus territórios, deixando, muitas vezes, os nativos em situações de vulnerabilidade perante, principalmente, candidatos não-indígenas – os quais chegavam às aldeias por meio de articulações com pessoas que colocavam os seus interesses próprios acima dos coletivos.

Continuei os estudos e, em 2010, fui indicado para assumir a direção do Centro de Ensino Médio Indígena Xerente – Cemix Warã. Aliar estudos e gestão foi complicado. Quase não consegui terminar o ano como diretor. Houve alguns entraves políticos, por não compactuar com algumas manobras da gestão municipal.

Solicitei à Diretora Regional de Ensino na época que eu fosse designado para a Escola Estadual Indígena Suzawre – da Aldeia Brejo Comprido. Ainda estava em período probatório, mas retornei como professor indígena para a minha comunidade. Não foi um período fácil. Foram muitos os conflitos que mobilizaram aquelas pessoas que eram a meu favor e aquelas que eram contrárias. No meio disso tudo, em 2011, meu pai faleceu. Recebi a notícia durante uma aula do professor Elias. Apenas me despedi dele e dos colegas e retornei para a Aldeia no Tocantins. Ainda nesse ano, mais três pessoas de minha família também faleceram: minha irmã e duas primas. Foi um momento tenso, que, somado a tudo que passava no campo profissional, quase me fez desistir do curso – o que não fiz devido ao apoio de familiares e amigos.

Com bastante esforço, conclui minha graduação em 2012. A defesa de meu trabalho de conclusão aconteceu na Escola Estadual Indígena Suzawre, na Aldeia Brejo Comprido, com a participação de toda a comunidade e também de aldeias vizinhas. Foi um momento histórico e bastante emocionante, no qual um filme de minha trajetória passava em minha cabeça. Nesta ocasião, investiguei o manejo do fogo entre os akwẽ (Kuzâ, Akwẽ kunmã nã krsipi mnõzê). Entendi a importância dos diálogos com os anciãos.

Os trabalhos de pesquisa apontaram uma necessidade de reavivar as antigas leituras milenares dos próprios akwẽ sobre o manejo, ou seja, como eram as técnicas de uso do fogo pelos xerente, para assim potencializar as novas percepções culturais no que se refere ao manejo do fogo, com intuito de revitalizar habilidades envolvidas nas queimadas culturalmente realizadas pelos akwẽ.

O manejo do fogo (kuzâ) tem um significado valioso, tanto para aquecer, como para a comunicação de longa distância. Existiam diversas maneiras de uso do fogo pelos Xerente, tais como: fazer moqueada (saza) de carne de animais silvestres e realizar limpeza ao redor da aldeia para afastar animais nocivos para os akwẽ. Percebi que, atualmente, são poucas as pessoas do povo que ainda praticam certos conhecimentos da tradição cultural repassada de geração em geração, o que me motiva a seguir abrindo caminho na educação.

Em 2014, busquei entrar no mestrado em Antropologia Social. Apesar de ter meu projeto como o mais bem avaliado, e de ter me dedicado e lido todos os textos clássicos para a prova escrita, não fui aprovado na prova de inglês, minha escolha de segundo idioma para o processo seletivo, e nem na prova teórica dissertativa, gênero que mal conhecia. Segundo o professor Alexandre Ferraz Herbetta, orientador da presente tese, a partir desta reprovação, o PPGAS-UFG passou a problematizar seu processo seletivo e a se mobilizar para a instalação de ações afirmativas na Universidade. No ano seguinte, a instituição aprovou uma resolução que possibilita vagas para indígenas e negros em todos os programas de pós-graduação.

Nesse mesmo ano, persisti na ideia de fazer mestrado e ingressei no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH) da mesma Universidade, com um projeto de pesquisa sobre o sistema de educação escolar indígena em meu povo. Talvez pelo significado em português de meu nome, Damsõkẽkwa, que significa aquele abre caminho, tornei-me o primeiro indígena do Programa. E, ao fim, em 2016, fui também o primeiro akwẽ a obter o título de mestre. Não foi um processo fácil. A adaptação a uma nova cidade foi difícil, assim como acompanhar as aulas e também ter ficado alguns meses sem bolsa-auxílio. A saudade da família também era uma questão difícil de lidar.

Figura 2 – Eu e os membros da banca examinadora de minha defesa de dissertação
(Curso de Mestrado Interdisciplinar em Direitos Humanos)
Fonte: Arquivo pessoal de Camila Mainardi (2016).

Foto comigo e os membros da banca examinadora de minha defesa de dissertação (curso de Mestrado Interdisciplinar em Direitos Humanos) Fonte: arquivo pessoal de Camila Mainardi em 2016

No final de 2017, graças aos estudos intensos, mesmo com mínimos recursos materiais, foi possível participar do processo seletivo de doutorado em Antropologia Social, na UFG. O resultado foi, finalmente, positivo, e foi recebido com alegria incondicional, partilhada com a família. Mas senti que a responsabilidade aumentou. Agora, eu era o primeiro akwẽ a ingressar em doutoramento, de muitos dos meus patrícios que virão depois de mim. Em março de 2018, fui para Goiânia, para iniciar os estudos no doutorado. Entretanto, enfrentei problemas no meu trabalho com a educação escolar indígena akwẽ, pois a Secretaria de Educação de Tocantins (SEDUC-TO) alegou que eu não havia completado ainda o período de carência de reposição da licença para cursar o mestrado. As consequências foram seríssimas: não fui informado de imediato pela pasta responsável, e, quando fui, fiquei desesperado ao ser notificado de que estaria abandonando o meu trabalho enquanto professor indígena.

As minhas lutas em busca do estudo acadêmico foram sempre árduas.

Por não conhecer a lei que ampara e respalda os servidores quando solicitam suas licenças para aprimoramento profissional na área de trabalho, fiquei por dois meses fora da folha de pagamento do Estado do Tocantins. Graças a duas férias a que tinha direito, não perdi meu concurso público enquanto professor indígena akwẽ.

O ano de 2018 também foi o da perda de um dos meus grandes informantes, desde a minha graduação. Em 16 de dezembro, faleceu o ancião Getúlio Darêrkêkwa Xerente, do clã Ĩsake/Krozake tdêkwa. Foi uma grande e irreparável perda para os akwẽ, que me deixou abalado por meses.

Tudo estava acontecendo ao mesmo tempo: as perseguições políticas partidárias, por não compactuar com as manobras dos meus patrícios em nome de interesses próprios; as questões do trabalho; entre tantas outras que me faziam sempre buscar forças para superar as dificuldades e obstáculos – com que me defrontei, desde o início, nessa trajetória social e acadêmica.

A perda do ancião não foi impactante apenas para mim enquanto pesquisador, mas para a comunidade como um todo e para os demais pesquisadores akwẽ. Diante do ocorrido, tive que procurar outras pessoas do nosso povo para continuar a minha pesquisa de campo, dentro do contexto abordado. Os obstáculos me fizeram compreender que fazer pesquisa não é nada fácil. São várias as situações difíceis que nos impõe a vida. São muitos os contextos diferentes que podemos trilhar, e, para um nativo, esses caminhos são ainda mais complexos, tanto na relação interna com a comunidade, quanto com seu entorno.

A lembrança dos diálogos com Getúlio me traz recordações bastante vivas: 

não tenha medo para enfrentar os desafios árduos, principalmente da luta em prol do nosso Povo Akwẽ [...]. Vocês são os jovens do amanhã, do futuro... usem a sabedoria da escola como instrumento para sobreviverem no meio do homem branco [...]. Eles são muito espertos e gananciosos em tudo, eles não gostam do nosso povo [...]. O problema é a nossa terra: querem tomar tudo de nós. 

Essas palavras me deram ânimo, renovaram as energias e fortaleceram o psicológico, possibilitando-me seguir em frente e finalizar o doutorado.

Nessa caminhada, ouvi diversas perguntas do tipo: “Damsõkẽkwa, você tá querendo inricar [se enriquecer] com esses estudos? Ouvi dizer que você quer inricar”; e minha resposta foi sempre: “Não quero riquezas.

Os estudos acadêmicos são apenas instrumentos, não tenho o mínimo interesse em acumular riquezas”; ou: “o sonho que tenho dentro de mim é deixar um legado documentado e registrado, a partir da minha pesquisa”. Não tenho quaisquer interesses em disputar com os meus patrícios, como alguns julgam.

Minha disputa é comigo mesmo, para ir até onde puder alcançar. Os estudos acadêmicos e os conhecimentos adquiridos não me farão deixar de ser um akwẽ.

Minha experiência na missão de cacique, pelo período de um ano, foi um aprendizado inovador. A escolha da minha pessoa como responsável por uma comunidade de 33 famílias e 145 pessoas, entre crianças e adultos, se deu em 11 de dezembro de 2020. De livre e espontânea vontade, finalizei minha missão, uma grande responsabilidade perante a comunidade local da Aldeia Brejo Comprido, um ano depois, em 11 de dezembro de 2021. As famílias não queriam que eu deixasse a missão e que permanecesse por ainda um ano ou mais. Porém, minha meta era ter e vivenciar esta experiência direta de um aprendizado intransferível e não permanecer o quanto desse como cacique – sou grato pela vida que o grande espírito criador Waptokwa Zawre me proporcionou.

A escolha do meu sucessor como cacique local teve início logo nos primeiros meses do ano seguinte.

O processo foi um pouco conturbado, e algumas atitudes e ações não foram bem aceitas por algumas famílias, o que levou a um conflito interno entre os Clãs Ĩsake/Krozake e Wahirê Tdêkwa. Inicialmente, o jovem cacique teve dificuldades perante as 37 famílias, e suas aproximadamente 160 pessoas, mas, com bastante diálogo com os mais velhos da comunidade, foram realizados alguns acordos para que ele permanecesse até o fim do ano de 2022 – essas negociações preveem que não serão toleradas tomadas de decisões sobre a comunidade sem consultas prévias.

A tradição dos akwẽ da geração antiga diz que os cargos devem passar de pai para filho e, assim, sucessivamente, e que, antes, os mesmos se designavam como capitães e não caciques. Ainda hoje, mas muito raramente, alguns ainda pregam que se mantenha a sucessão da missão de cacique entre os familiares mais próximos ou entre as linhagens clânicas.

Em determinadas aldeias, passaram a escolher pessoas letradas, que possuem Ensino Médio, Superior ou pós-graduação, em busca de mudanças, inclusive da noção de chefia, apontando para o fato de que o letramento e a formação institucional impacta na posição de chefia. No âmbito educacional, entre os nativos de determinadas aldeias, atualmente, acontecem conflitos internos na disputa pelo status de cacique, o que raramente era presenciado entre os akwẽ.

Os conflitos internos resultam, normalmente, de interferências externas. Alguns líderes nativos servem como massa de manobra a políticos astutos, em nome de benefícios próprios, o que leva alguns, em nome de migalhas, a estarem contra os movimentos daqueles que não compactuam com as manobras por interesses particulares dos que sempre buscaram o apoio dos xerente em vésperas de processos eleitorais – o que faz com que, atualmente, os akwẽ paguem um preço alto para retomarem suas lutas de maneira livre e sem interferências dos “brancos”.

Os relatos dos anciãos indicam que, após a invasão portuguesa, perante os ataques e massacres violentos dos colonizadores, os nativos de determinados povos instituíram a figura dos guardiões ou protetores das florestas, campos e cerrados – uma estratégia que ajudaria em fugas e contra-ataques. Ainda mais com a escravização dos povos negros, e o surgimento da figura do “capitão do mato”.

Com o passar do tempo, buscando sobreviver, indígenas e negros lutaram com estratégias semelhantes contra os ataques ferozes dos colonizadores. O capitão dos nativos akwẽ era designado kapto, e, futuramente, recebeu o nome de cacique ou de Dakmãdkâkwa. Os escolhidos para serem líderes eram, normalmente, pessoas reconhecidas por sua postura ética, que conviviam de forma harmoniosa e que eram pacíficos, características essenciais para estarem na missão de cacique de determinada comunidade local.

O Povo Akwẽ, propriamente dito, sempre buscou manter a tradição cultural milenar de escolher dois líderes entre dois clãs parceiros. Seguindo a descrição: Kuzâ e Wahirê; Kbazi e Krozake/Ĩsake; e Krito e Krãĩprehi são os clãs parceiros que podem compor essa missão de caciques, culturalmente bem-vista pelos anciãos e demais líderes do Povo.

Atualmente, em determinadas comunidades, a tradição cultural akwẽ é atropelada por interesses particulares, que por ciúmes ou status escolhem seus líderes dentro do mesmo clã – o que não é bem-visto pelos anciãos. Em alguns casos, as rivalidades são os principais motivos de não seguirem os princípios da tradição, levando os escolhidos a serem apenas do clã mais forte em determinada comunidade.

Nesta caminhada de pesquisador akwẽ, tenho compreendido alguns contextos que antes não percebia. A educação escolar prepara melhor um indivíduo. Meus patrícios não conseguem compreender a dimensão do que é os povos nativos serem vistos como marginais e incapazes, como seres humanos inferiores perante a sociedade não-indígena em geral.

Em alguns momentos, cheguei a ouvir que estaria servindo de instrumento à UFG. Muitos não aceitam a minha capacidade intelectual e tais ataques foram expressões de não-indígenas, principalmente de políticos de Tocantínia, que não enxergam o avanço nos estudos escolares dos akwẽ como conquistas, e que olham os intelectuais xerente como intrusos na sociedade não-indígena, efetivando processos de violência epistêmica – muitas vezes por não compactuarmos com as manobras político-partidárias em nome de interesses próprios, como no caso da centralização do controle da educação por um gestor municipal que está no cargo há 13 anos, orquestrando brigas, com o apoio de uma minoria de líderes xerente, que tomam, por completo, o controle de suas comunidades, e geram conflitos internos que atendem aos interesses de um não-indígena.

A formação e valorização de intelectuais indígenas é fundamental para nossa luta. Em 16 de agosto de 2018, iniciei a primeira etapa da minha pesquisa de campo. Tive que ficar um semestre sem concluir créditos presencialmente na Universidade e voltei de imediato para Tocantins, a fim de não perder a minha função de servidor público estadual efetivo. Foram meses difíceis para mim, mas graças ao apoio institucional do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFG, não tive problemas para continuar o curso.

Dedicava-me ao trabalho do campo nos finais de semana, pois, durante a semana, teria de estar no trabalho docente das 8:00 às 12:00 e das 14:00 às 18:00 horas. Nas primeiras semanas, considerei-me sem valor no setor onde estava como técnico em educação escolar indígena akwẽ.

Algumas pessoas me olhavam como um ser exótico no espaço de trabalho, mas não perdi o meu humor, persistência e determinação, e, acima de tudo, o desejo de manter minha humildade perante os meus colegas. Não posso generalizar, mas alguns ficaram alegres com a minha presença no setor pedagógico, e o meu foco era criar laços fortes para não deixar inimizades no ambiente em que estava como um agente público da educação escolar indígena akwẽ.

Sempre fui uma pessoa observadora e, com o passar dos dias, eu percebi que a minha presença incomodava alguns colegas naquele espaço, simplesmente pelo fato de eu ser um akwẽ. Em alguns momentos, quando recebia alguns dos meus patrícios, que iam em busca de informações ou materiais, e conversávamos em akwẽ, alguns não conseguiam se segurar e faziam perguntas de deboche. Uma das colegas daquele setor chegou a pedir que eu falasse em português para que eles também pudessem sorrir e compreender, mas minhas respostas foram para que os não-indígenas aprendessem a língua akwẽ, assim como eu aprendi o português como segunda língua. Jamais permiti que alguém me humilhasse por causa da minha língua ou dos hábitos akwẽ.

Nessa oportunidade, obtive uma visão mais ampla de como os akwẽ são tratados no âmbito da instituição escolar indígena, e também como eles próprios passaram a interagir com o ambiente.

A minha presença no setor pedagógico fazia com que meus patrícios akwẽ ficassem alegres quando me encontravam ali, pois, como falante da língua materna, a nossa comunicação era facilitada. Entretanto, nem todos ficavam realmente felizes. Alguns, aliados do gestor municipal de Tocantínia, tentavam prejudicar-me e me difamar, mas fiquei firme e determinado a encerrar meu trabalho naquele setor com profissionalismo, o que de fato aconteceu.

Este trabalho me trouxe respostas para algumas de minhas suposições. Fiquei surpreso quando me deparei com as demandas que a maioria dos profissionais da educação escolar indígena akwẽ levavam para os profissionais daquela área: elaborar ofícios; preenchimento de fichas individuais; ou lançar notas, tanto no sistema de gestão escolar (SGE), como no diário de classe, por exemplo. A falta de compreensão de pequenos detalhes por parte maioria dos profissionais de educação indígena xerente tornava urgente que a Secretaria de Educação fizesse capacitações voltadas aos profissionais indígenas akwẽ.

Esse trabalho também me deu a possibilidade de demonstrar que muitos professores akwẽ estão preparados para atuar no âmbito da educação escolar indígena xerente. Também é preciso que haja políticas públicas para que mais profissionais xerente ocupem outras áreas na Secretaria que abrangem questões indígenas, pois temos vários professores preparados para isto – o que também facilitaria a comunicação entre os patrícios em determinados setores nos âmbitos institucionais. Enquanto não assumirmos o protagonismo na elaboração e efetivação de políticas públicas educacionais, tais ações seguirão limitadas.

Entre 2019 – quando finalizei os créditos presenciais no doutorado – e 2020, enfrentei alguns problemas de saúde que me limitaram bastante, inclusive em relação à tese. Em julho de 2020, iniciei as primeiras tentativas de escrever, e, mesmo com dores nas articulações, dei continuidade à elaboração do texto da tese. Foram meses difíceis, enfrentando problemas que me fizeram ficar dependente da família – e sou grato à minha família, que esteve ao meu lado no momento em que mais precisei, e também ao grande espirito Bdâ/Waptokwa Zawre.


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