Ynyxiwè
Umya Karajá
Meu nome é Umya, estou em minha casa, em território Iny.
Eu nasci em 2019. Vou contar a história dos antigos, conforme a tradição oral do povo Karajá.
Ynyxiwè é um herói enviado pelo Criador para transformar os povos Karajá, segundo essa tradição.
Essa experiência tem ligação com a história do Criador, que os Karajá chamam de Deus, valorizando nossas relações com plantas, animais e gestos sagrados.
Essa história oral não trata de quem trouxe o sol — esse é outro relato do povo Karajá.
Realizei esta pesquisa junto com minha mãe, Kaitui Karaja e meu avô, que faleceu faz tempo, o nome dele é Raimundo Alariki Karajá.
Essa vivência é pequena, mas é parte das nossas memórias.
Quando eu estava em São Paulo, comecei a recordar o Rio Berohoky-Araguaia, desde sua nascente até o trecho onde encontrei a dança. Vi o Ynyxiwè dançar ativando energia.
Ao dançar, sente-se a cabeça como parte do corpo sagrado.
Às vezes, ficava inseguro perto dele, e a cigarra pediu para dançar comigo, me dando sua proteção. Ele disse, então: "Pode ficar com minha energia."
Colou sua presença em minha cabeça e eu jamais esqueceria disso.
Isso representa um nascer de novo, como uma ave, utilizando Araci e Sama, que são plantas sagradas.
Então, caminhei rio acima no Araguaia.
Parei para observar um camaleão.
Somos natureza!
Uma menina estava colhendo fruto de mangaba. Vi o artesanato pendurado no pescoço dela, provavelmente feito com sementes de ariri.
Fiquei observando enquanto ela se movimentava. Pedi que me emprestasse aquela peça para usar ao colher frutas, pois ela era nossa. Aceitou.
Quando colocou o artesanato no meu pescoço, muito delicadamente, disse:
“Menino camaleão, fique com isso.” E colocou suavemente.
Segui rio acima, observando os animais, esculturas de madeira e as falas na nossa língua.
Chegando na aldeia, visitei a casa do Cacique Veado — que era grande e representativa naquele espaço. Também visitei a pequenina casa do Lobo e encontrei pescadores no rio.
O lago, chamado em português de Nazaré é cercado por grandes peixes. Em tempos antigos, os peixes não tinham nadadeira caudal e permaneciam parados no rio. Eles também eram simétricos, sem pintura corporal.
Num dia de pescaria, interagimos com muitos peixes: tucunaré, arraia e outros. Começou a chover e pintamos o corpo com jenipapo, colorindo o peixe e também o nosso.
Em seguida, fomos pescar; o primeiro peixe que vi foi um lobo dourado.
Segui rio acima, pisei numa arraia e ela passou por mim.
Voltei chorando e os animais perguntaram o que havia.
É que era o lobo novamente.
Ficamos no lago, os peixes estavam difíceis de pegar — agora tinham nadadeiras caudais.
Depois fui à casa da minha tia Silvéria, e à casa do cacique Veado. Eles falaram que a casa do Lobo não era minha casa.
Fiquei ali sentindo dor da raia.
Choveu a noite inteira, um sinal de amor ancestral e cuidado espiritual. Dormi até a meia-noite, ouvindo o som dos animais como onças e cervos passando por mim à noite — onças que correm mais rápido, cervos que saltam, jabutis que ficam presos.
É poeira, é vida correndo, vivendo o ciclo!
O rio e o lago se entrelaçam, os animais dividem espaço.
Buscar fogo era difícil: carreguei lenha do rio até a aldeia, com muita dificuldade.
Durante a noite, o frio me alcançou. O sapo cururu apareceu, um sapo amarelo que parecia querer trazer água ao fogo. Minha avó disse que também estava sentindo frio — queria se aquecer no fogo.
Coloquei lenha, o fogo queimou até a lenha, depois joguei água no fogo para apagar. Pisei no sapo sem querer.
Assim é a nossa história: cheia de encontros com animais, rios, frutos, pinturas e ancestralidade.
Essa é a história que compartilho com vocês — uma jornada do rio, das plantas, das danças, dos animais e dos meus antepassados Karajá.