Novas Práticas Pedagógicas
A Revista Pihhy dedica este espaço ao fortalecimento da educação intercultural, compreendida como um campo em permanente construção, que se enraíza nas experiências vividas e produzidas a partir das comunidades indígenas e de seus/suas docentes.
Ao reconhecer e apoiar essas trajetórias, reafirmamos o compromisso com práticas pedagógicas que dialogam com os territórios, os saberes ancestrais e os desafios contemporâneos da formação indígena.
Nesta edição, a seção "Novas Práticas Pedagógicas" apresenta o método do Tema Contextual, criado no âmbito do Curso de Educação Intercultural, do Núcleo Takinahaky pela professora Maria do Socorro Pimentel, grade referência latinoamericana neste campo educativo.
A proposta nasce da escuta sensível às realidades locais e da construção coletiva do conhecimento, valorizando a oralidade, os contextos comunitários e as linguagens diversas que atravessam os processos de ensino e aprendizagem indígena.
O método do Tema Contextual se consolida como uma prática pedagógica que respeita os tempos, os modos e os sentidos próprios de cada povo, promovendo interações intra e interculturais, baseadas no diálogo e na autonomia dos sujeitos educativos e, especialmente, da comunidade.
Docentes:
Sandra Crakwyj Krahô · Juliana Pahic Krahô · André Cunihtyc Krahô · João Pedro Cawar Krahô · Silas Wôôco Krahô · Edvaldo Wakê Krahô · Fábio Inxy Caprec Krahô · Carlito Rõrpar Krahô
Escolas participantes:
Escola Indígena Estadual Macaúba
Escola Indígena Estadual Toro Hacrô
Escola Indígena Estadual Crôkrôc
Escola Indígena Estadual Xwarêt
Turmas:
1ª a 3ª séries do Ensino Médio
Tema específico: PJÊ – Invasão Territorial
PROBLEMATIZAÇÃO
O território do povo Mehi-Krahô vem sofrendo invasões cada vez mais frequentes, representando não apenas uma ameaça ambiental, mas também um grave risco à continuidade da cultura tradicional.
Homens não indígenas adentram a área para retirar madeira de lei, coletar ovos de arara, caçar animais silvestres e explorar outros recursos naturais de forma predatória.
Essa exploração desequilibra o meio ambiente e enfraquece a base material sobre a qual se sustentam as práticas culturais, espirituais e alimentares da comunidade.
Apesar da atuação da FUNAI e do IBAMA, a vigilância ainda é insuficiente diante da extensão do território e da intensidade das invasões.
Jovens Krahô têm se organizado para auxiliar no monitoramento das divisas, patrulhando áreas sensíveis e denunciando invasores, mas a falta de recursos, equipamentos e apoio logístico limita a eficácia dessas ações.
As invasões impactam diretamente o modo de vida tradicional. Certas áreas sagradas, usadas para rituais, coleta de plantas medicinais ou realização de festas tradicionais, acabam degradadas ou inacessíveis.
A retirada de recursos naturais essenciais — como árvores utilizadas para artesanato, construções e instrumentos musicais — afeta não apenas a economia local, mas também a possibilidade de manter e transmitir técnicas ancestrais.
A caça predatória e a coleta indiscriminada de ovos e aves comprometem a disponibilidade de alimentos e insumos usados em celebrações, enfraquecendo os laços comunitários e a vivência da cultura.
Para o povo Krahô, o território não é apenas um espaço físico: é a fonte da memória, a base das histórias contadas pelos anciãos e o palco onde se exercem práticas de educação tradicional, caça, pesca, plantio e espiritualidade.
Conscientes dessa ligação profunda entre terra e cultura, os caciques de diferentes aldeias têm se reunido para buscar soluções conjuntas.
Nessas assembleias, discutem estratégias para fortalecer a vigilância, ampliar a participação dos jovens na proteção territorial e reivindicar junto aos órgãos competentes maior presença e apoio técnico. Assim, a luta contra as invasões é também uma luta pela preservação do conhecimento tradicional, da língua e da identidade Krahô.
OBJETIVOS
- Reconhecer e visitar pontos estratégicos do território.
- Observar e registrar informações sobre invasões.
- Escutar e registrar histórias dos anciãos.
- Utilizar matérias-primas locais em atividades educativas.
- Criar mapeamentos comunitários.
- Produzir desenhos, textos e registros visuais.
PESQUISA EM CAMPO
A pesquisa desempenha papel fundamental no processo de aprendizagem de crianças e jovens, especialmente em contextos indígenas, onde o conhecimento tradicional está profundamente enraizado no território e na oralidade dos anciãos.
Compreender temas relacionados ao modo de vida, à cultura e ao meio ambiente é essencial para que as novas gerações fortaleçam sua identidade e mantenham as práticas comunitárias com consciência e responsabilidade.
É importante destacar que o conhecimento sobre muitos desses temas ainda está em desenvolvimento, resultado de um processo contínuo de aprendizado, diálogo e vivência.
Por isso, realizar pesquisas diretamente no território e em diálogo com os anciãos é fundamental. Eles são os guardiões dos saberes ancestrais, detentores das histórias, técnicas e valores que não estão registrados em livros, mas circulam na fala, nos rituais e nas práticas cotidianas.
Essa aproximação permite que a pesquisa seja legítima, respeitosa e situada, contribuindo para a construção de um conhecimento vivo, dinâmico e compartilhado. Além disso, fortalece o vínculo entre as gerações, garantindo que crianças e jovens aprendam fazendo, em comunidade, e compreendam o significado profundo do território como fonte de vida, cultura e aprendizagem.
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES
A proposta de aprendizagem busca construir uma escola comunitária fundamentada nas dinâmicas culturais próprias do povo, em estreita articulação com a escola formal. Essa escola não se limita ao espaço físico da sala de aula, mas se expande para o território, compreendido como um recurso epistemológico essencial para o processo educativo.
Ao valorizar o território, suas práticas, histórias e saberes, a aprendizagem se baseia na experiência direta, no “aprender fazendo” em comunidade, reconhecendo que o conhecimento é produzido e vivido coletivamente.
Dessa forma, a escola atende a demandas sociais concretas da comunidade, integrando saberes tradicionais às exigências do mundo contemporâneo e promovendo uma educação intercultural que fortalece a identidade e a autonomia do povo.
Essa articulação entre cultura, território e educação busca garantir que o processo de ensino-aprendizagem seja relevante, significativo e comprometido com a reprodução e a transformação da vida comunitária.
Dia
Atividade
Segunda-feira
Apresentar o tema em roda de conversa e discutir a importância da preservação territorial no pátio da escola. Os estudantes registram em seus cadernos as informações transmitidas pelos professores, anciãos anotando histórias, nomes de lugares, recursos naturais presentes e relatos sobre as invasões. Essas anotações tornam-se pequenos arquivos e são base da conversa do dia.
Terça-feira
Marcar os dias de visitas às divisas territoriais e preparar os equipamentos necessários. A caminhada pelo território é uma prática essencial para fortalecer o vínculo entre a comunidade e sua terra. Ao percorrer as trilhas, visitar as divisas e conhecer os pontos de referência, as pessoas — especialmente crianças e jovens — aprendem, de forma prática, sobre a geografia, os recursos naturais e as áreas sagradas do povo. É durante essas caminhadas que se transmitem histórias, nomes tradicionais e conhecimentos sobre plantas, animais e cursos d’água, criando uma conexão viva entre o saber ancestral e as novas gerações. Os estudantes registram a caminhada em imagens.
Quarta-feira
Escuta de histórias com anciãos. A oralidade dos anciãos é um dos meios mais potentes de aprendizagem para as crianças indígenas. Ao contar histórias, mitos, relatos de vivências e ensinamentos sobre o território, os mais velhos transmitem não apenas informações, mas também valores, visões de mundo e modos de viver em harmonia com a natureza. Cada palavra carrega a memória coletiva e o conhecimento acumulado ao longo de gerações.
Essas narrativas ganham ainda mais força quando se relacionam com a caminhada pelo território realizada. Ao passar por rios, trilhas, árvores e lugares sagrados, as histórias contadas pelos anciãos se materializam diante dos olhos das crianças. Elas não apenas ouvem, mas veem e sentem o que está sendo narrado. Dessa forma, a escuta e a vivência se complementam: a oralidade oferece o sentido e a história, enquanto a caminhada oferece o espaço físico que ancora o conhecimento. Juntas, essas práticas fortalecem a memória cultural e mantêm viva a ligação entre o povo, sua terra e suas tradições.
Quinta-feira
Reunião comunitária para compartilhar informações sobre invasões. Reunião no Ká (pátio central) espaço de conversas políticas e festas culturais. As lideranças comunitárias apresenta todos os problemas e ameaças ao território à toda a comunidade. Os estudantes anotam em seus cadernos as informações e sensações.
Sexta-feira
Produção de cartografia territorial por meio das atividades registradas ao longo da semana. A atividade final de produção do mapa comunitário é o momento em que todo o conhecimento observado e aprendido durante a semana se transforma em um material visual e coletivo. Durante os dias de caminhada pelo território, escuta das histórias dos anciãos e observação direta dos pontos importantes da Terra Indígena, as crianças e jovens registraram informações em cadernos, fotos e desenhos.
No fechamento, essas anotações e memórias são reunidas para construir um grande mapa, elaborado pela própria comunidade, indicando rios, trilhas, locais de caça, áreas de coleta, árvores sagradas, espaços de rituais e pontos onde ocorrem invasões ou ameaças. Esse mapa não é apenas um registro geográfico, mas um retrato vivo do conhecimento tradicional aliado às experiências práticas da semana.
Além de servir como ferramenta de proteção e planejamento comunitário, o mapa será guardado e utilizado pelas próximas turmas, permitindo que os novos estudantes aprendam a partir do trabalho realizado e possam atualizá-lo, mantendo o conhecimento sempre vivo e em movimento dentro da comunidade.
CALENDÁRIO SOCIONATURAL
O Calendário Socionatural privilegia os meses de seca como o período mais adequado para a realização destas atividades, que coincide com o período das festas comunitárias. Durante esse tempo, quando as chuvas cessam, as condições climáticas permitem encontros coletivos mais intensos e prolongados, fortalecendo os laços sociais e culturais do grupo, são momentos dedicados a acampamentos de caça e pesca, às contações de histórias noturnas e aos ensinamentos sobre demarcação territorial, aproveitando o clima mais favorável para as atividades comunitárias. Em contraste, nos meses chuvosos, há maior dedicação ao trabalho na roça, essencial para a subsistência da comunidade, o que restringe a possibilidade de grandes celebrações. Note-se que as invasões podem ocorrer a qualquer momento, demandando atenção constante.
AVALIAÇÃO
A aprendizagem será medida por:
Participação nas atividades (anotações, desenhos, cartazes e textos).
Apresentações orais para a comunidade.
Mapeamentos da reserva.