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CÂMARA DOS DEPUTADOS
Projeto de Lei que cria Dia da Capoeira é aprovado pela CCJ
Foto: Acervo/Iphan
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (9), o Projeto de Lei 7.536/2010, que institui o Dia Nacional da Capoeira, a ser celebrado no dia 15 de julho. De autoria do deputado federal Márcio Marinho, a proposta segue agora para votação no Plenário da Câmara dos Deputados.
O projeto reconhece o papel da capoeira como manifestação cultural de origem afro-brasileira e propõe sua inclusão no calendário oficial do país. "Essa cultura é uma cultura milenar, é a dança, é o gingado, é a capoeira que ultrapassou as barreiras do Brasil", destaca Márcio Marinho.
A aprovação foi recebida com entusiasmo e reflexão por representantes do setor. O mestre de capoeira e fundador da ONG Mandinga, Mestre Sabiá, avaliou a decisão da CCJ como simbólico e importante, mas destacou a necessidade de ações concretas que acompanhem o reconhecimento oficial.
“Em um primeiro momento, a notícia despertou curiosidade – quis entender os detalhes, de onde partiu a iniciativa e quais seriam os desdobramentos. No segundo momento, senti alegria, afinal, é um reconhecimento simbólico importante para uma manifestação cultural tão rica e significativa como a capoeira. Mas logo em seguida veio a reflexão: de que forma essa homenagem pode, de fato, fortalecer a comunidade capoeirística?”, afirmou.
Sabiá ressaltou que a valorização da capoeira precisa ir além da institucionalização de uma data comemorativa. Para ele, o reconhecimento só será efetivo se vier acompanhado de políticas públicas, investimentos e respeito às lideranças tradicionais.
“Tenho receio de que esse reconhecimento se torne apenas um ato folclórico – algo simbólico, mas vazio de consequência prática. A capoeira é resistência, é um ato político, é um saber ancestral que carrega a memória da luta de um povo. Reconhecê-la oficialmente é importante, mas não pode parar por aí”, alertou.
A oficialização de um Dia Nacional da Capoeira, segundo o Mestre, pode contribuir para dar visibilidade à prática e ampliar o diálogo com o poder público, mas não resolve, sozinha, os preconceitos históricos que ainda cercam a capoeira e seus praticantes.
“Vivemos em um país estruturalmente racista, com uma herança escravocrata cruel. O reconhecimento traz o tema para a pauta, mas é preciso entender que as raízes do preconceito contra a capoeira e outras manifestações afro-brasileiras são profundas. Tornar visível é um ato de resistência – e também um convite à transformação”, ressaltou.
A aprovação do projeto ocorre em um contexto de fortalecimento das políticas de valorização da cultura afro-brasileira. Em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu a capoeira como patrimônio cultural imaterial do Brasil. Seis anos depois, a roda de capoeira foi declarada patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco.
"A capoeira, embora marcada pela influência africana, estabeleceu-se como hoje é conhecida no Brasil. Foram também os mestres brasileiros os responsáveis por articular aspectos culturais a uma manifestação que poderia ficar restrita à face marcial, mas que, ao contrário, é reconhecida por sua riqueza musical e gestual, o que a aproxima também de uma dança especial, reminiscência de jogos de combate de sociedades tradicionais", retrata o Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil do Iphan.
Para Sabiá, o fortalecimento da capoeira como política pública deve incluir apoio institucional, valorização dos mestres e mestras, espaços reais de decisão e fomento a projetos sociais e educativos. Ele lembra que muitas expressões culturais são celebradas simbolicamente, mas continuam desassistidas na prática.
“Temos o Dia do Indígena e os povos originários continuam tendo seus direitos violados; temos o Dia da Consciência Negra, e seguimos enfrentando o racismo todos os dias. Portanto, que esse dia sirva como ponto de partida para algo maior”, alerta.
Mais do que uma arte marcial, a capoeira é entendida por seus praticantes como uma linguagem cultural complexa, que reúne história, música, corporeidade, espiritualidade e educação popular. Para Sabiá, ela é uma das colunas que sustentam a identidade brasileira.
Atualmente praticada em mais de 170 países, a capoeira é também vetor de internacionalização da cultura afro-brasileira. No entanto, Sabiá alerta que esse crescimento ocorreu sem apoio institucional: “O capoeirista é um verdadeiro agente cultural. O reconhecimento institucional é importante, mas não deve ser confundido com protagonismo. O protagonismo sempre foi – e continua sendo – do povo da capoeira".