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INDÚSTRIA CRIATIVA
No segundo dia de rodadas de negócios, Hip-Hop e dança aquecem conversas, criam encontros improváveis e revelam urgências no MICBR
Foto: Alícia Pilar
O segundo dia das rodadas de negócios no MICBR+Ibero-América 2025 começou com um clima diferente do anterior. Se na primeira manhã tudo era descoberta e reconhecimento de terreno, desta vez o salão parecia pulsar com outra vibração. O foco nos showcases de hip-hop e dança, que acontecem hoje à noite, reverberava nas conversas ainda cedo, como se cada mesa fosse o rascunho de uma cena que só ganharia luz quando os artistas subissem ao palco.
Perto da entrada, o produtor carioca Gabriel Marinho ajustava o crachá com uma mão e abria o laptop com a outra. Fundador da Mondé Musical, ele parecia ao mesmo tempo, concentrado e deslumbrado. “A gente vive numa bolha do Sudeste”, confessou, rindo de si. “Vir pra cá, abre o olho. A gente não conhece nem metade da riqueza cultural que o Brasil tem.” A Mondé trabalha com música urbana, descobrindo e lançando artistas, mas, segundo ele, o encontro com produtores e criadores de outros cantos do país vem dissolvendo certezas. O que mais o impactou até agora foi conhecer um artista do Amapá que apresentou a cultura do marabaixo, uma tradição afro-amazônica reconhecida como patrimônio imaterial. “É lindo, é potente e é mercado também. Brasil é gigante, a gente que tem o mapa pequeno”.
Gabriel planeja dividir o dia entre um painel e o showcase de Hip-Hop. Não esconde que quer descobrir artistas, encontrar vozes inéditas, talvez achar alguém que ainda não sabe o tamanho que pode ter. Contou também que ontem conversou com nomes que estarão nos palcos esta noite — Nubian Zayana, Thabata Lorena — e que a expectativa é ouvir boa música e fechar parcerias inusitadas. Esse é o espírito do segundo dia: um pé na realidade concreta das negociações, o outro na promessa do palco.
Ainda na mesma ala do Hip-hop, o produtor Vinícius Terra parecia circular com a naturalidade de quem já conhece todos os sotaques. Diretor da Represa Poesia, ele trabalha com cultura urbana do Atlântico Sul — conectando Brasil, países africanos de língua portuguesa e outros territórios que continuam aprendendo a se olhar. Para ele, estar no MICBR é também observar como o hip-hop brasileiro se entende enquanto cadeia produtiva. “Ainda é incipiente, sabe? Ainda falta enxergar o hip-hop como economia, como estrutura. Mas a gente está chegando lá.” Entre as tantas trocas do dia, uma chamou sua atenção: a conversa com Morcego, artista da Baixada Fluminense que hoje atua também em Maricá e no Instituto MC Guimê, em Osasco. “Ele é artista, mas também articulador”, disse Vinícius, com a certeira convicção de quem encontra uma faísca rara. “E ponte é tudo no Hip-Hop.”
Mais ao fundo, entre abraços apertados e risadas animadas, o gaúcho André Dizéro parecia conhecer a sala inteira, representando o festival Rap Contra o Frio, do extremo sul do país. O festival funciona com ingresso solidário — o público entra com agasalho ou alimento — e, além dos shows, o projeto oferece oficinas de hip-hop em escolas e um programa inusitado: o Hip-Hop à Obra, que une cultura urbana e design de interiores para apoiar casas de cultura com consultoria em 3D. “A gente é do extremo sul, mano. Estar aqui é ser visto. E ver também”, disse ele, enfatizando a importância de encontrar outros produtores e de fortalecer a comitiva do sul, que veio numerosa e tem circulado como um coletivo dentro das rodadas. “A gente se ajuda. Vê um projeto que combina com o do outro e já puxa junto”.
Em outro ritmo
Se o Hip-Hop movimentava conversas rápidas, trocas de cartão e estratégias de carreira, o setor da dança trazia outro ritmo: falas longas, histórias de vida e urgências que ultrapassam qualquer planilha. Ninguém representou isso melhor que Mestra Maria Tiê, tesouro vivo do Ceará, que chegou ao MICBR com três gerações de mulheres do Quilombo de Sousa — a irmã, a sobrinha e a filha. Com o sorriso calmo de quem carrega território na voz, ela descreveu o cansaço da véspera, o descanso merecido e a alegria renovada neste segundo dia. “Nós somos mulher e criança dançando coco. A gente veio mostrar nosso povo”, disse, com firmeza. Era impossível não sentir a dignidade que atravessava suas palavras.
A presença dela chamou a atenção de curadoras do festival de dança Marco Zero, Barbara Matias e Ivana Motta, que atua principalmente nas ruas e escolas de Brasília. As duas conversaram longamente — e ali surgiu uma das discussões mais importantes do dia: a dificuldade de circular no Brasil. O preço de uma passagem nacional que custa como uma internacional. A estrutura ainda em construção para quem produz cultura longe dos grandes centros. “Editais precisam conversar com essas comunidades. Falta alfabetização digital, ponte, falta”, disse a equipe do Marco Zero, com a honestidade crua de quem acompanha esse gargalo há anos.
Mesmo assim, a curadora saiu da manhã com perspectivas animadoras. Descobriu uma bailarina do Pará, conversou com representantes do Amapá e já imagina novos encontros para o festival do próximo ano. A energia do MICBR, segundo ela, está justamente nessa colisão entre mundos que normalmente não se cruzam.
Com o final da manhã chegando, o salão parecia levar mais tranquilidade, mas os diálogos continuavam. Era como se o segundo dia tivesse escancarado que as rodadas de negócios como espaço de reconhecimento mútuo, de encontro com o país real — o país diverso, brilhante e complexo que nem sempre chega ao mapa das políticas culturais. Hip-hop e dança, tão distintos e tão próximos, revelaram isso com força. Entre uma conversa e outra, ficava evidente: aqui se fala de negócio, mas também de pertencimento, memória, circulação, comunidade.
Amanhã, 6 de dezembro, vem o último dia de rodadas. Pelas conversas de hoje, o clima é de entusiasmo — e também de urgência. Porque, se os dois primeiros dias mostraram algo, que é preciso enxergar para o Brasil refletido ali. Ainda assim, entre as mesas, ninguém parecia querer desviar o olhar. Hoje, todo mundo encontrou alguma história que valia ser levada adiante.
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MICBR+Ibero-América
A edição 2025 é uma realização do Ministério da Cultura, correalização da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), do Governo do Estado do Ceará, por meio da Secult Ceará, e da Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secultfor.
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